Foto: BRDE
Essa corrente começou com sua primeira moradora, Maria Clara de Abreu Leão, da Matte Leão. O palacete ficou conhecido pelo sobrenome de seu primeiro proprietário, mas foi Maria Clara, após o falecimento do marido (Agostinho Ermelino de Leão), em 1907, que tomou as rédeas da vida da família, uma das mais tradicionais da época, no bairro Alto da Glória, em Curitiba.
A cidade não tinha 50 mil habitantes e começava um processo de modernização em todas as áreas: urbanismo, ideias e políticas públicas.
Neta do Visconde de Nácar e irmã de Cândido de Abreu – engenheiro, prefeito de Curitiba e autor do projeto do Palacete Leão Júnior –, Maria Clara virou um ícone da representatividade da mulher e da casa encrustada no coração da cidade, que chegou a recepcionar o presidente Afonso Pena em visita ao Paraná.
A escritora Antônia Schwinden relata no livro “Leão Júnior S.A. – A Empresa Centenária”, de 2001, que ela ocupou um espaço de liderança numa época em que era raridade mulheres estarem à frente de grandes negócios.
“Maria Clara de Abreu Leão decidiu enfrentar o desafio. Em 26 de fevereiro de 1908, oficializou sua decisão mediante um documento apresentado na Junta Comercial, em Ponta Grossa, declarando que a empresa da família seria denominada Viúva Leão Júnior”, escreveu Antônia. A partir de 1912, a companhia passaria a ser denominada “Fábrica Leão Junior”, ainda sob forte influência dela.
Na década de 20, a Leão Junior já era a maior empresa de beneficiamento da erva-mate, motivo que ajudou no desenvolvimento do Estado. As linhas de produção eram divididas entre três fábricas: no Paraná, na região de Curitiba e Fernandes Pinheiro, além do Rio de Janeiro. Ela viria a falecer em 1935 e nos anos 2000 a indústria e a casa ganharam novos donos.
O BRDE comprou o local em 2004, instalado sua sede regional no terreno e transformando o palacete num espaço cultural, recuperando, nos anos seguintes, as cores originais do patrimônio tombado.
Mais de um século depois, a figura da primeira moradora segue sendo uma inspiração cotidiana nesse espaço. “Além do protagonismo, a imagem da viúva de Agostinho Ermelino de Leão Júnior e irmã de Cândido de Abreu nos ajuda a pensar no papel da mulher em diversos momentos da história”, afirma a coordenadora do espaço, Rafaela Tasca.
O retrato original de Maria Clara feito pelo pintor Alfredo Andersen, cuja importância lhe delegou um museu próprio, integrou a relação de obras da exposição “Narrativas e Poéticas do Mate”, desenvolvida pelo Espaço Cultural BRDE em parceria com o Museu Paranaense, que esteve em cartaz recentemente. Foi a primeira vez que ela “retornou” para casa.
A socióloga e crítica de arte Amélia Siegel Corrêa elaborou o texto de apreciação da exposição. Ela é autora de “Alto da Glória: Fragmentos de Uma História”, publicação do Boletim Casa Romário Martins que vai ser lançado no Espaço Cultural BRDE em abril. Ela propõe novas leituras da história sobre a formação do bairro, incluindo a participação de mulheres como Maria Clara Abreu Leão, Dolores Leão, Maria Bárbara Correia Leão, entre outras, nas grandes discussões da época.
ESPAÇO DE ARTE (FEMININA) – O legado de Maria Clara e da família Leão inspira a cultura feminina até os dias de hoje. Entre 2019 e 2023, artistas mulheres realizaram metade das exposições que ocuparam o centro cultural, por meio da seleção do edital de mostras temporárias do BRDE, mantenedor do edifício conhecido por Solar dos Leões.
Outro dado simbólico é que 70% das exposições realizadas por meio do edital, o qual balizou a programação do período de 2019 a 2023, foram realizadas com a curadoria ou com texto crítico elaborado por mulheres atuantes no circuito artístico. “Esse percentual elevado aponta uma expressiva atuação feminina também no campo da pesquisa e da crítica de arte”, analisa Rafaela.
Egressa da primeira turma do mestrado em Economia e Política da Cultura e Indústrias Criativas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela coordena uma equipe de mulheres formada pela coordenadora de atendimento, Bianca Isis, bacharel em Artes Visuais pela UFPR, e pela jovem aprendiz, Kimberly Ferraz.
Mas a rede de trabalho no circuito cultural tem muitas protagonistas: professoras, curadoras e pesquisadoras, além do imprescindível trabalho das profissionais da limpeza, montagem e segurança. Ana Teresinha Ribeiro Vicente, ex-funcionária, também teve atuação marcante na primeira década de funcionamento do local e sempre é lembrada pelos colegas.
A presença da mulher também aparece nas mostras realizadas nos últimos quatro anos. Figuram na lista Teca Sandrini, Lívia Fontana, Cristina Agostinho e Carmen Fortes. Neste mês está em cartaz até o dia 11 de abril a mostra de fotografias “Noite: paisagens imaginárias”, do Coletivo 7Mulheres de Florianópolis.
Nos últimos meses, o Palacete também recebeu textos inéditos de nomes representativos da crítica de arte, como Maria José Justino, Astrid Façanha, Amélia Siegel Correia e Ana Rocha. Projetos institucionais também receberam a força de trabalho e o talento de artistas e pesquisadoras, como Eliane Prolik, Larissa Schip, Shirley Paes Leme e Cecília Bergamo.
Além disso, o BRDE possui acervo de obras de arte nas três agências na região Sul. Em Curitiba, estão obras de mulheres representativas no contexto da arte, como Iria Correa, considerada a primeira pintora do Paraná, assim como Renina Katz, Fayga Ostrower, Uiara Bartira, Guita Soifer, Sandra Fávero e Cristina Agostinho.
“Somos mulheres escrevendo sobre mulheres, expondo mulheres e cuidando de um espaço que teve uma representatividade imensa para uma grande mulher. O Palacete dos Leões é um espaço de valorização da arte e da representatividade das mulheres na cultura”, complementa Rafaela.
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