Novembro de 2022. Após quase três anos da pandemia que havia começado no gigante asiático, e em meio a protestos contra medidas cada vez mais repressivas para tentar controlar o vírus – A principal fonte para cidadãos da China interessados em saber sobre os protestos não era um grande jornal, não era um canal televisivo, mas sim uma conta no Twitter (agora X, embora eu goste de chamar de “Xitter”), operada por um imigrante do país que morava na Europa, e representada por um avatar desenhado de um gatinho brabo.
“Teacher Li is not your teacher”, literalmente “Professor Li não é seu professor”, a conta de um estudante chamado Li Ying, postava atualizações em tempo real sobre um assunto que o governo chinês não queria sendo discutido. Desde então, Li tem sido uma fonte vital de informações consideradas politicamente sensíveis pelo governo em Beijing. Coisas que são varridas da internet chinesa logo aparecem na conta de Li.
Li começou sua carreira como personalidade online de forma bem mais leve – Escrevendo e postando curtas histórias de amor no Weibo, plataforma de microblog chinesa similar ao Xwitter. “Amor era o tema das minhas criações, eu não tinha interesse em política”, ele explicou.
Até durante os protestos em 2019 em Hong Kong, que o governo chinês reprimiu, Li não tinha interesse. “Como a maior parte das pessoas comuns, eu não considerava esses protestos problema meu.”
Mas quando a pandemia começou e a China começou a selar bairros inteiros, Li – Que a essa altura estudava em uma universidade de artes na Itália – Viu-se desesperado para saber o que estava acontecendo com sua família em casa. Explorando a mídia social, ele ficou chocado a ler sobre a intensidade dos lockdowns. “Haviam pessoas passando fome, pulando de prédios… Muito sofrimento e pressão”
Ele começou a divulgar estas histórias em sua conta no Weibo, algumas pessoalmente coletadas, outras recebidas em privado de seguidores. A conta logo foi fechada pelo website a pedido do governo.
Não se intimidando, Li começou o jogo de gato-e-rato, criando novas contas no Weibo toda vez que uma era fechada. Depois de 53 contas diferentes, ele se cansou: “Eu disse, okay, eu vou para o Twitter.”
Na plataforma americana, Li estava fora do alcance das autoridades chinesas, mas ainda podia ser lido por cidadãos da China que fizessem uso de VPNs. A popularidade de Li foi crescendo, e explodiu em 2022 com a cobertura dos protestos contra o lockdown.
A popularidade teve seu custo – Li teve suas contas bancárias na China congeladas, não pode mais retornar ao país, e é ocasionalmente assediado online e offline por pessoas, sem saber se são agentes do governo ou não. Ele conta sua história em detalhes em uma entrevista com a BBC (em inglês).
Mas a razão pela qual eu trouxe a história de Li para vocês hoje é porque ela é parte de uma outra história, uma bem mais abrangente.
Em 2003, quando já tinhamos passado da “infância” da internet mas ainda estávamos na “adolescência” dela, a atriz e cantora estadunidense Barbara Streisand processou um fotógrafo e o site onde ele hospedava suas fotos – A razão de Streisand era preocupação com a sua privacidade, pois as fotos aéreas que o fotógrafo havia postado, mostrando a costa da Califórnia, continham a mansão onde Streisand morava.
Streisand ganhou a ação jurídica, mas não antes do assunto cair na boca do povo, e a imagem em questão ser salva e re-hospedada mais de 420 mil vezes.
Esse processo foi nomeado por Mike Masnick, editor de um blog sobre Direito e Tecnologia chamado TechDirt, de “Efeito Streisand”, quando uma tentativa de censura sai pela culatra.
Na era da internet, a habilidade que pessoas têm para reproduzir e compartilhar conteúdo resulta no fluir de informação ser rápido, mais rápido que instituições são capazes de responder, dado a fundamental lentidão de trâmites institucionais, sejam estes no público ou no privado.
Alguns meses atrás, quando os Estados Unidos aprovaram uma lei para bloquear o aplicativo de vídeos curtos TikTok, uma das razões citadas nas reuniões do plenário estadunidense foi a quantidade de conteúdo pró-Palestina na plataforma, conteúdo expondo os abusos e violências que Israel tem cometido em Gaza e na Margem Oeste, conteúdo que é inconveniente para o governo americano que é o maior defensor do estado de Israel.
É clara a incapacidade de governos de manter narrativas convenientes em face à agilidade da internet.
Claro, isso tem seu lado negativo também: Ao mesmo tempo que informações reais e inconvenientes para governos circulam com facilidade, com a mesma facilidade circula a desinformação. As ondas de Fake News que ocasionalmente varrem o país (e o mundo) são prova disso.
A internet torna inevitável a observação e discussão do paradoxo fundamental da liberdade: Quando defende-se uma liberdade ou direito, inevitavelmente você está defendendo essa liberdade ou direito tanto para atores legítimos, quanto para pessoas mal-intencionadas.
A pergunta então se torna: Essa liberdade é algo bom? Sabendo e aceitando a inevitabilidade dela ser usada para algo ruim?
… Eu não tenho uma resposta.
Por Vitor Germano para o Maringá Post
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