Sexta-feira, 30 de dezembro de 2022. Maringá está visivelmente esvaziada. Muitos viajaram, foram para a beira de algum rio, litoral, capitais, exterior ou cidades menores da região. Um único intuito: passar a virada de ano ao lado de pessoas amadas, familiares, amigos. Não é o caso dos “moradores” da Rua Fernão Dias e adjacências da Zona 1 e Zona 9. O termo oficial é: pessoas em estado de vulnerabilidade social. O famoso morador de rua. Ele não vai viajar, não encontrará familiares e a passagem de ano não será tradução alguma de prosperidade, saúde e paz.
O Maringá Post aproveita o último dia útil do ano para iniciar uma série de reportagens que busca responder algumas perguntas incômodas: quem são as pessoas que trocaram ou foram obrigadas a trocar o conforto de um lar por uma vida nas ruas? Quais os motivos que originaram este problema social? E o que as autoridades competentes podem fazer para mitigar a violência e a miserabilidade ligadas a esta situação?
Viés da segurança
Dois dias após o Natal deste 2022, um fato virou notícia em Maringá: duas pessoas esfaqueadas nas redondezas da Rua Fernão Dias em um curto período de três horas. Briga generalizada entre moradores de rua, tentativas de homicídio e muito sangue perdido por uma mulher de 44 anos e por um homem de 30 anos. Os motivos são fúteis e banais (pelo menos para os olhos de quem não vive aquela realidade na pele): uma dívida de sete reais, duas pedras de crack, um surto de alucinação etc.
Mas isso já não surpreende o capitão Ulisses de Deus, da Polícia Militar de Maringá. Infelizmente, naquela região da cidade, é recorrente a necessidade de intervenção policial. A violência é rotineira e isso prejudica o comércio, tira a paz de moradores e, o pior, torna insustentável a vida dos próprios moradores de rua, um labirinto infernal cuja saída parece nunca existir, ou então ter apenas dois caminhos: cadeia ou caixão.
No crime
Além de viver à margem da sociedade, de ser temido e evitado pelas pessoas, de estar sujeito a problemas de saúde causados pelo frio ou pelo sol em excesso, de ser exposto ao conforto ilusório e mortífero do álcool e das drogas, a pessoa em situação de vulnerabilidade social vive e experimenta a criminalidade. Os números traduzem isso.
Em 2022, 86 pessoas foram detidas com mandado de prisão em aberto após abordagens policiais, muitas das quais na Rua Fernão Dias. Naquela região, os boletins de ocorrência registrados na PM totalizaram, neste ano, pelo menos 9 furtos e 5 lesões corporais. A Guarda Civil Municipal de Maringá (coincidentemente localizada na Rua Fernão Dias) contabilizou 37 ocorrências e atendimentos diários na cidade, mas não contabiliza o perfil do suspeito, o que não permite precisar a ligação entre os atos supostamente ilícitos com o público em situação de rua.
“Isso inclui abordagens a suspeitos, cumprimento de mandado de prisão, condução para a delegacia, violência doméstica, apreensão de armas, recuperação de veículos, ordens de serviço, entre outras situações. Cerca de 50% dos flagrantes feitos neste ano estão relacionados à posse e tráfico de entorpecentes”, especifica Ivan Quartaroli, secretário de Segurança Pública de Maringá.
Possíveis soluções
Em 2023, a Prefeitura de Maringá aposta em estratégias de inteligência e em novas tecnologias como aliadas no combate ao crime. Para 2023, o município finalizará a implantação do Centro de Controle Integrado, com 70 câmeras de reconhecimento facial e de identificação de placas de veículos.
“Será o sistema de monitoramento de segurança mais inteligente do Brasil. A nova tecnologia vai facilitar a identificação de pessoas que estejam com algum tipo de restrição judicial, para que sejam colocadas à disposição da Justiça”, prevê o secretário de Segurança, que também pretende contar com mais efetivo de guardas municipais, já que um concurso público está aberto ofertando sete vagas e ainda cadastro reserva.
Em entrevistas recentes para emissoras de televisão, o capitão Ulisses de Deus disse considerar a situação dos moradores de rua de Maringá algo que vai além dos esforços da área de segurança pública: “Muitas vezes, a situação de rua leva a pessoa para o mundo do crime, cometendo pequenos furtos e roubos na região, e leva para o consumo de drogas. Essa pessoa precisa de políticas públicas na área de saúde e de assistência social, para que depois possa ter um emprego e assim poder sair dessa condição de rua.”
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