Cola na Pizza e outras piadas: Como vai a evolução da IA

Nova inteligência artificial da Google chamou atenção de usuários ao dar orientações insanas, e isso deve ser só o começo.

  • por Vitor Germano

    Essa semana passada a inteligência artificial da Google, chamada de Gemini pela empresa, esteve em manchetes da imprensa de entusiastas. Não por alguma coisa revolucionária que ela tenha feito, mas porque ela foi recentemente introduzida experimentalmente na versão anglófona do site de pesquisa da Google… E está quebrando alguns recordes de burrice artificial.

    Na postagem mais famosa, o computador instrui que o usuário misture cola no molho da pizza para impedir que o queijo deslize pra fora da massa:

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    Outras, ainda mais preocupantes e surreais, descrevem a ocupação de astronautas como “transar, fumar, jogar, repetir”, dizem ser seguro deixar cães trancados em carros quentes com direito a inventar uma musiquinha, e até sugerem que um usuário que pesquisou ‘eu estou deprimido’ pule de uma ponte.

    Há muito que poderia ser discutido aqui, desde as consequências inevitáveis de uma indústria que constantemente inventa novas soluções para problemas que não existem, às preocupações trabalhistas de tanta gente que deve perder o emprego devido a essa nova invenção, ou até a discussão filosófica sobre se podemos considerar tais máquinas ‘inteligentes’ ou não.

    Mas o que mais me interessa é o quanto o Google piorou de uns anos para cá. O que costumava ser o ponto de partida para qualquer coisa na rede mundial, ao ponto de que anglófonos haviam transformado “google” em um verbo, tão sinônimo o website era com encontrar o que você procurava, agora está afogado em propagandas, conteúdo irrelevante, e agora, tentando integrar uma máquina inteligente só para (tentar, e fracassar em) filtrar todas as inutilidades e dar ao usuário a resposta que ele procura.

    Foi uma longa jornada para chegarmos nesse estado, e tudo começa com…

    Cobras e suco de SEO

    Se você tem um site, seja para o seu negócio ou para o que for, você naturalmente quer que ele apareça em pesquisas da internet. E com tanta coisa existindo na rede… Como pessoas fazem para aparecer?

    Lá atrás, nos anos 90 quando a internet estava se popularizando, havia uma forma bem fácil de fazer isso: Pagando. De fato, em 98 o Google revolucionou a internet por não oferecer um serviço onde pessoas podiam pagar para colocar seu site no topo da lista de pesquisa. Havia uma certa “pureza” ao Google dos anos 90 e 2000, encarnada pelo slogan da empresa: “Don’t be Evil”, literalmente “Não seja maléfico”. Prioridade nos resultados de uma pesquisa Google eram concedidos através de um complexo algoritmo, capaz de levar em conta vários pontos de informação e que tinha grande sucesso em encontrar a página mais relevante à pesquisa realizada.

    O problema é que na verdade é impossível realmente medir o quão relevante uma página de internet é. Primeiro porque tem tanta coisa que não seria realista sem pegar alguns ‘atalhos’. Mas segundo, e mais importante nesse caso, porque há uma subjetividade inerente ao que é ‘relevante’.

    Há um princípio da economia chamado o ‘incentivo perverso’, que discute exatamente isso. O exemplo clássico é uma história da época em que a Índia estava sob governo da Inglaterra:

    O governo queria reduzir a população de cobras venenosas, já que estas causavam problemas para eles. No entanto, medir exatamente quantas cobras haviam no mato não era nem nunca seria prático. Ao invés disso, começaram a pagar uma recompensa por cadáveres de cobras, para que caçadores resolvessem o problema deles.

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    Algumas pessoas perceberam que podiam conseguir muito dinheiro sem jamais ir caçar, bastava capturar um macho e fêmea e montar um criadouro de cobras. O resultado? A população de cobras aumentou, no final das contas.

    Essa lógica é fácil de extrapolar para nossos problemas tecnológicos, considere:

    ServiçoObjetivo (imensurável)Indicador (mensurável)Resultado
    YouTubeConteúdo de qualidadeTempo que o usuário passa assistindo o conteúdoVídeos mais longos, enrolação, criadores demorando pra chegar ao ponto.
    FacebookInteresse do usuárioCliques, likes, compartilhamentos“Clickbait”, posts que existem só para chamar atenção e convencer usuários a darem likes/clicar/compartilhar.
    TwitterGerar conversas“Engajamento”, o quanto um tuíte recebe de respostas e quotes“Ragebait”, posts feitos para deixar o leitor com raiva para que ele brigue com outros usuários
    GoogleRelevância do ResultadoFrequência de padrões de palavras, links externos que levam a essa páginaSEO

    SEO é uma ciência e uma indústria nascida na tentativa e erro. O objetivo é colocar uma página no topo dos resultados do Google, e várias técnicas foram descobertas para tal. Não darei um curso de SEO aqui (porque malemal entendo), mas o ponto é que lentamente, ao longo de 18 anos, a página de resultados do Google foi sendo lentamente conquistada por spammers – Spammers que sabiam usar as palavras e técnicas certas para agradar o algoritmo.

    O resultado final é um constante vai e vêm: Google ajusta o algoritmo para tentar garantir resultados de qualidade, spammers melhoram sua ciência de SEO para manipular este novo algoritmo, e assim vai.

    Bing, OpenAI, GPT

    Enquanto isso acontecia com o Google, a Microsoft continuava suas tentativas de conquistar a web como havia conquistado o mundo dos sistemas operativos em 96. Sua resposta ao Google é claro, é o Bing, um motor de busca tão competente quanto o Google… Mas que ninguém usava porque, ei, já temos o Google.

    E em outro lugar, a OpenAI, uma empresa que desenvolve algoritmos avançados, experimentava com, entre outras coisas, seu modelo GPT. GPT é um modelo de linguagem, seu propósito é ser capaz de gerar texto que plausivelmente podia ter sido gerado por seres humanos, eventualmente sendo capaz de manter conversas.

    E embora para milhões de pessoas ele só tenha se tornado relevante de 2023 para cá, com seu ChatGPT representando a manifestação mais avançada do modelo, o GPT esteve disponível para entusiastas brincarem (em troca de algum dinheiro) desde 2017. Na época, era pouco mais que um brinquedo, capaz de gerar textos que eram sintáticamente corretos e que mais ou menos recriavam o estilo do que estavam tentando ser, mas que na prática não faziam sentido algum, resultando em um brinquedo divertidíssimo e não muito mais:

    Aaaaaaaaaaaa

    Claro, o modelo foi evoluindo, e ao final de 2022, era capaz de manter uma conversa decente.

    Eis que Microsoft fez um investimento significativo na OpenAI, buscando ligar o GPT diretamente ao seu motor de busca, resultando em uma máquina que era capaz não apenas de conversar com o usuário, mas de ler resultados de pesquisa da internet, sintetizá-los, e apresentá-los em resumo. Este seria o diferencial para lançar o Bing para o sucesso que ele nunca tinha alcançado como motor de busca. Um motor de busca “Inteligente” que filtra todo o lixo e te dá só que você quer.

    Pagando 60 Milhões para serem “Trolados”

    E talvez o Bing GPT realmente seja o futuro da pesquisa da internet, uma possibilidade que profundamente assusta a Google. Claro, a empresa teve que correr para desenvolver sua resposta ao GPT. Algo que já estava em desenvolvimento, mas como um projeto ‘de fundo’, baixíssima prioridade.

    Com pressa de alcançar a Microsoft, a Google precisava de uma solução rápida, algo que lhes desse os resultados conversacionais do GPT, com uma fração do tempo e investimento. E é aqui que introduzimos o último personagem de nossa novela: Reddit.

    Reddit é um site de rede social alternativo que existe desde 2004. Ele diferencia-se de outros serviços de rede social por não ter interesse em indivíduos, mas em conteúdo. No Reddit não se seguem contas de pessoas, mas ‘subreddits’, páginas dedicadas a uma certa categoria de conteúdo, onde todos podem compartilhar conteúdo e participar da discussão. Naturalmente, esse foco é atraente para uma certa audiência de nerds.

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    E precisamente por ser “a rede social dos nerds”, uma forma de garantir que seus resultados no Google seriam escritos por uma pessoa com interesse e conhecimento, era tão simplesmente adicionar ‘reddit’ à pesquisa sendo feita. Algo que a empresa definitivamente sabia.

    Com um pagamento de 60 milhões de dólares, este relacionamento a distância tornou-se um casamento: A Inteligência Artificial do Google se alimentaria de postagens do Reddit para adquirir o conteúdo necessário.

    A questão é que o programa de computador não é capaz de saber se um resultado é verdadeiro – Sequer é capaz de saber se ele é sério ou uma piada.

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    O resultado final, claro, é a IA do Google recitando uma postagem de um usuário de pseudônimo “Fucksmith”, dizendo para que outro usuário misture cola em sua pizza. O produto de uma empresa monopolística com medo de perder seu monopólio.

    Ainda é muito cedo para dizer se a bolha da Inteligência Artificial está perto ou longe de seu pico, ou do que vai restar quando ela estourar. Por hora, ainda veremos muitos casos como Cola na Pizza, com toda a indústria tecnológica correndo para surfar na onda.

    Escrito por Vitor Germano para o Maringá Post.

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