Em entrevista ao Maringá Post, ela não descartou a possibilidade de disputar o Executivo se houver uma ‘construção partidária’. A parlamentar falou sobre vários assuntos e revelou, por exemplo, ser contra a reeleição para o cargo de prefeito.
Por Victor Ramalho
O nome de Ana Lúcia Rodrigues ficou conhecido no meio político maringaense antes mesmo das eleições municipais de 2020. De uma candidatura a vice-prefeita em 2016, na chapa com ex-vereador Humberto Henrique, à idealização do projeto “Mais Mulheres no Poder”, a pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) buscou, nos últimos anos, pavimentar o caminho para que outras mulheres, assim como ela, também pudessem ocupar espaços de poder na cidade.
Uma luta que se tornou bandeira de campanha, culminando na eleição para o legislativo em 2020, já pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), com 2.707 votos, sendo a mulher mais votada no pleito daquele ano e ficando em 6º lugar em número absoluto de votos entre os parlamentares eleitos.
Professora Ana Lúcia é a terceira convidada da série de entrevistas do Maringá Post com os vereadores de Maringá. Ela falou sobre a experiência com o primeiro mandato no legislativo, as pautas que busca defender, a relação com o Executivo e também os planos para o futuro político.
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O nome de urna, aliás, não foi por acaso. A vereadora fez carreira como docente no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde lecionou por mais de 30 anos. Pós-doutora em Urbanismo, ela dedicou parte dos últimos 15 anos à coordenação do Observatório das Metrópoles, que realizava um monitoramento da implantação de políticas públicas em Maringá e outros municípios da região.
O início da trajetória política, inclusive, é considerado por ela como uma “coroação” de sua trajetória enquanto pesquisadora. “A candidatura a vereadora, para mim, é a continuação, a coroação talvez da minha carreira acadêmica. Porque eu sempre atuei durante 34 anos como professora pesquisadora e, nos últimos 15 anos, como coordenadora do Núcleo de Pesquisa Observatório das Metrópoles, numa atuação com muita integração à comunidade local maringaense, assim como às cidades que compõem principalmente a região metropolitana. Então são mais de 20 municípios em que eu fiz um processo de intervenção, às vezes bem direto, quando nós trabalhamos com elaboração de planos diretores, assessoria às gestões municipais na elaboração de planos de habitação de interesse social, planos de regularização fundiária, planos de saneamento ambiental, planos relativos à criança e adolescente, enfim. Foram muitas intervenções, muitas atuações ao lado das prefeituras, ao lado das organizações da sociedade, produzindo política urbana, políticas públicas, assim como ao lado dos movimentos sociais, das organizações não governamentais, da sociedade civil, atuando em relação às questões sociais”, conta.
Em relação à participação feminina na política, a vereadora ajudou a implementar, logo no primeiro ano de mandato, a Procuradoria da Mulher, projeto que ela afirma mais se orgulhar. Nos últimos meses, iniciou uma campanha pelas redes sociais cobrando mais mulheres no secretariado municipal. Essa luta – de buscar espaço para mulheres em espaços de decisão – segundo ela, precisa continuar.
“A baixíssima presença da mulher em espaços de poder e decisão prejudica a mulher. São as mulheres que se veem prejudicadas porque as suas necessidades, as suas pautas, as suas demandas, as suas agendas não fazem parte da pauta pública. Não vão para os espaços onde recursos são destinados, onde legislações são construídas, onde o sofrimento e as dores podem ser expostas, discutidas, visibilizadas e respondidas. Então quando as mulheres não estão nesses espaços, quer seja no legislativo, quer seja no executivo, quer seja a frente das organizações privadas também, sem dúvida quem sofre é a mulher”, resume.
Professora Ana Lúcia também fez uma avaliação do próprio mandato e falou dos planos para o futuro político. Ela não descartou disputar o Executivo, embora pondere que é uma decisão que será tomada em conjunto com o partido. Entre os assuntos abordados ela revelou, por exemplo, que é contra o modelo de reeleição para o cargo de prefeito. Confira outros trechos de entrevista:
- Passados dois anos e meio de mandato, que avaliação faz do próprio trabalho? Tem algum projeto que se orgulha mais?
R: “Eu diria que eu me sinto completamente realizada, tenho bastante orgulho do papel que venho cumprindo como vereadora, da minha trajetória, Como vereadora, eu dou continuidade ao comprometimento que eu sempre tive com a inclusão, com a justiça social, com a igualdade. Para mim é preciosa a garantia dos direitos que estão assegurados na nossa constituição federal. Mas certamente alguns projetos são muito caros, como por exemplo, logo no início, a proposição de implantação da Procuradoria da Mulher, considerando que o legislativo também tem que dar a sua parcela e contribuir para compor a rede de proteção à mulher diante de um quadro de crescimento exacerbado da violência e da violência doméstica principalmente. Do fato de que o Brasil é o quinto país do mundo em taxa de feminicídio. Então, para mim, é muito importante, assim como as várias leis que eu propus em relação aos direitos e à proteção à mulher”.
- Existe alguma outra pauta que a senhora gostaria de propor no legislativo e que, por algum motivo, ainda não avançou?
R: “Quanto às pautas que eu já tenha vislumbrado, colocado em discussão e ainda não foram provadas, certamente a mais importante, que me é muito cara em relação à população em situação de rua, porque eu propus que em Maringá fosse proibido a implantação de elementos hostis na arquitetura urbana em todos os espaços públicos, ou seja, que as praças, os logradouros, embaixo das marquises, naquela área que é pública, não sejam colocados espetos de metal, não sejam colocados bolotas de cimento ou quaisquer outros obstáculos que impeçam as pessoas todas de se sentar em algum momento, de descansar. Em especial, a população em situação de rua, que por vezes se vê impedida de dormir sob uma marquise, por conta de gotejamento, que a gente já viu essa prática, ou porque foram ali colocados elementos que machucam se a pessoa ficar sentada ou deitada. Então essa é, sem dúvidas, uma matéria que eu farei voltar à pauta”.
- Como classifica a sua relação com o Executivo?
R: “Eu diria que o Executivo mantém uma relação de muita proximidade, com uma base ampla que o Prefeito mantém a partir inicialmente da coligação realizada, que acabou elegendo um número grande de vereadores. Então o prefeito tem uma base ampla na Câmara. Para além desta base, o prefeito é alguém que faz uma relação muito direta com os vereadores, ele eventualmente chama para reuniões, vem ele próprio à Câmara fazer apresentação de alguma demanda específica, enfim. É uma relação que não é certamente de enfrentamento. Ao contrário, eu até diria que o prefeito praticamente não tem oposição na Câmara, porque um ou dois vereadores que se colocam nessa posição, o máximo que acontece é, às vezes, algum enfrentamento muito raso, baseado em ofensas pessoais, baseado em bravatas e baseada em questões muito pouco importantes. De fato tem questões importantes que uma oposição poderia trazer mais fortemente à tona, mas isso não vem porque não há tal oposição. Eu própria me considero uma vereadora que tem um papel de independência em relação ao Executivo. Eu não me furto a apoiar todas as boas iniciativas do prefeito, do Executivo. Apoio, aprovo, todavia em alguns momentos em relação a alguns temas, eu faço o enfrentamento que eu preciso fazer, porque contraria aquilo que eu sempre defendi.”
- E a relação com organizações da sociedade civil organizada?
R: “São organizações que cumprem o papel de defender e de lutar pelas políticas, pelos recursos, pela legislação, ao desenvolvimento econômico, é legítimo. Todavia, eu me coloco sempre muitas vezes em lado oposto porque são concepções de mundo que diferem da minha. Por exemplo, quando a Associação Comercial defende uma atuação de desaparecer com a população em situação de rua, defende uma campanha de não dar esmola, mas não oferece de fato nenhuma proposta executável, sólida, sustentável no tempo para reinserir essa população, porque não basta a gente sumir com estas pessoas, desaparecer com elas, mandá-las embora. Elas estão aí. Essas pessoas são pessoas, como todos nós, que têm que ser reinseridas na sociedade. E para uma reinserção social, há uma complexa atuação que deve ser feita com muito recurso, muito investimento, muita vontade política.”
- Que avaliação a vereadora faz do trabalho do Executivo?
R: “Não tenho como fazer uma avaliação do trabalho do Executivo que não seja por uma comparação. Eu acompanhei muito de perto os três mandatos da administração Barros e era muito difícil. Era uma administração pouco participativa, era uma administração extremamente autoritária. Eu mesmo tenho informações que nós, da Universidade como pesquisadores buscávamos e, até hoje, eu não recebi, porque hoje não preciso mais, mas naquele momento, precisando às vezes informações de dados públicos para pesquisa e a gente ficava rodando dois anos, três anos e desistia, porque eles não davam as informações. Eu participei naquele momento de conselhos municipais, em que havia uma disputa muito acirrada dos poucos representantes populares, e eu me coloco entre estes, com os representantes do mercado. Então, por comparação, a partir do momento que o prefeito Ulisses Maia assume o poder, isso muda completamente, porque a administração se abre para o diálogo, para o debate, para a participação. A gente tem acesso facilitado, mesmo antes de ser vereadora. No primeiro mandato do prefeito, eu continuava atuando no papel que sempre atuei, como acadêmica e a gente mudou completamente. Então eu acho que houve uma democratização muito grande da administração.”
- E a avaliação dos governos Estadual e Federal? Visto que tivemos uma mudança recente na presidência.
R: “A despeito de os governos estaduais e federais serem jovens de mandatos, mas o governo estadual já estava aí. Então nós sabemos, infelizmente o governo Ratinho faz uma opção por uma gestão neoliberal das políticas em que o Estado a ser implantado por essas pessoas é o Estado mínimo. O mercado é que tem voz e tem voz forte. O servidor público não é valorizado. Serviços públicos não tem a qualidade que precisam ter. A educação pública estadual é uma tragédia. Aqui em Maringá, quando os meninos saem da rede municipal até o quinto ano e caem na rede estadual, eles sofrem um choque de realidade, porque nada tem comparação. A rede municipal pode até ter alguns problemas, mas ela é infinitamente de maior qualidade que a rede estadual. Por quê? Porque o governo estadual não prioriza a educação, não prioriza as estruturas, as escolas. E o governo federal, pela coalizão realizada em prol da eleição, o que eu acho válido, já que era necessário tirar aquele governo absolutamente incompetente, descomprometido, alucinado, que representava o governo federal anterior. E para isso se faz uma coalizão que também não é fácil, uma coalizão de forças tão distintas, que não é fácil garantir os interesses a todas aquelas forças. E aí quem grita mais alto ali acaba levando, e sem dúvida, muito provavelmente em relação ao modelo econômico, não vai mudar nada. Mas é importante que a gente tenha expectativa que também haja, paralelo ao velho incentivo e manutenção da lógica financeira, da lógica capitalista e especulativa, que também caminhe junto as políticas sociais, voltadas para o conjunto da população”.
- E para o futuro político, pensando que temos eleição em 2024, quais são os seus planos?
R: “Eu, na verdade, tenho o meu nome à disposição do partido. Eu sou uma pessoa que hoje sou presidente municipal do PDT em Maringá. Eu sou coordenadora regional do nosso partido e sou vice-presidente estadual do Partido Democrático Trabalhista, portanto, ocupando um espaço de decisão no partido, mas sem dúvida posso garantir, inclusive que o meu nome está à disposição. Se for conveniente, se for legal e o melhor projeto é que eu vá para reeleição a vereadora eu irei. Se houver as condições de uma construção partidária com elegibilidade para um cargo majoritário, eu coloco meu nome à disposição. E de fato, né, eu quero continuar por um tempo, porque eu não acho que a vida política deva ser uma atividade para se tornar profissão, não acho isso. Eu acho que todos os cidadãos devem se revezar. Por exemplo, eu sou contra a reeleição no Executivo, eu acho que o Executivo a cada mandato deva-se mudar o nome. Legislativo eu acho que tem que ser dois mandatos no máximo, pronto. É nesse sentido que eu penso. Eu gostaria de continuar na função de servir a população, utilizar o meu conhecimento, a minha experiência, utilizar o fato de que hoje eu estou aposentada e, portanto, tenho inclusive mais tempo livre para atuar em tempo integral em prol da população, dos projetos, dos segmentos que eu defendo, enfim, das lutas que eu sempre fiz.”
Foto: Arquivo/CMM
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