Nunca escrevi sobre o assunto, embora há quase 18 anos, de tempos em tempos, novos fatos levem o tema a ocupar relevante espaço no noticiário regional, como ocorreu na última semana. Por questões éticas profissionais e emocionais, evitei até aqui.
A condenação a 11 anos de prisão em regime fechado por homicídio para o “administrador de empresas” Mauro Janene Costa, em júri realizado na quinta-feira, 22 de março, em Ponta Grossa, de algum modo me autorizou e me convenceu a contar essa história, da qual também faço parte.
Um detalhe que o condenado não disse ao se apresentar ao júri, a 375 km da cidade onde o crime ocorreu, é que ele é administrador das fazendas da própria família. Também afirmou que tem um salário mensal de R$ 8,2 mil.
Para a família e amigos, tudo começou na madrugada de um longínquo, porém eterno, sábado de outubro de 2000. Precisamente no dia 14, em um edifício de nome pomposo situado em região nobre no centro de Londrina, quando a professora de música Maria Estela Correa Pacheco, 35 anos, morreu de forma violenta.
Fui casado com Estela até 1989 e tivemos uma filha, Laila Pacheco Menechino, que tinha 14 anos quando ficou órfã de mãe. Naquele dia trágico, aproveitando a semana de folga no Colégio Londrinense, Laila estava com os primos em Adamantina (SP), na casa de uma das minhas irmãs.
Quando a tia lhe chamou e disse que precisavam ir para Londrina, por um daqueles sentimentos que as vezes nos tomam e a gente não consegue explicar, ela já sabia que algo muito sério havia ocorrido com a mãe.
Reconhecimento de uma mulher bonita
O telefone tocou no pequeno apartamento com escada caracol e dois quartos onde minha filha e eu morávamos, entre o Moringão e o Colégio Vicente Rijo. Sonolento, alcancei o aparelho no criado-mudo e ouvi uma pessoa em prantos.
Era Maria Elisa Correa Pacheco, minha ex-cunhada:
– Téle, a Estela está no IML.
A ficha não caiu:
– Em que hospital ela está? É grave?
A Isa, como a chamamos, respondeu:
– A Estela morreu, Téle, minha irmã está morta.
Despertei dando um salto da cama:
– Como? Do quê? Meu deus…
Ela respondeu que estavam dizendo que Estela havia caído de um prédio e pediu, desesperada, para eu ir até o Instituto Médico Legal fazer o reconhecimento.
Saí acelerando, como se um ou dois minutos naquele momento fizessem diferença entre a vida e a morte.
Cheguei no IML por volta das 7h e não havia ninguém na recepção.
Fiz barulho com a chave do carro no vidro do guichê e ninguém veio. Percebi movimento em uma sala ao lado e bati. Uma, duas vezes e uma senhora abriu a janelinha da porta e perguntou o que eu queria:
– Vim reconhecer um corpo que chegou hoje de manhã.
– É o de uma mulher bonita? Loira?
Tremi. Para mim, foi a confirmação. Gaguejei um “sim” e ela disse para aguardar um pouco porque estavam limpando o corpo.
Logo – para mim foram horas – retornou, abriu a porta e pediu que a acompanhasse. Perguntou o meu grau de parentesco com a vítima, endereço, profissão e sei lá mais o quê.
Estela estava em uma fria mesa de inox, coberta por um pano branco. Me aproximei e a funcionária do IML puxou o lençol, de modo que eu pudesse ver apenas o rosto.
– Sim, é ela, minha ex-mulher, mãe da minha filha.
Nos segundos que se passaram entre a exposição do rosto e o “sim”, impossível dizer quantos, notei respingos de sangue seco no couro cabeludo.
A funcionária do instituto recusou meu pedido para descobrir o corpo todo. Pedi porque havia reparado, mesmo sob o lençol, que a parte inferior da perna direita estava desalinhada, meio de lado.
Ela justificou a negativa dizendo que o corpo estava nu.
Depois de assinar os documentos legais e ser informado que o corpo só seria liberado depois que o médico-legista o examinasse, tentei, em vão, obter algumas informações.
Do IML, fui à 10ª SDP, que fica em prédio anexo, mas com entrada por outra rua, a Sergipe. Queria conversar com algum delegado ou escrivão que desse explicações.
O fato é que até hoje, 18 anos depois, ainda restam muitas dúvidas.
Primeira versão da defesa foi de suicídio
Ao dobrar a esquina vi, na calçada em frente à subdivisão policial, um grupo de repórteres entrevistando o famoso criminalista Mauro Viotto, falecido uma década e meia depois de assumir o caso que veio a se tornar um dos mais rumorosos de Londrina.
Desconfiei que se tratava de algo relacionado à morte de Estela e, se assim fosse, gente importante estaria envolvida. Viotto não era advogado de porta de cadeia.
Um de seus mais conhecidos clientes era o então todo poderoso deputado federal José Janene (PP), primo do condenado e que tinha forte e evidente influência em órgãos públicos municipais, estaduais e federais na cidade.
Aproximei e, estarrecido, ouvi Viotto afirmar que “uma garota de programa não identificada pulou da sacada do apartamento do meu cliente”.
Sem citar nomes, acrescentou que “o rapaz” havia prestado esclarecimentos ao delegado e “sido imediatamente liberado”.
Meu sangue ferveu:
– Como? Uma garota de programa? O senhor preste atenção no que está falando sobre a mãe da minha filha.
Foi um tanque de água fria em um fósforo aceso.
A Estela? Perguntou um dos repórteres que nas manhãs de sábado compareciam à delegacia, bem cedo, antes das trocas de plantão. Os policiais que passam os finais de semana nas delegacias costumam ter muito trabalho durante a madrugada.
Não me lembro quem perguntou – ao que respondi “sim, a Estela” -, mas com certeza conhecia quase todos ali, alguns inclusive tinham estudado Jornalismo na UEL com a Estela, curso que frequentou por três anos, antes de optar por Música. Rodrigo Parra e Niceia Lopes eram dois deles.
A coletiva acabou aí e, à exceção das rádios que estavam ao vivo, nenhum outro veículo importante noticiou o caso nos dias seguintes – mesmo porque a versão era de suicídio, o que não costuma ser divulgado.
Soube então que Estela, depois de se divertir com amigas no Bar Valentino, à época um ícone alternativo da cidade, tinha ido com Mauro Janene para o apartamento onde ele morava com a mãe e a irmã, no 12º andar do Edifício Diplomada, na Rua Paranaguá, de onde saiu morta.
A antiga funcionária doméstica da família contou em depoimento, constante no processo, que ao chegar no trabalho naquela manhã, encontrou Mauro Janene na portaria do prédio, que lhe disse:
– Olha só M., a moça se apinchou lá de cima.
História precipitada e sem fundamentos críveis
Para quem a conhecia, a versão de suicídio não colava, um absurdo para aquela mulher cheia de vida e planos para o futuro.
Estela estava empolgada com a formatura na UEL, que seria dali a pouco mais de dois meses. Havia acabado de gravar um CD e estava iniciando a sua divulgação.
Se organizava para viver um tempo no exterior, onde pretendia ampliar os conhecimentos musicais, voltados às aulas de musicalização para crianças portadoras de deficiências mentais. Era formada em piano pelo Colégio Mãe de Deus, desde a juventude.
Trabalho esse que, de forma pioneira, desenvolveu por muitos anos na Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) – no início, inclusive, de forma voluntária. A ideia era ampliar essa ação também para idosos.
Nas primeiras duas semanas após o crime, período fundamental às investigações de homicídio, o inquérito policial ficou literalmente engavetado.
As primeiras providências importantes só começaram a ocorrer 17 dias depois do óbito, com o afastamento do delegado titular. Aí vieram a prisão temporária por cinco dias do então suspeito e a exumação do corpo, para nova necropsia.
Quem já acompanhou a exumação do corpo de uma pessoa próxima sabe que a cena sempre permanece viva.
O laudo dos peritos da Criminalística desmontou a tese de suicídio. A distância entre o prédio e o local onde o corpo foi encontrado era pequena, incompatível com a versão. O impulso do salto o levaria, necessariamente, para mais longe.
Mostrou também que Estela, em algum momento da queda, sofreu um desvio de rota. Ou bateu a perna direita em alguma sacada próxima ao 12º andar ou na mureta que cerca a piscina do prédio, no térreo, causando fraturas expostas na tíbia e na fíbula.
Como a versão de suicídio não se sustentou, com o passar do tempo e os resultados dos laudos, outras duas histórias foram apresentadas pela defesa. Ambas consideravam queda acidental, mas em circunstâncias e com mecânicas diferentes.
No terceiro dia da prisão temporária em 2000, única vez que o agora condenado ficou atrás das grades, foi feita uma reconstituição do crime, com testes de várias hipóteses.
A versão incluída no processo e considerada verdadeira pelo condenado durante o julgamento, apresentou incongruências, conforme sustentou o promotor. Ao ser interrogado, Mauro Janene chegou a dizer que Estela estava “gracejoza” e que “caiu sorrindo”.
Denúncia demorou mais de um ano
Apenas em novembro de 2001 foi apresentada a denúncia, de homicídio simples, obstrução processual e porte e uso de maconha. E demorou anos para ser marcado o primeiro julgamento.
A partir de então júris foram marcados, cancelados e remarcados sete vezes. A cada uma das situações, minha filha Laila era tomada por um misto de sentimentos que, se por um lado, alimentava angústia, ansiedade, dor e tristeza, por outro a fortalecia na luta por justiça.
Assim, se passaram quase 18 anos: uma hora o cancelamento se dava em virtude do estado de saúde dos advogados da defesa, Viotto até 2015 e, posteriormente, da sua aprendiz Gabriela Roberta Silva, que fez o júri em Ponta Grossa.
Em outras, foram os compromissos já agendados pelos advogados ou a não localização e intimação do legislata do IML à época, que se desligou do Estado e atualmente mora na China.
O processo tem 14 volumes, no entanto 13 deles são compostos basicamente por petições e recursos às três instâncias judiciais. A estratégia de postergação da defesa com incontáveis e evidentes manobras jurídicas, levaram às suspensões e ao desaforamento do julgamento.
O envio do processo para Ponta Grossa se deu a pedido da defesa, que alegou falta de segurança para o réu, já que a família e amigos da vítima liderados por Laila, teriam causado uma comoção popular na cidade e levado a imprensa a condenar Mauro Janene por antecipação.
Afirmou ainda que o sobrenome do réu, por ser o mesmo do deputado que protagonizou o maior escândalo de corrupção da história contemporânea brasileira, revelado pela Operação Lava Jato, seria prejudicial ao réu.
A única verdade que vejo nisso, embora me considere legitimamente suspeito, é que Laila é mesmo uma guerreira admirável, de brio ético e competência ímpares, que chamou para si responsabilidade de honrar a memória da mãe e buscar justiça.
Jornalista, advogada e indignada com a falta de respostas, Laila – e ninguém da família -jamais pediu que Mauro Janene fosse condenado. Implorou, sim, para que fosse julgado.
Mas é fácil de entender. Tentaram, de todas as formas, alcançar a prescrição, que se daria em pouco mais de dois anos. Agora, não mais.
Dor e indignação em mais da metade da vida
Segue o texto feito por Laila a pedido do El País, sobre a angústia que carregava desde a adolescência, dias antes do julgamento que condenou Mauro Janene:
“Mãe, quanta saudade! Todo dia sinto tanto por você não estar aqui. Tenho saudade até do futuro que não existiu. Queria muito que pudesse se alegrar ao brincar com seu neto. Ele tem 1 ano e nove meses e a cor de seus olhos. E ele vai ter uma irmã, que está a caminho.
Mas, mãe, muitos sentimentos se misturam à saudade. Não posso curti-la em paz. Mal escrevo sobre você e mais uma vez, aquele nó na garganta, dor no estômago, falta de ar.
Sua vida acabou aos 35. Não há como voltar atrás. Foi com tanta dor.
Tornei-me a filha da professora que foi jogada do prédio e que o réu sempre escapa impune. De tempos em tempos dou entrevistas. Vez ou outra apareço aos prantos na TV porque adiaram novamente o julgamento do cara acusado de te matar.
Mãe, faz 18 anos e a ferida não cicatriza a toda vez que se aproxima a data marcada para o Júri (adiado sete vezes, será que agora vai?). Principalmente a cada vez que fico sabendo de mais uma manobra cínica de advogados e questionáveis deferimentos de desembargadores.
Ter que sempre encarar essa página triste traz à tona os piores pesadelos, as horríveis hipóteses prováveis da tal causa mortis.
Afinal, o que aconteceu naquela madrugada? Como foi que você morreu? Foi asfixiada? Foi em uma luta, levou uma pancada na cabeça? Sentiu a queda do 12º andar?
Mãe, por que você estava lá com aquele homem?
Mas mãe, mãe não era pra proteger a gente?
Desculpe, mãe, não vou te julgar e não se preocupe comigo. Agradeço pelo tempo em que estivemos juntas e vibro com nossas boas lembranças. Defenderei a causa com persistência e te amarei até o fim.
É que no fundo no fundo me maltrato e até em você coloco a culpa. Sinto por não ter te protegido.
A culpa não é sua, mãe. É do processo. 18 anos e nada, mãe?
Todo o idealismo herdado, tá difícil manter. Como ter esperança e acreditar na Justiça?
Acostumei-me a como um papagaio repetir palavras de crença na Justiça. De verdade, começo a achar que são mentiras. A injustiça tá aí e acontece todos os dias. É bom se acostumar? E não fica quieto, pra ver!O que eu sinto mesmo é revolta, indignação, impotência, frustração, vergonha. Ai que vontade de xingar.
Vamos a Ponta Grossa por um fim nisso tudo? Questiono, profundamente, e depois do julgamento, qual vai ser?
Tenho muito, muito medo de perder mais alguém que amo. Já perdi você”.
Morte de juiz, na véspera, causa apreensão
Chegamos em Ponta Grossa na quarta-feira, 21, um dia antes do júri. Viajamos em dois carros, seis adultos e Caetaninho. Laila não passou bem. Imagino que por uma soma de fatores: tensão, gravidez de três meses e as curvas da serra que separa o terceiro planalto paranaense dos campos gerais.
Ainda no saguão do hotel fazendo o check-in, Laila recebeu uma mensagem por Whatsapp de um dos muitos colegas da imprensa – por sinal, equipes de Londrina foram a Ponta Grossa. E a informação gerou mais apreensão.
O juiz André Luiz Schafranski foi encontrado morto em sua residência e o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Renato Braga Bettega, decretou luto oficial de três dias na Comarca de Ponta Grossa e suspendeu o expediente forense.
Pronto! Só faltava essa: o júri ser adiado pela oitava vez por um motivo, desta vez, infelizmente, alheio ao processo.
Mas não, apesar da proximidade pessoal do juiz Luiz Carlos Fortes Bittencourt com o amigo falecido, o júri foi mantido e confirmado por meio de uma nota da assessoria de comunicação do TJ do Paraná.
Júri com uma informante e três testemunhas
As cadeiras do Tribunal de Júri Dr. Braga Ramos destinadas ao público estiveram praticamente vazias durante a sessão, que começou às 8h30 e terminou às 23h45, tendo um intervalo de 40 minutos para o almoço.
Além de familiares do réu e da vítima, a imprensa e alguns alunos de Direito acompanharam o julgamento.
A acusação contou com apenas uma informante, a irmã da Estela, e uma testemunha. O desaforamento desobriga o comparecimento das testemunhas.
Isa descreveu a caçula da família como uma mulher independente, empoderada e feliz. E a testemunha contou que dias antes da morte de Estela, deu carona para ela, da Igreja Messiânica para a Apae.
Notou que Estela, apesar dos grandes óculos escuros, apresentava hematomas no rosto e outras partes do corpo. Perguntou e ela contou que tinha sido Mauro Janene, durante uma relação intima.
O depoimento dela somou-se às declarações dadas em juízo de outra testemunha, que não compareceu ao júri. Essa também havia sido agredida pelo condenado, nas mesmas circunstâncias. “Ele é violento e sádico”, afirmou.
A tese da acusação, amparada nos laudos periciais oficiais, foi sustentada pelo promotor Almir Carreiro Jorge Santos e pelo advogado assistente de acusação Marcos Ticianelli.
Para o Ministério Público, Estela estava morta quando o corpo foi jogado por Mauro Janene da sacada do 12º andar do prédio onde morava. Assim indicou o laudo do IML, que, no entanto, não indicou a causa da morte.
Para contrapor os laudos oficiais, ainda em 2004, Viotto contratou pareceres de dois peritos particulares, o criminal Jaime Casteroti Júnior e o médico-legista Francisco Aparecido, que no julgamento falaram por mais de três horas.
Em síntese, tentaram desqualificar os laudos oficiais. Casteroti falou por cerca de 45 minutos, sempre de frente para as sete mulheres do júri, enquanto o réu permanecia de cabeça baixa. Mostrou-se mais confiante e ergueu a cabeça após ser interrogado.
Depois, falou o médico-legista por mais de duas horas, em enfadonho tom professoral. Os dois seguiram um roteiro pré-estabelecido com a advogada de defesa, Gabriela Roberta Silva, que os pedia para reexplicar o que haviam acabado de dizer.
Tive a impressão que, mais do que fazer os jurados entender, a intenção era a de convencer por cansaço.
Questionaram falta de informações nos laudos da Criminalística e do IML, explicaram o que era equimose, decúbito dorsal e ventral, além de outros conceitos científicos.
Também criticaram os peritos oficiais, que diga-se, não submeteram Mauro Janene a nenhum exame de corpo de delito ou toxicológico.
Na vítima sim, encontraram vestígios de uso de maconha e uma quantidade de álcool que, segundo o doutor Francisco, caracterizava “estado de embriaguez com ressalvas”.
Tampouco realizaram buscas químicas por sangue no apartamento, na mureta do prédio ou nas sacadas abaixo do 12º andar.
Antes dos debates entre acusação e defesa, o réu foi interrogado. Disse que ao chegarem do Bar Valentino, os dois fumaram um baseado na sacada, Estela sentou no chão e ficou apreciando a vista. Ele entrou e sentou no sofá da sala.
(No processo consta a declaração em juízo de uma testemunha que, no Valentino, Janene chegou a ficar bravo com Estela).
O réu disse que a intenção era ir rapidamente para a cama e que Estela, “gracejosa”, pediu para ele pegá-la no colo. Ele afirmou ter se abaixado, segurado nas duas canelas dela, cada uma com uma mão, e a levantado, pressionando as costas dela contra o peito dele.
No entanto, ao ao invés de girar em direção à porta de acesso ao interior do apartamento, já que sua intenção era ir para o quarto, girou em direção ao parapeito da sacada. Estela ficou com parte do corpo para fora da sacada.
– De repente, ela escorregou por entre os meus braços. Eu a segurei pelo braço, pedi para apoiar o pé na base da sacada, do lado de fora, para que eu pudesse resgatá-la. Tentei passar meu braço esquerdo sob a axila direita dela, mas não consegui e ela caiu.
Na versão do réu, Estela não esboçou nenhuma tentativa de reação para retornar para a sacada e sorriu o tempo tempo. Não se ouviu, pelo menos ninguém disse ter ouvido, nenhum grito ecoar naquela madrugada.
O promotor mostrou foto por foto dessa versão adotada pela defesa, feitas durante a reconstituição, e Mauro Janene afirmou ter acontecido exatamente daquela forma.
O promotor Almir Santos quis saber:
– Porque você não girou para a direita e sim para a esquerda?
– Para apreciar a paisagem.
– Mas você disse que estava com pressa e que saiu do sofá para levá-la para a cama.
Depois mostrou que, na reconstituição, Mauro Janene não conseguiu fazer o movimento que disse ter feito nenhuma vez, apesar das várias tentativas.
Ele não teve força nem altura suficientes para, segurando uma pessoa pelas canelas, com as costas apoiadas no seu peito, colocar parte do corpo dela para fora da sacada, por cima do parapeito.
O promotor acrescentou:
– Em juízo o senhor disse que não fumou naquela madrugada e que a maconha encontrada em seu quarto era antiga, do tempo que ainda fumava. Agora que o crime por porte e uso de maconha prescreveu, aliás, nem é crime mais, o senhor diz que fumou. Inicialmente o senhor disse que Estela tinha pulado, agora diz que a queda foi acidental. Concluo aqui que a palavra do réu não vale nada.
A defesa retomou os argumentos dos peritos contratados, apontando lacunas nos laudos oficiais e as dúvidas e incertezas que suscitam. Falou sobre a dor da família do réu e pediu, senão a absolvição de Mauro Janene, ao menos que os jurados considerassem que ele não teve intenção de matar.
Não convenceu. Os jurados condenaram o réu por homicídio simples e o juiz Luiz Carlos Fortes Bittencourt fixou a pena em 6 anos de prisão em regime fechado, aumentada em mais 5 anos devido às circunstâncias. Total: 11 anos.
Também deverá manter endereço fixo, se apresentar mensalmente em juízo e está proibido de deixar a cidade onde reside, Cambé.
Ainda cabem recursos. A defesa filmou todo o julgamento, mantendo uma câmera fixa no fundo do tribunal e, a julgar pela prática em mais de 17 anos, tende a pedir a nulidade do júri no TJ-PR.
A prisão efetivamente só poderá ocorrer após decisão de segunda instância.
Laila reencontra a paz e agradece o apoio
Na tarde do último domingo, Laila distribuiu pelas redes sociais uma nota de agradecimento às pessoas que estiveram com ela durante a jornada de luta por justiça para Estela.
De minha parte, sobre os últimos 18 anos, posso resumir que nunca esqueci aquele telefonema, o reconhecimento do corpo e todo esforço para fazer a minha filha feliz.
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