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Essa semana eu estava sem inspiração para um post, até que ouvi meu pai comentar sobre um artigo que ele havia lido envolvendo as preocupações de pais acerca dos gastos dos filhos no “jogo” Roblox.
Depois que eu superei a surrealidade de ouvir a palavra ‘Roblox’ escapar dos lábios de alguém da geração do meu pai, o assunto da semana se tornou óbvio.
Eu digo surrealidade porque, para mim, que jamais “jogou” Roblox, ele ainda assim é objeto de relativa familiaridade – Se por nada mais, por conta de imagens estranhas que transbordavam da comunidade do “jogo” para a cultura de memes geral, na qual estou imerso desde que recebi acesso irrestrito à web – Algo que aconteceu em meados de 2006, que coincidentemente, foi o ano em que Roblox foi lançado. – Osmose cultural é algo poderoso, tem muita coisa com a qual eu nunca pessoalmente interagi, mas que eu conheço por conta dela.
E ainda, eu nunca imaginei que ouviria esse nome ser falado por alguém que não está imerso nessa cultura. E entre essa conversa e em ler outros materiais sobre as muitas controvérsias em que o Roblox tem se metido, fica claro que a nova geração está ouvindo falar nele – Sem realmente saber o que ele é… E eu não os culpo, nem um pouco.
Meu objetivo hoje é desmistificar: explicar o que é o Roblox, por que ele é relevante, e por que ele é controverso.
Tá, então o que é o Roblox?
Eu posto “jogo” entre aspas, porque o que o Roblox é, é um pouco complicado de explicar. “Jogo” é a coisa mais próxima de um termo “familiar”, mas ele não abrange o que o Roblox é, muito menos o que ele anseia ser (e há uma lacuna enorme entre essas duas coisas). De acordo com a empresa que produz o jogo, Roblox é um “Universo virtual” e uma “plataforma imersiva”, mas como quase tudo no dialeto falado por corporações, essas palavras na prática não descrevem é nada.
Na prática, Roblox é um programa de computador, disponível tanto para computadores tradicionais quanto para consoles e smartphones (que são nada mais que computadores, apesar do que marketeiros tentam te dizer), dentro do qual usuários são capazes de criar seus próprios jogos usando ferramentas simplificadas de programação e uma biblioteca de recursos (modelos, animações, sons, etc.) prontos. E então, outros usuários podem encontrar e jogar estes jogos que são criados dentro do programa.
Ou seja: Roblox trata-se de um caminho introdutório para tornar-se um desenvolvedor de games. E uma plataforma de comunicação para a comunidade que naturalmente se forma em torno dessa experiência. Há usuários que só jogam, usuários que só criam, e usuários que participam das duas coisas.
Então. “Jogo” passa perto de explicar, mas é como um jogo composto por outros jogos, que vem junto com as peças que podem ser usadas para criar mais jogos dentro dele. E também é uma plataforma social para as pessoas interessadas, seja em jogar estes sub-jogos, ou em criar novos.
Em termos do que ele quer ser, a resposta só pode ser dada poeticamente, mas é o que toda plataforma da indústria tecnológica quer: Roblox quer ser um buraco negro. Absorvendo tudo para dentro de si. A plataforma onde tudo acontece: Conversas casuais, compras, video games, e tudo o mais.
E como eu disse, isso é um anseio universal na indústria tecnológica. É por isso que o Instagram, ora um aplicativo para edição e compartilhamento de fotos, agora também é tantas outras coisas. É por isso que a Google tem tantos “serviços”. É por isso que o Windows tem te assediado para desinstalar o Google Chrome(ou Firefox se você é uma pessoa legal) e instalar o Microsoft Edge. O objetivo é que você coloque sua vida toda dentro do ecossistema deles. Independente se isso é possível ou não.
E por que ele é relevante?
Isso é uma daquelas perguntas que tem uma resposta circular: Roblox é relevante porque ele é popular. Popularidade e relevância não são sinônimos, mas tendem a andar de mãos dadas. E popularidade tende a criar mais popularidade.
Mas para ser um pouco menos sarcástico, o Roblox é relevante por sua popularidade, mas também porque as controvérsias onde ele se enfiou são úteis para discutir tantos desdobramentos da indústria dos games bem como da indústria de mídia social, já que o Roblox é um pouco dos dois.
E quanto à tal controvérsia?
BEM, finalmente chegamos à parte divertida. Uma parte da razão, claro, eu sou obrigado a dizer, como ex-amante da tecnologia, é tão simplesmente a reação emocional inerente a toda tecnologia nova. Tão antiga quanto a escrita, acredite se quiser. Mas bem, sendo de 2006, Roblox já nem é mais tão antigo assim. Com 18 anos, logo logo o Roblox vai ser tão antigo quanto o Atari era na época que eu comecei a jogar video games.
Mais interessante é a razão pela qual o Roblox se viu em uma manchete recentemente, pertinente a um processo aberto por uma organização européia de defesa aos direitos do consumidor, que abriu um processo perante à União Européia, onde o Roblox não é o único réu, mas é o mais famoso. Com a popularidade e a flexibilidade do Roblox como plataforma, ele acabou se tornando um vetor dentro do qual muita grana corre. Diversas empresas investem em ter sua marca inserida na plataforma, seja na forma de materiais na biblioteca disponível a desenvolvedores, ou na forma de jogos customizados (“experiências de marca”, como são chamadas na página corporativa do Roblox).
A questão é que, embora acesso ao Roblox seja gratuito, os jogos dentro da plataforma, bem como os materiais da biblioteca usada para desenvolver tais jogos, não são. Tudo precisa ser comprado.
O argumento dessa organização, um com o qual eu concordo, é que a empresa usa de uma técnica manipulativa para extrair dinheiro de seus usuários, que por muitas vezes, são menores de idade. Estes jogos são desenvolvidos com os programadores e artistas trabalhando lado-a-lado com marketeiros, e sim, psicólogos, e usam de técnicas diversas para explorar os sistemas internos de recompensa da psiquê humana.
Cada compra individual é relativamente barata, às vezes custando apenas centavos, o que já facilita gastar e gastar sem perceber o custo cumulativo.
Mas além disso, compras não têm o preço listado em valor monetário diretamente, mas com um valor em uma moeda virtual (chamada “robux”), causando um distanciamento subconsciente entre a compra feita no jogo e o dinheiro real que essa custa – E tal moeda virtual é vendida em “pacotes”, sendo impossível comprar apenas a quantia necessária para o item que se quer adquirir, sempre sendo mais, ainda que só um pouco mais.
Vários truques matemáticos são usados para garantir que o jogador sempre tenha um pouquinho sobrando, o que explora o fato de que subconscientemente, o ser humano não processa números de forma precisa. Se você tem o equivalente de R$4 sobrando na sua conta do Roblox após uma compra anterior, e quer comprar um item cujo preço equivalente é R$5, ao fazer a compra, subconscientemente, o seu cérebro não vai pensar “gastei cinco reais”, mas sim “gastei um real”. Exceto que como é impossível comprar só R$1 de “robux”, você acaba com outra sobra, e o ciclo se repete infinitamente. (já se perguntou porque nas lojas tudo custa “XXX9,99” reais, e nunca um valor redondo? Mesmo truque. Racionalmente sabemos que R$1.999,99 é quase o mesmo que R$2.000, mas subconscientemente, processamos R$1.999,99 como “Mil(…)”, com o resto sendo pulado, e sentimos que estamos economizando)
Na indústria dos jogos, isso são chamadas “Micro-transações”, e elas são cada vez mais comuns, tendo inclusive escapado do território dos jogos gratuitos (“Freemium”) e agora sendo encontradas até em jogos pelos quais o jogador já pagou centenas de reais.
Isso se mistura ao aspecto social da coisa: Se todos os seus amiguinhos dentro do jogo estão usando roupas legais, você obviamente vai querer uma também. Se você está desenvolvendo um jogo para mostrar pras pessoas, é “brega” usar só os materiais da biblioteca gratuita, então você vai querer comprar materiais premium. Etc.
Se você está sentindo que muitas das “maldades” do Roblox não são únicas ao jogo, mas sim truques que são usados no comércio desde que este foi inventado na idade do bronze: Meus parabéns, você está certo. Um assunto para uma coluna futura, talvez, deveria ser como na verdade a tecnologia é uma gotinha dentro do oceano que é a boa e velha malandragem. A tecnologia empodera o malandro com novos otários para passar a perna, mas os ganchos de manipulação e, de fato, a falta de ética envolvidas, são sempre as mesmas.
E aqui eu poderia brevemente citar as outras duas vezes em que eu vi o Roblox no centro de uma controvérsia, estas mais antigas, e que nunca fizeram barulho suficiente pra eu ver alguém de uma geração mais velha ficar curioso.
Começando pela mais nova: Em 2022, o Roblox se viu alvo de críticas por servir como plataforma de “recrutamento”, onde menores de idade eram expostos à opiniões políticas extremistas.
Antes disso, lá pra 2017, falava-se do Roblox de um ponto de vista trabalhista: A plataforma oferecia, de fato, um ponto de entrada onde amadores poderiam participar da indústria dos games – Mas os jogos desenvolvidos no Roblox estavam “presos” na plataforma do Roblox, com a empresa tirando uma porcentagem enorme toda vez que o jogo era vendido, e além disso, já que os materiais para criar os jogos eram vendidos pela Roblox, muitas vezes o desenvolvedor (que com alguma frequência é menor de idade) acabava é pagando a Roblox pelo privilégio de trabalhar pra eles.
Você pode perceber, também, que essas outras duas controvérsias “modernas” em que essa plataforma “futurista” da internet se pegou, também, são apenas desdobramentos novos de problemas que são muito, muito velhos. A verdade por trás das verdades é: Não há nada novo sob o sol.
Escrito por Vitor Germano para o Maringá Post
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