Lares provisórios, um amor permanente: como o projeto “Família Acolhedora” pode mudar a vida de uma criança

O projeto, que existe no Brasil desde a década de 1990, reúne famílias voluntárias para darem abrigo temporário para crianças afastadas do convívio com a família biológica. Em Maringá, são 49 famílias voluntárias atualmente.

  • O projeto, que existe desde a década de 1990 no Brasil, reúne famílias voluntárias para darem abrigo temporário para crianças afastadas do convívio com a família biológica. Em Maringá, são 49 famílias voluntárias atualmente.

    Por Victor Ramalho

    Há quase 1 década, ela se dedica a cuidar de corações fora do peito, corações esses que não têm um vínculo de sangue, mas são unidos por algo maior. A Vanessa (nome fictício) é voluntária do projeto “Família Acolhedora” em Maringá desde 2014. Nesse período, acolheu temporariamente em sua casa oito crianças, com idades variadas.

    Eram crianças que, se não fosse por ela, provavelmente estariam em algum abrigo. Vanessa abriu as portas para dar aos pequenos um ambiente familiar, um alento em meio aos problemas que elas enfrentavam. Aos 57 anos, ela segue no projeto e, atualmente, cuida de duas crianças, sendo uma de 4 e outra de 9 anos de idade.

    “O convívio com elas é muito bom. Já acolhi crianças mais novas e também as mais grandinhas. Em geral, as crianças mais novas conseguem se adaptar melhor ao nosso convívio, a nossa rotina”, relata.

    Na casa dela, há ainda o marido e a filha. Todos se envolveram com o projeto desde o início. “É algo que muda todos nós. Em minha casa, por exemplo, minhas netas estão aqui quase todos os dias e elas se dão super bem com as crianças que acolhemos, sabem brincar juntas, dividir juntas. Todos nós nos envolvemos, não só eu, mas como toda a nossa família, nossos amigos. Penso que o ato de acolher não é pensar na gente, é pensar na criança, cuidar de quem está precisando de ajuda”, conta.

    “É muito bacana também acompanhar a evolução das crianças no período em que estão conosco. Já cuidamos de crianças bem pequenas, que chegam aqui e se desenvolvem muito bem. Saem sabendo comer sozinhas, se vestir sozinhas, por exemplo. E observar tudo isso é muito gratificante”, afirma em outro trecho da entrevista.

    O projeto “Família Acolhedora” foi instituído no Brasil ainda na década de 1990, embora tenha sofrido algumas mudanças na lei no decorrer dos anos. O objetivo é oferecer lares temporários para crianças que estejam afastadas do convívio com a família biológica por decisão da Justiça. É como se fosse um abrigo, a diferença, no entanto, é conseguir proporcionar a criança um ambiente mais familiar e acolhedor.

    Em Maringá, são 49 famílias voluntárias cadastradas, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS). Atualmente, 28 crianças estão acolhidas entre essas famílias na cidade.

    Segundo a secretária de Assistência Social de Maringá, Sandra Jacovós, o projeto está sempre em busca de novas famílias que queiram ser voluntárias. Participar do Família Acolhedora, no entanto, demanda o cumprimento de alguns requisitos.

    “As famílias que querem fazer parte do programa sempre passam por uma vistoria prévia. Para participar, é preciso ser brasileiro, acima de 21 anos e ter residência fixa, além da disponibilidade em participar das capacitações obrigatórias. Um outro aspecto importante, que às vezes as pessoas não sabem, é que os interessados em ajudar não podem estar no cadastro nacional de adoção. É uma exigência até para, depois desse período de convívio, a volta da criança para a família biológica seja mais fácil. É inevitável que se crie um vínculo, mas os voluntários precisam entender que o lar é temporário”, conta.

    Ainda de acordo com a secretária, o município também tem os abrigos temporários para esses casos. A prioridade, no entanto, é sempre tentar manter a criança inserida em um ambiente familiar.

    “Temos os abrigos, mas o projeto é nacional e surgiu justamente com esse objetivo, de manter a criança inserida em um lar, em uma família, para não precisar passar esse período afastada da família biológica em um abrigo”, explica.

    Vanessa guarda com carinho as recordações de cada criança que acolheu nesses quase 10 anos. Ela conta que a despedida é sempre difícil, mas entende o momento. “Tem algumas crianças que nos marcam. Tem umas três crianças, nesse período todo, que acabaram marcando a gente mais, porque o vínculo foi mais forte. Eram crianças carinhosas. Nos pegamos falando delas até hoje. Esse momento da despedida é a parte que dói, mas já estávamos cientes quando entramos no programa que o convívio seria temporário”, diz.

    Para a voluntária, a experiência a mudou como pessoa e foi extremamente positiva. “Com certeza nos muda. Quando comecei o processo, eu tinha em mente pensamentos do tipo ‘nossa, como uma mãe pode abandonar um filho?’ Hoje não penso mais dessa forma. Entendi que cada ser humano é único, todos têm suas dificuldades, suas particularidades. A maneira como as pessoas foram criadas, as oportunidades que a vida ofereceu para cada uma dessas mães é muito diferente das que eu ou as pessoas do meu convívio tivemos. Nossa parte é ajudar na evolução dessas crianças, pois viver com uma família com uma boa estrutura, com certeza, faz a mudança na vida delas. É uma fase difícil, mas muito satisfatória”, finaliza.

    Em Maringá, os interessados em participar do programa de acolhimento como voluntários podem se cadastrar diretamente no site da Secretaria de Assistência Social. Após isso, o cadastro será avaliados pelas equipes responsáveis, que retornarão o contato para iniciar os procedimentos legais.

    Imagem Ilustrativa/Arquivo/Agência Brasil

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