Quadros, manipulação tecnológica, e caridade: Games Done Quick e os “Gamers do Bem”

Duas vezes por ano um evento nos EUA reúne os melhores gamers para exibirem seus talentos, o dinheiro de patrocínios e doações indo para caridades.

  • Essa semana eu não podia falar sobre outra coisa – O assunto da coluna de hoje é algo que existe na intersecção entre a tecnologia, o entretenimento, a cultura e a sociedade. Um evento que ocorre duas vezes por ano, e que desde que eu descobri, sempre tira as duas semanas em que ocorre da minha agenda. Falo do Games Done Quick, ou, para encurtar, “GDQ”.

    Duas vezes por ano este evento centrado em video games reúne os melhores jogadores de sua categoria, para exibir suas habilidades e descobertas em uma maratona de 7 dias. Uma maratona onde cada centavo dos patrocínios, bem como doações dos espectadores, são direcionados à caridade.

    Mas para explicar o GDQ e por que ele é especial entre interesses gamers – É preciso começar explicando o que os jogadores no evento estão fazendo, porque já começa diferente por aí.

    “Speedrunning”, a corrida gamer comunitária

    GDQ é um evento centrado em Speedrunning, um tipo de desafio que jogadores de games fazem entre si. O objetivo de um speedrun é jogar um jogo do começo ao fim o mais rápido possível – Por quaisquer métodos que forem necessários. A princípio isso sempre começa com jogar bem: Conhecer bem os desafios que um jogo apresenta, e executar de forma correta para não perder tempo.

    Mas há sempre um limite superior para o quão rápido um gamer consegue jogar um game dentro das regras: O personagem no jogo sempre vai na mesma velocidade, as regras são definidas. E então começa a parte interessante, que são as otimizações.

    Quais partes do jogo podem ser “puladas”? Existe alguma técnica de movimento dentro do game que permite ir mais rápido que as outras? Existe alguma falha na programação do jogo que pode ser usada para pular mais cenas ou ir mais rápido? Jogar uma granada nos próprios pés para ‘voar’ com a força da explosão, usar de movimentos específicos para atravessar as paredes e escapar dos limites do mapa de jogo, colocar-se no lugar certo para que uma cinemática aconteça mais rápido.

    Nos níveis mais altos de speedrunning, jogadores estão manipulando o game a nível do código de programação, reescrevendo as regras do game em tempo real através de movimentos muito precisos com o controle. Em alguns jogos específicos, com as técnicas certas, sendo possível terminar um título que normalmente levaria 60 horas em menos de 1 minuto.

    Speedrunners jogam video games no limite da habilidade humana, tal como atletas olímpicos praticam esportes no limite da habiliade humana: Muitos dos truques que eles realizam exigem que eles sejam mais rápidos que a máquina, tendo um espaço de 17 milésimos de segundo para acertar uma sequência de teclas. Período de tempo chamado de quadro, pois refere-se a um único fotograma da animação do jogo, dos quais costumeiramente há 60 por segundo.

    Crucialmente, no entanto, está o fato de que ao mesmo tempo em que speedrunning é competitivo, ele também é colaborativo. – Claro, todo jogador (ou runner, como são chamados na comunidade) quer ser aquele que descobre uma nova técnica ou aperfeiçoa uma execução anteriormente pensada impossível, para ter o tempo mais curto.

    Mas ao mesmo tempo, todas as descobertas feitas por um runner, fundamentalmente pertencem a todos na comunidade: Se uma nova falha de programação ou técnica de movimento é descoberta, ela imediatamente pode ser reproduzida por qualquer outro runner para que este também encurte o seu tempo.

    Talvez seja essa natureza fundamentalmente comunitária da competição que levou ao aparecimento de algo como o GDQ.

    Exibindo seus talentos… Pelo bem

    A ideia da maratona é simples: Reunir os melhores jogadores para exibirem seus talentos por uma semana, e durante o evento coletar doações e patrocínios em prol de alguma caridade. Não é muito diferente de eventos como o Criança Esperança, que a Rede Globo organiza todo ano com shows de estrelas da música.

    O primeiro evento da Games Done Quick foi em 2010, durante uma convenção nerd chamada MAGFest. O evento era para ser transmitido ao vivo na internet – Mas por falhas técnicas, acabou não sendo, com apenas aqueles presentes no evento podendo assistí-lo ao vivo. Mas já nessa primeira maratona, 10.000,00 dólares foram arrecadados para a CARE, uma das organizações humanitárias mais antigas no combate à pobreza.

    Nos anos que se seguiram, a maratona tornou-se o próprio evento, transmitido ao vivo pelo site de livestreams twitch.tv – Dois eventos são organizados todo ano, Summer Games Done Quick (SGDQ, em Junho-Julho) e Awesome Games Done Quick (AGDQ, em Janeiro), cada um beneficiando uma caridade diferente.

    Espectadores que realizam doações podem escrever “cartinhas” para serem lidas pelos apresentadores do evento durante a jogatina.

    Entre piadas internas da comunidade e comentários sobre o jogo atualmente sendo jogado, há carinhosas mensagens de apoio às causas beneficiadas.

    Durante o AGDQ deste ano, em Janeiro, que beneficiava a Prevent Cancer Foundation e que arrecadou US$ 2,5 Milhões, mensagens de doadores falavam de amigos e familiares, alguns tão amantes de games quanto o espectador, outros não, todos que batalharam contra a doença. Alguns que venceram, outros que infelizmente não resistiram.

    O SGDQ deste ano está reuinindo suas doações em favor da fundação Médicos Sem Fronteiras, tendo até o momento da escrita deste parágrafo, reunido US$ 739.825,00 (Edit: No momento da publicação, está em US$ 986.794,00)

    No momento da publicação deste post, estaremos no penúltimo dia do evento, que continua até o final de sábado (06/07), com uma ceremônia de encerramento no domingo (07/07). As jogatinas de maratonas anteriores podem ser vistas no canal do youtube, dentre outros conteúdos montados pela organização responsável em períodos sem evento.

    por Vitor Germano para o Maringá Post
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