Imagine o seguinte: É tarde da noite, você está dirigindo, você liga o rádio do carro e escuta uma canção. Você tem certeza que nunca ouviu essa canção antes, mas ela tem aquele distinto som dos anos 80, parecendo tantas outras trilhas da época, e soa familiar por causa disso.
Você mal entende o que os cantores estão dizendo – Você tem razoável certeza que eles estão falando inglês, mas entre a distorção sintética, a qualidade imperfeita do rádio, e o curioso sotaque deles, o resultado é uma compreensão imperfeita – E o que você consegue entender sugere uma letra pensativa, melancólica.
E então a canção acaba. Nenhum locutor a identifica. E você nunca mais ouve essa trilha de novo.
Parece algo de um sonho esquisito, ou de uma história de terror onde quem escuta a música morre dali sete dias, não parece? (… De fato, minha primeira exposição a essa música e à história associada foi um joguinho independente de terror, visto na imagem de capa desse post)
Bem, na verdade é uma aproximação da história real de uma trilha musical que confundiu e fascinou a internet por 17 anos – E teve o mesmo efeito em seu descobridor por outros 23 além disso. A única diferença é que não havia um carro envolvido (não me culpe: dirigir de madrugada ao som de uma musica esquisita no rádio tem um impacto emocional maior do que só ouvir uma musica esquisita no rádio).
Tudo começa em meados da década de 80, quando essa trilha não seria algo “retrô”, mas contemporâneo. Um jovem alemão (que a internet viria a conhecer como Darius S.) sentava-se perto de um mini-system, escutando um programa de rádio dedicado a bandas alternativas, e gravando musicas que gostava para uma seleção em fita cassette. Entre sucessos alternativos da época como Depeche Mode, uma trilha não-identificada é reproduzida. Darius gosta da trilha, mas não sabe se o locutor não anunciou o nome e artista, ou se falou e ele não escutou.
Ao datilografar a lista de trilhas na seleção, Darius marca a canção não-identificada com um ponto de interrogação, sinalizando que o artista era desconhecido, e sem saber o título, coloca a frase mais repetida na letra da música como título provisório.
Anos passam. Darius continua montando suas seleções musicais, mas jamais ouve essa canção misteriosa tocar no rádio de novo. Os anos viram décadas. A internet é inventada. Darius (e sua irmã Lydia) decidem usar dessa nova ferramenta para ver se identificam a canção misteriosa. Mas mesmo digitando várias permutações do que eles acreditam ser a letra da música, nenhum resultado satisfatório aparece.
Em 2007, Lydia decidiu fazer uso das comunidades que haviam se formado na internet, e colocar mais cabeças para pensar nesse mistério. Digitalizando e postando uma fatia de 1 minuto da canção em um site alemão dedicado a música dos anos 80, bem como um fórum canadense sobre música em geral.
Na época, ninguém apareceu para tomar o crédito por produzir a canção, e nenhuma pista sobre suas origens, mas o arquivo com um pedaço da música continuou disponível em locais obscuros da internet. Coisas começaram a mudar em 2019, quando Gabriel da Silva, um jovem brasileiro fissurado pelo movimento new wave dos anos 80 descobriu o pequeno recorte da trilha e colocou ela no YouTube e no Reddit, expondo a canção a uma internet muito maior e mais diversa.
No mesmo ano, a versão completa da gravação feita por Darius lá nos anos 80 foi encontrada, quando um usuário anônimo descobriu o e-mail de Lydia e convenceu ela a compartilhar o arquivo.
Com a trilha inteira e milhares de cabeças pensando, a especulação acelerou. O sotaque do cantor: Ele era alemão? Ou talvez polonês ou austríaco? E a letra? Ele estaria cantando “hear the young and restless dreaming” (ouça os sonhos sem-descanso dos jovens) ou “here you’re under arrest for screaming” (agora você está preso por gritar)? A música é algum tipo de comentário político? E a frase repetida que virou título provisório da música, seria “Like the Wind”(como o vento), ou talvez “Locked away”(trancado), ou ainda “blind the wind”(cegado pelo vento)?
Os detetives internautas conseguiram até localizar o DJ que estaria trabalhando para a rádio alemã naquele espaço de 4 anos em que Darius estava gravando suas seleções, mas o DJ, Paul Baskerville, nascido na nglaterra, não tinha nenhuma lembrança da trilha, e nem sequer tinha certeza se realmente havia tocado ela em algum ponto.
Uma pista que ele revelou, no entanto, é que ele ocasionalmente recebia fitas vindas da então-socialista Alemanha Oriental. Essas trilhas seriam particularmente obscuras, vindas do lado de lá da cortina de ferro.
Foi só nessa semana passada que o mistério foi resolvido, quando um internauta identificado pelo pseudônimo “marijn1412” fez uma postagem dizendo que havia encontrado os artistas por trás da canção. O internauta estava pesquisando sobre um evento que havia ocorrido em 1983 no norte da Alemanha, dedicado a bandas locais, a maioria das quais jamais atingiu sucesso além da região.
Entre elas, uma banda chamada FEX. O internauta conseguiu contato com um dos membros da banda, Michael Hädrich, um homem de 68 anos, que confirmou que a canção havia sido produzida por ele e sua banda. Hädrich parecia levemente chocado que sua banda, que só tinha tido sucesso regionalmente 40 anos atrás, agora tinha uma de suas canções como um sucesso mundial e mistério não-resolvido.
Então, não era uma banda da antiga União Soviética, mas sim do norte da Alemanha Ocidental, o status obscuro da canção se explica por ter sido um sucesso regional. Mas talvez mais interessante – A versão que Darius havia gravado do rádio em 84 era aparentemente de uma fita demo. Hädrich enviou versões em alta qualidade (que você pode ouvir ali em cima, se é que já não o fez) não só da trilha misteriosa, mas de duas outras (1) (2) músicas autorais da banda – E a versão da trilha misteriosa (agora oficialmente identificada pelo artista como se chamando ‘Subways of your Mind’ – ‘Metrôs da sua Mente’) que ele compartilhou é levemente diferente da versão gravada por Darius que viralizou na internet com ajuda de um brasileiro em 2019
Escrito por Vitor Germano para o Maringá Post
Sugestões? Críticas? Perguntas? Fale comigo no e-mail [email protected]
Comentários estão fechados.