Há mais de duas décadas o Paraná implementou uma política pública de incentivo à educação superior para estudantes oriundos de etnias, comunidades e territórios indígenas localizados em todo o Estado. Anualmente, de forma gratuita, são ofertadas 52 vagas para diferentes cursos regulares de graduação, por meio de um processo seletivo exclusivo, denominado Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná. Eles são no formato presencial e na modalidade educação a distância (EaD), em nível de bacharelado, licenciatura e tecnológico.
São 42 vagas distribuídas entre as universidades estaduais de Londrina (UEL), Maringá (UEM), Ponta Grossa (UEPG), do Oeste do Paraná (Unioeste), do Centro-Oeste (Unicentro), do Norte do Paraná (UENP) e do Paraná (Unespar); e dez vagas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A cada edição, os processos seletivos são organizados em um sistema de rodízio pelas instituições de ensino, que atuam em parceria.
Atualmente, 291 estudantes indígenas são universitários e 195 já se formaram, sendo 92 nos últimos quatro anos. O Brasil registrou um aumento de 695% no número de indígenas matriculados no ensino superior entre 2010 e 2018, último ano em que os dados foram divulgados no Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Eram 7.256 indígenas matriculados e esse quantitativo passou para 57.706, o que representa 0,68% do total de estudantes em universidades, centros universitários e faculdades.
No Paraná vivem cerca de 13.300 indígenas e aproximadamente 70% pertence ao povo caingangue, o que reforça a importância e perenidade do projeto. O Estado tem 23 terras indígenas demarcadas pelo governo federal: Apucarana, Avá-Guarani do Ocoí, Barão de Antonina, Boa Vista, Cerco Grande, Faxinal, Herarekã Xetá, Ilha da Cotinga, Ivaí, Laranjinha, Mangueirinha, Marrecas, Palmas (divisa com SC), Pinhalzinho, Queimadas, Rio Areia, Rio das Cobras, Sambaqui, São Jerônimo, Tekohá Añetete, Tekoha Itamarã, Tibagy/Mococa e Yvyporã Laranjinha.
Ronaldo Alves da Silva, com o nome indígena Awa Djerokydju, que significa dançarino sagrado, tem 33 anos, pertence à etnia Guarani e é da Terra Indígena Pinhalzinho, no Norte Pioneiro, onde vivem cerca de 160 indígenas. Na escola ele já percebeu a necessidade da presença de professores indígenas que trabalhassem com a cultura local. E esse cenário foi o que motivou Ronaldo a buscar uma formação de ensino superior para contribuir com a comunidade.
“Eu optei por um curso que me formasse para voltar à minha comunidade e trabalhar nas escolas com as crianças indígenas, por isso escolhi ser professor”, explica. Em 2009 ele ingressou na Universidade Estadual de Maringá (UEM) para cursar Educação Física. No início teve dificuldade em se adaptar na cidade e também sentia falta da família. Com o apoio da Cuia (Comissão Universidade para os Povos Indígenas), em 2013 pediu transferência para o curso de Pedagogia, no qual se formou em 2018.
Há cinco anos ele é professor na Escola Estadual Indígena Yvy Porã, no município de Tomazina, também no Norte Pioneiro, e atua no ensino fundamental. O seu principal objetivo é valorizar a cultura ancestral e a origem dos povos indígenas. “Procuramos formar as crianças mostrando para elas as raízes, fortalecendo a identidade cultural e mostrando o quanto a nossa cultura é importante”, afirma.
Após o curso de Pedagogia, Ronaldo ainda fez uma Especialização em Gestão Escolar Indígena, também na UEM, e incentivou a esposa Adriane da Silva a cursar Pedagogia. Desde o ano passado ela trabalha na mesma escola que ele.
Além da área da educação, profissionais da área da saúde têm um papel importante nas terras indígenas, o que ficou muito evidente para todos os brasileiros durante a pandemia de Covid-19. Por isso, Silvana Matias, da etnia Guarani Nhandewa, decidiu entrar na universidade. Seu nome indígena é Kunhã Poty Porã, que significa flor bonita. Ela tem 48 anos e mora na Terra Indígena Laranjinha, localizada no município de Santa Amélia, no Norte Pioneiro. A comunidade existe há 104 anos e, atualmente, reúne 238 moradores de 78 famílias indígenas.
Ela começou o curso de Medicina na UEM em 2005, mas a distância da família e dos filhos e a mudança de cidade fizeram com que Silvana voltasse à comunidade. No ano seguinte, pediu transferência para o curso de Enfermagem e retornou, dessa vez com a família, para Maringá. Durante o percurso, Silvana trabalhou como agente indígena de Saúde e depois como técnica em Enfermagem, área que tem formação na comunidade. No dia a dia percebe a necessidade de aumentar o número de profissionais da área da saúde para atuar na aldeia.
Depois de concluir efetivamente o curso, ela voltou a trabalhar na Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI), onde coordena uma equipe multidisciplinar com 14 pessoas, todos indígenas. Na UBSI também atuam uma médica e uma dentista, formadas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). As duas profissionais também ingressaram no ensino superior pelo Vestibular dos Povos Indígenas.
A relação com a comunidade da qual faz parte é muito importante. “Acompanhamos o pré-natal, vemos a criança nascer, desenvolver e crescer com a nossa ajuda. Você vê o idoso confiar na sua palavra, chamar você pra contar algo que aconteceu com ele, é especial”, diz Silvana.
Além da importância da atividade que desenvolve na aldeia, ela destaca o reconhecimento que recebe dos demais membros da aldeia. “Você volta para a comunidade diferente, sendo um exemplo a ser seguido, é muito gratificante. Quando você faz uma palestra e chama o pessoal, eles te veem como uma referência, e isso é muito gratificante”, completa.
O contato com indígenas que saíram da aldeia para estudar e que voltam para contribuir com a comunidade é um incentivo para outros indígenas a buscar a educação superior, seja para atuar na própria terra indígena ou fora dela. Silvana é exemplo para os dois filhos: Isabelly Nathuane Matias Claudino, que estudou Enfermagem na UEM e agora faz Residência Técnica em Gestão da Segurança Pública, em Maringá, e Mateus Henrique Matias Claudino, que desde 2021 cursa Medicina na UEPG.
ACOMPANHAMENTO – A Comissão Universidade para os Povos Indígenas (Cuia) é outra conquista das universidades paranaenses. Ela foi criada para acompanhar pedagogicamente os alunos indígenas, promover o acesso, permanência e a conclusão dos cursos de graduação. A comissão é vinculada à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná e tem representantes da pasta e das universidades envolvidas.
A educação dos povos originários envolve adaptações curriculares e pedagógicas para inclusão dessa parcela da população nos modelos educacionais. A Cuia, além de ser responsável pela organização do vestibular, também analisa e propõe ações relacionadas ao investimento para a permanência dos estudantes indígenas na universidade.
Depois de matriculados, os universitários indígenas recebem o auxílio instalação no valor de R$ 1.125,00 e o auxílio permanência, durante o período que estiverem na universidade, no valor de R$ 1.125,00, com acréscimo de 50% do valor para os que possuem filhos, totalizando R$ 1.687,50. As bolsas pagas pelo Governo do Estado foram reajustadas em 25% no ano passado, e o auxílio pago pelo governo federal segue com o valor de R$ 900.
Entre 2019 e 2021, o governo do Paraná destinou R$ 8,5 milhões para o custeio desses benefícios acadêmicos, com impacto significativo na redução da evasão universitária e, consequentemente, na diplomação desse público.
O secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Aldo Nelson Bona, destaca o pioneirismo do Estado nas políticas de ação afirmativa para a população indígena. “Outras universidades também oferecem ações específicas para estudantes indígenas, mas só no Paraná existe um programa estadual estruturado e organizado para o acesso dessa população ao ensino superior. Temos diversos estudantes indígenas formados em diferentes áreas e isso demonstra a atenção que o estado dedica aos povos originários”, afirma.
Além do Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, as instituições de ensino superior também oferecem possibilidades para o ingresso de indígenas pelo sistema de cotas sociais nos vestibulares convencionais.
A coordenadora da Cuia, professora Dulcinéia Galliano Pizza, explica a importância do acesso ao ensino superior para estudantes indígenas. “As políticas de acesso e permanência de estudantes indígenas ao ensino superior é de extrema relevância, tendo em vista as diferenças culturais, na qualificação da educação e das oportunidades entre os indígenas e não indígenas”, reforça a docente, que é vinculada à Unespar.
A ação afirmativa paranaense assegura o direito dos povos originários à educação, conforme determina a Constituição Federal de 1988 e a Lei Estadual nº 14.453/2004, com amparo também nas leis nº 13.134/2001 e nº 14.995/2006. Além desses instrumentos normativos, resolução e portaria da Seti estabelecem a Cuia.
VESTIBULAR 2023 – Neste ano, as inscrições para o 22º Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná seguem abertas até 13 de fevereiro. Os candidatos devem apresentar documento comprobatório da origem indígena e comprovar a conclusão do Ensino Médio. Segundo o Manual do Candidato, as instituições disponibilizaram 551 opções de cursos de graduação em diferentes câmpus localizados em Curitiba e em 32 municípios do interior paranaense, nos turnos da manhã, tarde e noite.
As provas serão aplicadas nos dias 7 e 8 de maio, na Capital e em territórios indígenas de seis cidades: Cornélio Procópio, Mangueirinha, Manoel Ribas, Nova Laranjeiras, Santa Helena e Tamarana. No primeiro dia será uma prova oral de Língua Portuguesa e no segundo dia uma prova objetiva, com questões de Português (interpretação de texto), Matemática, Biologia, Física, Química, História, Geografia e Línguas Estrangeiras e Indígenas (Inglês, Espanhol, Guarani ou Caingangue), além da redação.
OUTRO EXEMPLO – Outra conquista para entrar para a história dos povos indígenas do Paraná aconteceu no final do ano passado. 22 estudantes das etnias caiagangue, guarani, guarani mbya e xetá colaram grau na primeira formatura do curso de Pedagogia Indígena da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). A diplomação foi, também, a primeira de um curso de graduação desenvolvido em uma terra demarcada na história do Estado. Ela foi realizada na comunidade de Rio das Cobras, no interior de Nova Laranjeiras (Centro-Sul do Estado).
A formatura é resultado de um extenso trabalho. Em 2022, após quatro anos de análises, o curso de Pedagogia Indígena passou pelo processo de reconhecimento do Governo do Estado. Ele recebeu nota 4,7, sendo a máxima 5, levando em conta os seguintes critérios: metodologia pedagógica, corpo docente e estrutura. A avaliação também recomendou que a universidade trabalhe para que o curso, criado para atender um ciclo, se torne permanente.
SÉRIE – “Paraná, o Brasil que dá certo” é uma série de reportagens da Agência Estadual de Notícias. São apresentadas iniciativas da administração pública estadual que são referência para o Brasil em suas áreas. Confira AQUI as reportagens já publicadas da série.
Confira a quantidade de cursos ofertados por universidade e as cidades:
UEL – 65 cursos (Londrina)
UEM – 86 cursos (Maringá, Cianorte, Cidade Gaúcha, Goioerê, Ivaiporã e Umuarama)
UEPG – 75 cursos (Ponta Grossa e Telêmaco Borba)
Unioeste – 65 cursos (Cascavel, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Marechal Cândido Rondon e Toledo)
Unicentro – 58 cursos (Guarapuava, Chopinzinho, Coronel Vivida, Irati, Pitanga e Prudentópolis)
UENP – 29 cursos (Jacarezinho, Bandeirantes e Cornélio Procópio)
Unespar – 78 cursos (Curitiba, Apucarana, Campo Mourão, Paranaguá, Paranavaí e União da Vitória)
UFPR – 95 cursos (Curitiba, Jandaia do Sul, Matinhos, Palotina, Pontal do Paraná e Toledo)
Serviço do Vestibular 2023:
Inscrições: até 13 de fevereiro – AQUI
Homologação de inscrições: 15 de fevereiro
Ensalamento: 24 de abril
Aplicação de provas: 7 e 8 de maio
Divulgação de gabarito: 9 de maio
Divulgação de aprovados: 31 de maio
Agência Estadual de Notícias / Foto: Ronaldo Alves da Silva/Arquivo pessoal
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