Era noite de sexta-feira, 29 de março de 2019. Após ser encaminhada para o Hospital Universitário de Maringá (HUM) depois de um parto em casa, uma mulher de 34 anos disse à equipe médica e à assistência social que não queria ficar com o bebê. O caso foi noticiado pelo Maringá Post e revelou histórias de mães que adotaram e de pessoas que foram entregues para adoção e viveram ao lado de uma nova família.
Um desses relatos veio de São José do Rio Preto, município no interior de São Paulo. Valéria Arruda Alves, de 42 anos, é mãe de dois filhos adotivos. O mais velho, de 14 anos, foi entregue voluntariamente para adoção pela mãe biológica e o mais novo, de 3 anos, foi abandonado em um quarto de hotel quando ainda era bebê, com apenas um ano de vida.
Valéria conta que tentou por cerca de cinco anos engravidar, mas percebeu que o desejo de ser mãe era maior do que a vontade de gerar um filho. No final de 2002 ela e o marido decidiram entrar na fila de adoção e em 2005 conseguiram adotar o filho mais velho, ainda com sete dias de vida, que foi entregue voluntariamente para adoção.
No entanto, o desejo do casal sempre foi ter dois filhos e o primeiro filho adotivo também queria ganhar um irmão. Dessa vez, Valéria e o marido ficaram por sete anos e um mês na fila de espera até que adotaram o filho mais novo, há cerca de um ano. O menino que tem hoje 3 anos, foi abandonado em um quarto de hotel, ficou um ano em um abrigo, até que foi adotado pela família. “Ele chegou bem no aniversário de dois anos, nosso presente foi recíproco”, conta Valéria.
Por causa da relação com os filhos, Valéria diz que percebe diferenças entre o que foi entregue para adoção e o que foi abandonado. O peso é bem maior para um do que para outro. “Além da personalidade, ele [o filho mais novo] tem uma questão de carga emocional, você vê que ele tem medo de perder o que conquistou”.
Por esse motivo, Valéria afirma que não julga a atitude da mulher que entregou o bebê voluntariamente. “Quando alguém doa, vejo que é para realizar o sonho de alguém como eu. Vejo essas pessoas como abençoadoras de lares, quem doa voluntariamente realiza um ato de amor. O fato dela não querer criar não significa que ela não amou, mas que deu oportunidade para essa criança ser amada”.
Priscila foi adotada antes de nascer
Outra história foi compartilhada pela consultora de negócios, Priscila Mayara dos Santos Ribeiro, de 28 anos, nos comentários da publicação da matéria. Ela conta que a mãe biológica não teve condições de criá-la e que foi adotada recém-nascida. No entanto, ela agradece a mãe por ter tomado essa decisão. “Tive a oportunidade de ficar com uma família formidável que me tornou a mulher que sou hoje”, escreveu.
Os pais de coração de Priscila, assim como ela gosta de chamar a família adotiva, moravam em São Paulo e tinham parentes em Nova Aurora, município na região metropolitana de Cascavel. Após tentar engravidar e não conseguir, a mãe adotiva de Priscila descobriu que uma mulher que morava na cidade estava grávida de gêmeas e não poderia ficar com as filhas.
Uma semana depois de acertarem a adoção, Priscila nasceu prematura aos sete meses de gestação. Quando souberam do parto, os pais adotivos vieram de São Paulo para Nova Aurora, mas só conseguiram adotar Priscila, já que a outra irmã tinha sido entregue para outra família.
Após isso, a família voltou para São Paulo, onde a consultora de negócios viveu parte da infância e da juventude. Quando Priscila tinha 9 anos de idade, os pais revelaram que ela era adotada e tinha uma irmã gêmea. Desde então, o desejo de Priscila é conhecer a mãe adotiva e, principalmente, a irmã gêmea. “Imagina encontrar alguém por aí que é muito parecido comigo”, diz.
Hoje, Priscila mora em Paiçandu, na região metropolitana de Maringá, e é mãe de um menino de 10 anos. Ela conta que após a maternidade começou a compreender a opção de algumas mulheres que decidem entregar voluntariamente os filhos para adoção e também consegue se colocar no lugar da mãe biológica dela.
“Engravidei muito cedo e tive que desistir dos estudos. A família da minhã mãe biológica colocou ela para fora de casa quando ela engravidou e ela entrou na prostituição para se manter. Comigo foi diferente, eu tive o apoio da minha família e falo que a partir daí comecei a me colocar no lugar da minha mãe. Ela fez isso porque realmente precisava e não porque queria”, diz Priscila.
Onde está o pai? Pouco se fala sobre abandono paterno
Além de emocionantes relatos, algumas pessoas, assim como Valéria e Pry Mayara, também apoiaram a atitude da mãe que entregou o filho. “Se ela sabe que não pode ser uma boa mãe, quem somos nós para julgar. Que bom que ela deu uma nova oportunidade para o bebê, que ele seja muito feliz na nova família”, comentou Dani Melo na publicação da matéria no Facebook do Maringá Post.
Outro ponto importante foi levantado por Vanessa Miranda no Facebook, ninguém cita o abandono do pai da criança. É comum se responsabilizar socialmente apenas a mãe, no entanto o abandono paterno também é uma realidade encarada por muitas mulheres. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que 5,5 milhões de crianças brasileiras não tinham o nome do pai na certidão de nascimento.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a entrega voluntária não é crime e está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em entrevista para o Maringá Post em julho do ano passado, o juiz substituto da Vara da Infância e Juventude de Maringá, Robespierre Foureaux Alves, respondeu algumas duvidas sobre os processo de adoção e entrega voluntária.
“É importante combater os conceitos equivocados de que toda pessoa nasceu para ser mãe e pai e que genitores que entregam o filho para adoção são pessoas más ou sofrem de problemas mentais. Deve-se entender que a entrega voluntária é um direito dos pais e respeitar quem toma essa decisão”, afirmou o juiz em entrevista.
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