Uns anos atrás eu lembro de ter lido um artigo sobre como jovens da geração após a minha estavam chegando na faculdade sem saber o que é um arquivo ou uma pasta. Na época foi algo que eu vi, fiz ‘hm’, e imediatamente segui em frente. Porque sinceramente, o que não falta são artigos alarmistas sobre “os jovens de hoje”, e eu ainda lembro da época que eu era “os jovens de hoje”. Há registros de Sócrates reclamando da juventude no século 4 antes de cristo.
Mas eu me peguei me lembrando disso semana passada, enquanto escrevia sobre como “o usuário comum não vai querer aprender a usar Linux tampouco sabe modificar o instalador do Windows”. Mas pra explicar a ligação entre todas essas coisas, eu vou precisar fazer uma pequena jornada.
A Caixa Mágica e o Desamparo Aprendido
Há um fenômeno na psicologia chamado de ‘Desamparo Aprendido’. A ideia é que um organismo que é forçado a aturar uma situação desagradável repetidamente, eventualmente ‘aprende’ que não pode fazer nada sobre essa situação desagradável, e que no futuro, ao encontrar um estímulo similar, acredita não poder influenciar a situação, e não faz nada para evitar tal estímulo. É uma teoria que poderia explicar depressão clínica, ou por que pessoas que sobreviveram a abusos acabam se envolvendo em novos relacionamentos abusivos.
Se um ser vivo pode realmente ‘aprender que não tem influência’ e portanto se manter em uma situação desagradável, então tal ser vivo poderia aprender – Que não precisa aprender?
Houve um tempo, isso na época do meu avô ou talvez antes, em que ter um automóvel, fosse este um carro ou caminhão ou o que fosse, vinha com a expectativa de que você teria um entendimento básico de como cuidar deste veículo, uma compreensão do que as peças por baixo do capô faziam. Saber trocar um pneu, fazer uma ‘chupeta’ em bateria, reconhecer no som do motor que algo de errado não está certo, coisas do tipo. Coisas que eu não tenho nem ideia sobre. Pra mim, um carro sempre foi uma caixa mágica onde eu sento, piso nos pedais, e chego onde eu quero.
O caso da “Caixa Mágica” é meio que algo que afeta todas as tecnologias e invenções humanas há algum tempo – E é claro que é. É fácil alguém querer uma caixa mágica. Um aparelho que você não precisa aprender nada sobre, que só faz o que você quer ou precisa. E é lucrativo para a indústria se até máquinas que não deviam ser assim forem tratadas como tal, porque eles podem tirar lucro extra exigindo que elas sempre sejam mantidas por técnicos “autorizados” (I.E.: Pagantes), ou pela Obsolescência Programada.
Só que acontece que caixas mágicas não são reais – E tratar máquinas como se fossem caixas mágicas é algo que tem consequências. O objetivo da indústria tecnológica tem sido, de fato, fazer com que computadores se comportassem como tal – Funções de pesquisa avançadas pra você não ter que lembrar onde enfiou um arquivo, telemetria e atualizações em tempo real para que programas tenham seus defeitos consertados invisivelmente, armazenamento protegido pra que você não possa acidentalmente danificar um arquivo crucial do sistema, etc. – Todas essas coisas? Na verdade bastante convenientes pra quem já sabe usar um computador, já sabe o que são arquivos, e como programas funcionam e (…)
Mas o que acabou acontecendo é que toda uma geração, criada desde pequena com tais facilidades, não é mais capaz de navegar uma estrutura de pastas, não sabe mais onde está salvando seus arquivos, não sabe o que fazer quando vê uma mensagem de erro, não sabe o que fazer quando um arquivo de sistema corrompe. – Ou seja, aprenderam que não precisam aprender.
E sabe do que mais? Enquanto tudo está bem, realmente não precisam. Não, sério – Com exceção de quem está explicitamente indo pro ramo da computação (que vai dar trabalho extra pros professores que vão ter que começar do começo–), a maioria das pessoas só usa o computador.
Mas a minha preocupação com isso tudo é a dependência que isso cria – O que acontece quando (não se, quando) a empresa que montou sua caixa mágica decide que ela está obsoleta? Você tem que comprar outra, gerando lixo. Okay. E talvez você tenha o dinheiro para tal e não se importe com o impacto ambiental. Mas você vai pagar um técnico toda vez que qualquer coisa dá errado?
A geração dos meus pais também tem suas dificuldades com tecnologia, mas eles sempre puderam virar pra alguém da minha idade, perguntar, e ter uma resposta mais ou menos sobre o que fazer, e no caso deles, o computador é uma máquina estranha que entrou na vida deles quando eles já eram adultos.
Agora estamos indo de uma geração que não sabia usar um computador porque estes eram máquinas alienígenas, para uma geração que não sabe usar um computador porque o computador parece deliberadamente projetado pra você não realmente aprender.
A opinião da Indústria Tecnológica é que a caixa mágica vai ficar ainda mais mágica, claro. Essa é a promessa da IA. Mas é claro, o mais provável de acontecer na verdade é isso aqui:
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Esse é um daqueles textos onde eu não realmente tenho uma conclusão à qual eu estou chegando. Eu só estou contando de algo que eu aprendi e que eu acho que vale a pena saber. Algo que pode criar problemas e soluções.
Escrito por Vitor Germano para o Maringá Post
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