A administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou a decisão de autorizar o pagamento de R$ 9 bilhões em emendas, oriundas do polêmico orçamento secreto que foram negociadas pelo governo anterior, liderado por Jair Bolsonaro (PL). Essas emendas estavam em aberto e foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, o Palácio do Planalto não implementou medidas para tornar o processo transparente. Os fundos serão disponibilizados pelos Ministérios das Cidades e da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, com R$ 333,6 milhões já tendo sido pagos.
Esta decisão representa mais uma estratégia de Lula para pacificar o Congresso e buscar apoio em votações importantes, após algumas derrotas iniciais no Projeto de Lei das Fake News e na Lei Geral do Saneamento Básico. Os fundos poderão ser liberados aos poucos, dependendo do resultado das votações e do apoio dos parlamentares.
Líderes do Centrão têm trabalhado para manter o controle dos recursos federais, pressionando o governo a manter o esquema criado por Bolsonaro em 2019. As ameaças do bloco, que tem dominado o Orçamento nos últimos três anos, incluem a não aprovação de qualquer medida provisória de Lula e a perturbação da paz do presidente em comissões parlamentares de inquérito (CPIs).
Em março, foi divulgado que o governo Lula decidiu utilizar um modelo opaco para distribuir os recursos negociados com o Congresso. A estratégia foi centralizada na Secretaria de Relações Institucionais, liderada pelo ministro Alexandre Padilha. Padilha começou a enfrentar pressão do Legislativo, até receber uma ordem do presidente para liberar os recursos.
Durante a campanha eleitoral, o orçamento secreto de Bolsonaro foi fortemente criticado por Lula. O então candidato do PT à presidência chegou a afirmar que o mecanismo era “uma aberração da política brasileira”. Em dezembro do ano anterior, mais de um ano após o esquema ter sido revelado, o STF declarou o orçamento secreto inconstitucional e determinou que os recursos fossem devolvidos ao controle total do governo.
Agora, sob pressão dos parlamentares, o governo Lula decidiu liberar o saldo do orçamento secreto de Bolsonaro. Esses fundos são destinados a projetos como pavimentação, compra de tratores e outras obras que foram superestimadas e desviadas para prefeituras e empresas de parentes e aliados políticos.
Os ministérios vão liberar os recursos com base nas mesmas indicações dos parlamentares, ainda que de maneira informal e secreta, o que efetivamente descumpre a decisão do STF.
Outro beneficiado é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que negociou a distribuição interna dos fundos patrocinados pelos parlamentares e enfrenta pressão de colegas para exigir do governo o pagamento das emendas “em aberto”. Lira cobrou pessoalmente do presidente Lula a liberação das emendas.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também tem emendas secretas pendentes que agora poderão ser liberadas. Ele planeja enviar R$ 960 mil para pavimentação em Papagaios (MG).
Em 19 de abril, o Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional emitiu uma portaria para liberar os recursos do orçamento secreto negociados em 2020, 2021 e 2022 que ainda não foram pagos.
A pasta tem R$ 9 bilhões em emendas dessa natureza do período de Bolsonaro que ainda estão pendentes. Em 3 de maio, o Ministério das Cidades assinou uma portaria semelhante, liberando R$ 53,5 milhões que estão sob sua jurisdição.
O Ministério da Integração, liderado pelo ministro Waldez Góes, confirmou que liberará os recursos para as mesmas obras e municípios indicados pelos parlamentares no passado e que já tiveram fundos liberados (comprometidos, no jargão técnico).
A pasta defendeu o pagamento como forma de “cumprir os compromissos assumidos pela União, especialmente em relação às obras em andamento e retomada das paralisadas”.
Waldez Góes é apadrinhado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos interessados na liberação dos recursos. Com apenas uma emenda, Alcolumbre destinou R$ 95,8 milhões do orçamento secreto para pavimentação no município de Santana (AP), seu reduto eleitoral, em 2020.
Questionado, o ministério forneceu dois links que supostamente dariam transparência à execução dos recursos. No entanto, nenhuma das páginas da web oferece informações com o nome dos parlamentares beneficiados. O Ministério das Cidades, por sua vez, não respondeu às perguntas da reportagem.
Márcio Bittar (União Brasil-AC), senador de orientação bolsonarista e opositor feroz do PT, é o autor da emenda do orçamento secreto de maior valor que ainda não foi paga. São R$ 126,4 milhões para pavimentação de rodovias no Acre.
A Secretaria de Relações Institucionais, sob a liderança de Alexandre Padilha, afirmou que, ao declarar o orçamento secreto inconstitucional, o STF autorizou a execução das verbas “conforme orientação dos ministros de Estado titulares das pastas contempladas pelos recursos, desde que de acordo com os critérios estabelecidos para as políticas públicas de cada órgão”.
No entanto, o ministério não divulgou qualquer instrumento para tornar público as negociações políticas, mesmo depois de ter prometido transparência.
Foto: Arquivo
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