A nova Lei de Abuso de Autoridade aprovada pelo Congresso Nacional impõe regras detalhadas e mais rígidas sobre excessos cometidos por autoridades. O tema é controverso, há quem defenda uma lei mais dura e entenda que a legislação anterior, de 1965, estava desatualizada. Outra parte afirma que a nova lei amordaça a magistratura e significa uma represália ao combate à corrupção e à Operação Lava Jato.
O deputado maringaense Ricardo Barros (PP) foi o relator da proposta na Câmara dos Deputados. Ele defendeu a necessidade do texto e lutou pela derrubada dos vetos presidenciais. Em entrevista ao UOL, o deputado disse que a Lava Jato cerceava direitos e criticou a pressão do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e da equipe de Deltan Dallagnol para excluir itens da lei.
A Lei de Abuso de Autoridade se aplica a servidores civis e militares e integrantes do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas. A depender do caso, são previstas punições como prestação de serviço, multa, prisão de três meses a quatro anos e, em casos de reincidência, afastamento temporário e perda do cargo.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nova lei. Em Maringá, o Judiciário também tem se mobilizado contra a legislação. Segundo os juízes ouvidos pelo Maringá Post, o principal problema da lei é a falta de clareza do texto, os chamados “tipos penais abertos”.
“A magistratura não teme punição por eventuais excessos. Pelo contrário, acreditamos que todos aqueles que cometam ilegalidades no exercício de suas atribuições devem, sim, ser punidos. O problema é que a lei, como foi feita, cria um enorme campo de discricionariedade e permite que partes incomodadas com a ação firme de um juiz se utilizem da lei para tentar afastá-lo do processo em prejuízo à parte adversa e a toda sociedade, além de conter dispositivos que, claramente, visam tornar mais demorada e ineficiente a atuação firme do Poder Judiciário”, diz a juíza titular da 2ª Vara da Família, Carmen Lúcia Rodrigues Ramajo.
De acordo com os juízes, a redação da lei apresenta termos considerados imprecisos como “injustificadamente” e “manifestamente em desconformidade com as hipóteses legais”, que geram dúvidas e trazem um cenário de insegurança e fragilidade para o judiciário.
Um desses casos apontados pelos juízes está no artigo 30 da lei. O texto diz que a autoridade não pode “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. No entanto, não explica o que seria “justa causa fundamentada”.
“O que ocorrerá é que até o deslinde do processo o magistrado ficará premido em sua atuação, acuado, sem a devida liberdade para trabalhar, sob a sempre existente possibilidade de passar a ser acusado de ter perpetrado um crime. Em suma, não terão tranquilidade para exercer suas funções constitucionais”, afirma o juiz de Direito Titular da 2º Vara da Fazenda Pública de Maringá, Nicola Frascati Junior.
Segundo Frascati Junior, além dos vazios penais, a nova legislação desfia o desejo popular. Ele lembra que a proposta surgiu das “10 medidas de combate à corrupção” organizadas pela sociedade e que foram analisadas pelos deputados na madrugada de 30 de novembro de 2016, em meio à queda do avião que levava a equipe de futebol da Chapeconese.
“O poder soberano é do povo, o qual foi ignorado pelos parlamentares, ante o desrespeito à sua vontade suprema, materializada pelo desrespeito ao pleito legislativo de iniciativa popular”, afirma Frascati.
A juíza titular da 2ª Vara da Família, Carmen Lúcia Rodrigues Ramajo, diz que não é apenas o Judiciário que tem questionado a lei. ”A população em geral não concorda com essa lei, tanto que foram promovidos diversos movimentos sociais em agosto deste ano que levaram ao veto de vários dispositivos, vetos esses que, infelizmente, foram derrubados pelo Congresso”.
Para juiz, lei é reação à Operação Lava Jato
Os juízes ouvidos pela reportagem concordam que são necessários instrumentos que possam punir eventuais abusos de autoridades. No entanto, para alguns, não é necessário uma nova lei, apenas a legislação de 1965 é suficiente.
“Certamente é importante haver legislação para coibir e punir excessos de autoridades, mas na minha opinião as regras existentes antes da nova lei eram suficientes. Bastava que fossem devidamente aplicadas”, afirma o juiz de direito substituto das Varas de Família, Infância e Juventude e Registros Públicos, Robespierre Foureaux Alves.
Segundo ele, as novas regras são uma represália ao combate à corrupção e à Operação Lava Jato. “As regras são claramente uma reação do Poder Legislativo federal à atuação da Operação Lava Jato e outras operações que desbarataram organizações criminosas e vêm conseguindo responsabilizar pessoas que antes não eram alcançadas pelo rigor da lei como deveriam”.
Para o juiz de Direito Titular da 2º Vara da Fazenda Pública de Maringá, Nicola Frascati, causa estranheza os motivos que levaram a atualização da lei.
“Será que a nova lei foi aprovada como forma de represália aos agentes públicos que desencadearam a denominada “Operação Lava-Jato”, tendo em vista que parte dos políticos brasileiros passaram a responder por suas condutas ilícitas? Essa é a pergunta que deveria ser respondida para a população brasileira, que, conforme foi visto em diversas manifestações populares, demonstra ter atingido o limite de tolerância à corrupção desenfreada que assola o país”.
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