Ex-prefeito de Maringá lutou contra um câncer no intestino enquanto ainda chefiava o Executivo. Ao Maringá Post, familiares, amigos e aliados políticos de José Cláudio falaram do legado deixado por ele.
Por Victor Ramalho
Era uma terça-feira, por volta das 11h30 da manhã quando José Cláudio Pereira Neto veio a falecer, na casa dele, após mais de um ano de luta contra um câncer no intestino. A notícia, naquele 16 de setembro de 2003, comoveu a cidade e, neste sábado (16), a morte do ex-prefeito de Maringá completa 20 anos.
A liderança de José Cláudio inspirou muitos, conforme relatado por familiares, amigos e aliados políticos dele ao Maringá Post. O primeiro – e até então único – prefeito oriundo do Partido dos Trabalhadores (PT) em Maringá, cidade historicamente conservadora, o ex-chefe do Executivo teve o desafio de buscar equilibrar as contas públicas da Cidade Canção após uma gestão anterior que deixou marcas negativas.
A morte de Pereira Neto, aos 51 anos de idade, mobilizou as atenções até do recém-eleito presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que divulgou uma nota de pesar enquanto ainda cumpria uma agenda de viagem internacional na Colômbia. Na ocasião, o prefeito de Londrina, Nedson Micheleti e o governador em exercício do Paraná, Orlando Pessutti, chegaram a decretar luto oficial de três dias em homenagem a José Cláudio.
“Eu prometi que jamais deixaria a história dele morrer”
A paixão pela política partidária era algo de família, passada pelo pai de José Cláudio para ele e os irmãos. Entre todos eles, a que esteve mais próximo dele nessa trajetória foi Terezinha Pereira, hoje secretária de Políticas Públicas para Mulheres de Maringá. Segundo ela, o envolvimento dela com a vida pública até os dias atuais faz parte de uma promessa que fez no dia que o ex-prefeito morreu.
“A paixão pela política partidária herdada do nosso pai sempre foi mais forte em nós dois. Era um vínculo que nos uniu muito e quando ele estava morrendo, eu estava ao lado dele segurando sua mão e conversando com ele. Eu me lembro que ele partiu 11h25 da manhã e eu fiz uma promessa para ele, que jamais deixaria a história dele morrer, que eu faria essa continuidade na gestão e na política partidária, que nunca deixaria a memória dele cair no esquecimento. Até hoje as pessoas dizem, ‘Terezinha Pereira, a irmã do prefeito Zé Cláudio’. Ele é a minha inspiração a cada dia que me levanto”, relatou.
José Cláudio e Terezinha estiveram juntos no movimento estudantil. Antes de ser eleito prefeito de Maringá, em 2000, Zé chegou a assumir a presidência da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), em 1977. Em 1991, se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT).
A primeira disputa eleitoral veio já em 1996, também pelo cargo de prefeito de Maringá, ficando em 4º lugar com 10.597 votos na eleição que elegeu Jairo Gianoto (PSDB). Em 2000, quando venceu a disputa ao Executivo, Pereira Neto derrotou Doutor Batista (PTB) no segundo turno, fazendo mais de 107 mil votos.
O câncer no intestino foi descoberto em 2002, no segundo ano de mandato. Após alguns afastamentos e cirurgias, José Cláudio e sua equipe médica montaram uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na casa do prefeito, além de um escritório onde ele ficou despachando pelo município. Mesmo na fase mais severa da doença, ele se recusava a deixar de trabalhar por Maringá.
“As melhores lembranças que eu tenho dele aconteceram no período de 15 meses da doença dele. Quando ele estava na UTI do Santa Rita, eu ficava com ele e durante o dia e a noite algumas vezes eu cantava um louvor no ouvido dele, abraçada com ele, ou falava com ele sobre a cidade e a gestão. Teve um dia que eu disse a ele: ‘mano, você fez mais de 107 mil votos para prefeito, mas hoje você tem uma cidade inteira orando por você, te abençoando, torcendo para que você se levante dessa cama e saia caminhando desse hospital. Você tem noção do que é ter uma cidade se movendo em oração pela sua vida? Nesse momento, chorou e apertou a minha mão”, recorda Terezinha.
“Ele dizia para todos que Maringá teria dois prefeitos”
Assim como muitos dos aliados políticos, o ex-prefeito João Ivo Caleffi também conheceu José Cláudio ainda fora da administração pública. Ao Maringá Post, ele contou como os dois se conheceram e viraram amigos.
“Nos conhecemos no ano de 1996, quando eu era candidato a diretor do Colégio Estadual Alfredo Moisés Maluf, no Conjunto Residencial Hermann Moraes de Barros. O José Cláudio foi dar algumas orientações jurídicas como advogado que era para a chapa que eu encabeçava para direção do colégio. Lembro que a reunião foi a noite na área de minha casa lá no Parque das Grevílleas, onde eu morava e moro há mais de trinta anos. Depois que ganhei a eleição para diretor do Colégio Maluf, o José Cláudio ia sempre lá me visitar no colégio que eu era diretor. Viramos amigos. Era muito fácil ser amigo do José Cláudio. Ele era sempre muito simples, falava baixo, sabia ouvir, era carismático e inteligente. Ele sabia ver onde tinha algo bom”, relembra João Ivo.
Caleffi também recorda do período de campanha para a Prefeitura de Maringá, em 2000. Uma característica de José Cláudio que o ex-prefeito guarda com carinho é a forma linear de trabalhar, sem hierarquias.
“Ele era extremamente leal comigo e eu com ele, havia uma relação de confiança mútua muito grande. José Cláudio era meu amigo e eu amigo dele. Ele era amigo, sincero, leal, generoso, carismático e sensível. José Cláudio dizia sempre em todo lugar, para todos, que íamos ganhar a eleição juntos e íamos governar juntos, que Maringá teria dois prefeitos, que íamos administrar juntos a cidade de Maringá e isso de fato ocorreu. Estávamos sempre juntos, discutíamos tudo, nós dois, antes de tomar qualquer decisão importante para a cidade. Ele era muito do diálogo, de cumprir a palavra dada”, declarou.
Uma lembrança marcante que João Ivo tem com o ex-chefe do Executivo tem relação com a sua maneira simples de governar. José Cláudio gostava de visitar a cidade, bairro por bairro, para conhecer de perto o que a população precisava, conforme relata o colega de administração.
!Tem muitas histórias interessantes que vivemos juntos, mas acredito que entre elas, a mais importante é a que saíamos juntos pela cidade, só nos dois, sem segurança, sem assessor, sem avisar ninguém, para visitar a cidade, os distritos, a área rural de Maringá, para ver os problemas, sentir de perto, conversar com todos que encontrávamos, em qualquer lugar, as vezes à noite, de manhãzinha, em posto de saúde, em feiras, entrávamos em casas de pessoas comuns, em escolas, em bairros mais afastados, enfim, por toda a cidade. Íamos conversando como resolver os problemas encontrados. Tínhamos uma sintonia perfeita. Gostávamos muito de fazer isso”, conta.
“Como gestor, era uma pessoa com uma visão fora do comum”
Quem também tem ótimas lembranças de José Cláudio é o vereador e atual presidente do Partido dos Trabalhadores em Maringá, Mário Verri. O parlamentar ajudou a coordenar a campanha eleitoral do PT, em 2000 e, após isso, recebeu o convite para assumir a então Secretaria de Esportes.
Mário recorda que José Cláudio era um apaixonado por futebol e pelo Grêmio Maringá. No entanto, mesmo tendo uma predileção pelo futebol, deixou o então secretário à vontade para desenvolver as mais variadas modalidades esportivas na cidade.
“Tivemos uma relação muito próxima nessa eleição (de 2000), eu estava na coordenação de campanha dele e ele me chamou para ser secretário de Esportes. Foi muito bom trabalhar junto com ele, pois ele era um cara que gostava muito de futebol, mas nos dava liberdade para trabalhar com os mais diversos esportes. Era uma época muito difícil, pois ele pegou a administração depois de Jairo Gianoto, então os cofres estavam lá embaixo, tínhamos muita dificuldade financeira. Tem uma coisa que me marcou muito, pois ele ia para as escolas e falava ‘nós vamos revolucionar a educação em Maringá’, e aí a primeira escola que ele demoliu e fez outra foi na Vila Esperança. Antes de inaugurar, ele botou todo o grupo de secretários municipais em um ônibus e levou para lá, conhecer a nova construção. Ele era uma pessoa muito fechada, mas também muito divertida quando tinha que ser”, recorda Mário.
O vereador destaca também o papel de José Cláudio na reconstrução da administração pública em Maringá.
“Como gestor, era uma pessoa com uma visão fora do comum, ele pegou a prefeitura depois de uma administração muito ruim do PSDB em Maringá e conseguiu colocar as contas em dia. O Ênio era o secretário da Fazenda na época, ajudou muito nisso, mas ele conseguiu aproximar todo mundo nesse projeto. Ele tinha uma relação muito boa com a Câmara na época, mesmo com aqueles políticos que poderiam ir contra, por ele ser do PT e a maioria da Câmara ser de direita. Infelizmente, perdemos ele muito cedo”, afirma.
O legado de José Cláudio
Os três entrevistados foram quase que unânimes quando perguntados sobre o legado que José Cláudio Pereira Neto deixou para a política maringaense.
“O legado político dele foi mostrar a essa cidade que é possível sim fazer política de cara limpa, que é possível sim ser político de cara limpa. Que gestão pública se faz ouvindo o povo e que essa gestão precisa fazer política pública com excelência! A transformação na educação municipal nesta cidade foi o maior legado que ele deixou como gestor, porque ele tinha muito claro que nenhum gestor transforma uma realidade social sem educação”, declarou Terezinha Pereira, irmã de José Cláudio.
“Ele era uma pessoa extremamente sensível, carismática, generosa, leal, de um amor e doação total pela cidade, vivia esse amor com toda intensidade”, recordou João Ivo, vice-prefeito de Maringá na gestão de José Cláudio.
“Infelizmente, perdemos ele muito cedo. Acredito que o José Cláudio tinha muito o que contribuir para a cidade e ele mostrou que, mesmo sendo de esquerda e do PT em uma cidade conservadora como Maringá, dá para fazer e nós provamos isso. O legado dele está escrito na história, quem o conheceu, lembra dele de uma maneira muito boa”, recorda Mário Verri, secretário de Esportes na gestão de José Cláudio.
Foto: Acervo de Marcelo Bulgarelli e Maringá Histórica
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