A prisão do CEO do Telegram e o tal “preço da liberdade”

O empresário russo foi preso na França nessa segunda-feira sob acusações de “recusar-se a colaborar com as forças de segurança”.

  • Pavel Durov, empresário da indústria tecnológica nascido na Rússia e que estava morando em Dubai desde 2014, foi imediatamente preso nessa Segunda-Feira ao pisar em solo Francês. O magnata russo fez sua fortuna nos anos 2000 com a criação do VKontakte, um serviço de rede social similar ao Facebook e ao Instagram, que é o mais popular na Rússia. E mais adiante, criaria o Telegram, serviço similar ao WhatsApp, mas com um foco maior em privacidade e algumas funções extra.

    Mas eu não estou aqui para te dar a biografia de um empreendedor russo – O importante aqui é a discussão que pode partir da prisão de Durov. Isso porque está longe de ser a primeira vez que Pavel Durov está em conflito com a lei de algum lugar. Talvez alguns se lembrem de quando o serviço do Telegram foi bloqueado por ordem do STF em Abril de 2023, que também não foi a primeira vez que o serviço foi bloqueado aqui no Brasil por ordem jurídica.

    E o Brasil não é o único país a ter ou bloqueado o serviço de mensagens criptografadas, ou pressionado a empresa por trás deste: Espanha, Estados Unidos, França… E a própria Rússia.

    Se formos acreditar no que é dito pelo próprio empresário – Durov é libertário e se autodenomina um absolutista da liberdade de expressão – Em seus serviços online, tanto o antigo VK quanto o Telegram, a empresa de Durov alega não participar de moderação ativa do conteúdo presente, e não implementar nenhum método para reverter a criptografia de ponta-a-ponta que protege as mensagens entre usuários. A responsabilidade de moderar o que aparece em seus aplicativos cai sobre os próprios usuários e com quem estes escolhem interagir.

    E sendo justo – A primeira vez que o bilionário se viu encrencado foi em seu país natal, após recusar-se a remover conteúdo de oposição ao regime de Vladmir Putin. E pela mesma razão que a empresa recusa-se a censurar conteúdo que é inconveniente para a ditadura russa, o serviço do Telegram é lar de todo tipo de conteúdo – Mídia oficial do estado Russo convive lado-a-lado com conteúdo de oposição, conteúdo de extrema direita compartilha o mesmo servidor com uma grande comunidade LGBT, etc. etc.

    Foi por uma razão relacionada que o Telegram se viu bloqueado no Brasil no ano passado: O STF havia feito uma lista de exigências da empresa, relacionadas ao espalhamento de desinformação e notícias falsas pelo serviço, e a exclusão/bloqueio de alguns canais hospedados no serviço.

    … Exigências que a empresa eventualmente atendeu, sendo desbloqueada alguns dias depois. Ou seja: O Telegram não faz moderação ativa de conteúdo, exceto quando faz. A empresa tem uma missão de absolutismo da liberdade de expressão, exceto quando seu aplicativo é bloqueado e uma fração significativa da base de usuários perde acesso a ele. Durov se recusa a colaborar com governos, exceto quando colaborar com governos é crucial para o lucro deles.

    A prisão de Durov na França tem a ver com isso. O bilionário, que tem cidadania naturalizada na França e nos Emirados Árabes Unidos estava com um mandado de prisão no país europeu fazia algum tempo, relacionado à “não-cooperação com forças de segurança”, com o governo Francês citando conteúdo de extrema-direita, bem como conteúdo de abuso sexual infantil na plataforma.

    A questão, então, volta a algo que eu citei em uma coluna há algum tempo atrás: O paradoxo fundamental da liberdade. Quando defende-se um direito ou liberdade, inevitavelmente se está defendendo essa liberdade ou direito tanto para atores legítimos, quanto para pessoas mal-intencionadas.

    No papel, a resposta de Durov ao paradoxo, que ele supostamente faz valer pelas ações de sua empresa, é “sim, vale a pena dar esta liberdade às pessoas apesar do custo” – No papel. Afinal, como já citei, quando há um desalinhamento entre os supostos ideais de Pavel Durov e o lucro de seu empreendimento bilionário… O lucro ganha. Eu posso pessoalmente acreditar que a remoção daqueles canais de fake news brasileiros foi algo bom na época, de fato, eu acho mesmo, e eu posso até argumentar sobre. Mas o fato é que ainda assim, ao atender às demandas do Supremo, a Telegram mandou uma mensagem, e essa mensagem é que os supostos ideais de seu fundador e CEO são mais flexíveis do que eles alegam.

    Durov não está mais preso – Foi solto hoje. Terá de responder a processo pelas acusações contra ele, mas fará isso em liberdade, estando apenas proibido de deixar o país. Naturalmente, a internet explodiu em opiniões para o lado que for: Gente que acha que Durov mereceu ser preso frente às acusações contra a empresa dele, gente que acredita que citar abuso infantil é uma tática emocional para justificar o que na verdade é uma prisão política, e todo um espectro entre esses dois extremos.

    Apesar de detestar a palavra, sou obrigado a me declarar ‘centrista’ quanto a este assunto: Sou usuário do Telegram, admnistrador de dois chats na plataforma, e já vi coisas particularmente alarmantes na rede que eu preferia jamais ter visto, e que de fato, acredito que os criadores de tais conteúdos são um perigo para outros… Mas ao mesmo tempo, o relativo anonimato e flexibilidade da plataforma também são a razão de eu ter conhecido gente que eu jamais conheceria de outra forma. O lado bom, falando ainda pessoalmente, é que se o Telegram se for, eu sempre posso pular pra outro lugar. As alternativas são várias.

    Escrito por Vitor Germano para o Maringá Post
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