Apesar de serem eixos pouco debatidos no cenário político, eles têm a capacidade de atrair investimentos para a cidade em outras áreas, conforme o presidente da Câmara Técnica do Turismo do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), Miguel Fernando.
Por Victor Ramalho
Quando o período eleitoral se aproxima, algumas pautas sempre mobilizam o debate tanto entre candidatos quando entre a população. Assuntos como Saúde, Educação, Infraestrutura e Segurança Pública são ‘cartas marcadas’ nos discursos políticos e, por trás do interesse nesses temas, há sempre um outro indicador em vista: o crescimento econômico.
Na crença popular, uma cidade segura e que oferta bons serviços públicos ajuda a atrair investimentos – o que não deixa de ser verdade -. Mas será que é só isso? Existem outros eixos pouco trabalhados e que podem ajudar uma cidade a crescer financeiramente? Para o presidente da Câmara Técnica do Turismo do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), Miguel Fernando, sim.
Entrevistado desta semana na Série de Entrevistas “O futuro de Maringá”, ele aborda três eixos que, na verdade, trabalham em sintonia: a Cultura, o Turismo e a Economia Criativa.
Trazendo a expertise de quem já atua no setor há vários anos, seja no setor público ou na iniciativa privada, o especialista, que também é vice-presidente do Conselho Municipal de Turismo, dá alguns exemplos bastante conhecidos para ilustrar a economia criativa.
“Economia criativa é uma proposta para desenvolver produtos a partir de inovações, sejam elas tecnológicas ou culturais e que tenham o objetivo de resolver uma demanda. Nós podemos citar vários exemplos e eu vou citar um que eu gosto e que, muitas pessoas, preterem, acabam não reconhecendo isso como um elemento do campo gastronômico da cidade. A economia criativa é composta de vários elementos, temos a arte e a cultura como os mais destacados, mas a gastronomia também pode entrar nesse eixo e, com isso, eu lembro do emblemático cachorrão, que pode ser encarado como um case de sucesso”, explicou.
Prato típico de Maringá, o cachorrão prensado ilustra o que Fernando chama de produto espontâneo. Apesar de simples, trata-se de algo que ajuda a movimentar toda uma cadeia produtiva.
“O cachorrão é fruto do desenvolvimento orgânico da economia criativa, ou seja, é algo que surgiu de forma espontânea, não foi uma encomenda de alguém. Ele nada mais é do que um produto, importado dos Estados Unidos e que recebeu as suas adaptações para o produto que nós temos aqui na Cidade Canção, no caso, o fato dele ser prensado. Ali, nós temos um prato típico da cidade e que movimenta uma economia, gerando emprego, renda e se consolidando como um grande diferencial gastronômico da cidade”, afirmou Miguel.
Com exemplos como este, a Economia Criativa entra nas possibilidades que um produto simples, como uma iguaria gastronômica, oferecem para pensar em sua exploração não apenas comercial, mas também cultural.
“Como potencializar esse setor talvez seria a pergunta do próximo salto. Talvez, desenvolver algum festival, demandar políticas de estado, assim como diversas outras cidades fazem, afinal, uma tradição é algo que sempre parte de um pontapé inicial e, quando falamos em economia criativa, o turismo e a gastronomia estão inseridos”, exemplifica o especialista.
“A Maringá que se projeta ao futuro precisa ser uma cidade turística”
De acordo com dados divulgados em setembro, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Economia Criativa gera atualmente pouco mais de 7,4 milhões de empregos diretos e indiretos. Até 2030, a projeção é de que este número chegue a 8,4 milhões.
Dentro deste setor, um dos eixos que Maringá tem se projetado para crescer é o Turismo. No entanto, ainda resta um longo caminho a ser percorrido. Miguel Fernando, que também é historiador e idealizador do projeto Maringá Histórica, lembra que a cidade sempre se projetou como um destino turístico, desde que a colonização urbana teve início, ainda na década de 1950. Apesar disso, o município ainda trabalha para superar o obstáculo de se tornar um lugar ‘hospitaleiro’.
“Podemos fazer uma análise a partir de uma perspectiva histórica. Maringá sempre foi projetada para ser um atrativo turístico, desde o seu início. Quando a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, por exemplo, iniciou a venda dos lotes na região, ela sempre pintou a cidade como um ‘Novo Eldorado’, uma cidade ideal para investimentos, constituir família, com um bom plano urbanístico e paisagístico. Tudo isso vai se consolidar no momento contemporâneo que a gente vive, de termos um bom lugar para viver, criar os filhos, tudo isso ajudou a criar essa atmosfera, de Maringá ter sido projetada para ser acolhedora. No entanto, entre o acolhimento e a hospitalidade, há um salto significativo, que a cidade começou a dar nos últimos 6 ou 7 anos, em uma avaliação mais pragmática”, avalia.
Alguns movimentos neste sentido começaram a surgir na última década, como a criação da ‘Maringá Encantada’. Ainda faltam, porém, políticas de estado que ajudem o setor a se consolidar.
“Nós ainda precisamos de políticas públicas consolidadas e aplicadas ao setor. Uma primeira que nos ajudou a virar a chave foi o projeto da Maringá Encantada, lançado em 2017. As pessoas podem dizer que já existiam projetos de Natal na cidade desde a década de 1990 e, de fato, existiam, mas de uma maneira integrada e pensando na receptividade do turista, foi uma primeira grande tentativa. A Maringá Encantada não foi pensada apenas para iluminar a cidade, criou-se toda uma programação, em diversos pontos, onde o visitante passa na cidade e começa a experimentar vivências, construir no imaginário aquilo que ele vai levar para lembrar da cidade. Um exemplo simples é o túnel de luz, onde praticamente todo mundo parou para tirar uma foto nele nos últimos anos. Essa transformação foi contagiante, pois todos os municípios da região que ainda não haviam pensado em uma programação de Natal começaram a se espelhar em Maringá”, descreve Miguel.
O historiador materializa esse desafio em algo prático: fazer de Maringá um destino turístico e não apenas um lugar que venda pacotes para outros destinos. Para ajudar nessa tarefa, a própria Câmara Técnica do Turismo tem trabalhado no desenvolvimento do Plano Municipal de Turismo, que planeja coordenar as ações do setor para os próximos 10 anos.
“O desafio neste momento é tornar Maringá uma cidade receptiva, do ponto de vista da iniciativa privada. As agências de viagem sempre emitem, traçam destinos partindo de Maringá. Agora nós estamos em um momento de sensibilização para que agências de viagens, hotéis e afins desenvolvam produtos para atrair turistas, tendo Maringá como o destino final. Nós já temos grandes eventos e espetáculos pela cidade, em períodos específicos do ano, que podem ser esse atrativo. […] Há de se fazer mais, precisamos pensar em políticas de estado para a área do Turismo e da Economia Criativa. Por políticas de estado, pensamos em um arcabouço de ações que permanecem, independente de quem esteja no poder. Neste momento, estamos na fase final na Câmara Técnica do Turismo do Codem do desenvolvimento de nosso Plano Municipal de Turismo, que foi construído em parceria com o Conselho Municipal de Turismo, a Secretaria de Aceleração Econômica e Turismo e o Sebrae. É um trabalho desenvolvido já há algum tempo e que demandou o envolvimento de diversos órgãos. Por ele, queremos coordenar as ações de desenvolvimento do trade turístico maringaense”, destaca.
Os exemplos já existem
Assim como os demais entrevistados da Série, Miguel Fernando foi perguntado sobre o perfil que considera ideal para um futuro prefeito de Maringá, tendo em vista a pouca familiaridade dos últimos governantes com o setor da Economia Criativa. Na visão dele, o futuro gestor precisa ser alguém que conheça os elementos de alavancagem econômica que vão além do senso comum.
“A leitura que eu tenho é de que nós precisamos de um prefeito que entenda as necessidades básicas do município em vários eixos, como manutenção das vias públicas, Saúde, Educação, Segurança Pública, sempre com uma equipe técnica em postos estratégicos. O cuidado com os serviços básicos sempre será essencial, mas com um olhar projetando o futuro. Para se olhar ao futuro, é preciso conhecimento estratégico dos elementos que coordenam a alavancagem econômica de uma cidade. Hoje, se pegarmos cidades do Brasil que são referência em desenvolvimento econômico e industrial, quase não lembra-se que essas mesmas cidades, lá atrás, não se projetavam como cidades industriais, mas sim como municípios inovadores em políticas criativas e culturais”, disse.
O entrevistado finaliza a conversa com dois exemplos. “Um exemplo é Medellín, na Colômbia, uma cidade que durante muito tempo foi dominada pelo tráfico mas que, nos últimos 20 anos, se reconheceu como uma cidade criativa e que se tornou um principal atrativo de turistas. Curitiba é outro exemplo, uma cidade que se reconhece como criativa, ganhou premiações como uma das mais criativas do mundo e que acaba se tornando um grande atrativo econômico. Logo, precisamos pensar: como Maringá se reconhece? Na minha modesta opinião, a Maringá que precisa se projetar ao futuro é aquela se reconhece como uma cidade turística”, finaliza.
Foto: Reprodução/Instagram
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