A assinatura “Desenvolvendo campeões” que os Jogos da Juventude carregam é mais que um lema. Em busca da excelência e de processos que sustentem a formação de atletas de alto rendimento no país, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) montou no Centro de Convenções de Aracaju, em paralelo às competições, o Centro de Avaliação e Monitoramento. O local recebe os mais de 4.000 atletas do evento diariamente para um mapeamento sem precedentes.
“No COB nós sempre entendemos que nos Jogos da Juventude passam atletas medalhistas olímpicos, campeões mundiais e isso é um dado bastante positivo. Nós queremos ir além e entender como esses atletas são quando têm 15, 16 anos de idade”, explica Kenji Saito, diretor de Desenvolvimento e Ciências do Esporte do COB.
O objetivo do Centro de Avaliação e Monitoramento é começar a mapear esses atletas num estágio ainda mais inicial do que historicamente tem sido feito. Como conta Kenji, “num momento em que eles estão começando no caminho olímpico, no esporte de rendimento para junto das confederações trabalharmos”. Assim, é possível monitorarmos esses jovens por anos. “Até eles chegarem a integrar uma seleção olímpica e representar o nosso país em grandes Jogos multiesportivos internacionais”, espera o diretor do COB.
Para Felipe Lucero, Supervisor de Ciência e Tecnologia Esportiva do COB, esta é uma necessidade dos nossos tempos.
“Este trabalho é fundamental para que no futuro a gente tenha mais campeões olímpicos, medalhas e campeões mundiais. Hoje em dia não se pode desvencilhar o treinamento da tecnologia, da análise de dados, da estrutura de banco de dados para melhorar os treinos”, diz.
A intenção é coletar uma série de dados em relação aos atletas em idade escolar para começar a catalogar perfis dos atletas brasileiros tanto considerando diferentes modalidades como num corte por estados.
“Com isso podemos gerar números que, usados ao longo de anos, permitam um estudo melhor do desenvolvimento do esporte a partir da escola. Muitas vezes o atleta de alto rendimento é altamente avaliado em vários aspectos minuciosamente e a gente não tem os registros anteriores dele quando ainda era um adolescente e estava em desenvolvimento”, acrescenta Lucero.
Este rastreio, quando estabelecido, permitirá diferentes abordagens, ainda de acordo com Lucero. “A gente pode olhar isso com o tempo para frente e para trás. Quando virmos quem chegou no pódio, poderemos selecionar os dados deste medalhista aos 16 anos, por exemplo, e comparar com jovens atletas que estejam nesta idade. Se identificarmos alguém com marcadores semelhantes, já será possível direcioná-lo de forma mais adequada para seu futuro esportivo.”
Para isso, é conveniente aproveitar a presença dos melhores atletas jovens do país em um mesmo local para o desenvolvimento do projeto. Assim, a estrutura montada em Aracaju faz uso de equipamento que está à disposição dos atletas profissionais na sede do COB.
“Os materiais utilizados são do Laboratório Olímpico, trouxemos do Rio de Janeiro para Sergipe. Temos aqui uma equipe de 10 especialistas do laboratório entre preparadores físicos, fisioterapeutas, pessoas de análise de desempenho e de dados”, enumera. Tudo isso para aproveitar a chance de ouro. “A amostra nos Jogos da Juventude é ótima. São os principais atletas que temos nesta idade escolar nas seleções de base. Por consequência, este é o melhor parâmetro para produzir algum tipo de estudo e entendimento de como isto está se desenvolvendo no Brasil”, prossegue Lucero.
No entanto, há um grande cuidado no que diz respeito ao que está sendo aplicado e como esta coleta de dados é feita. “É um conjunto de testes motores e físicos genéricos. Simples. Nada específico para nenhuma modalidade. Não estamos reinventando a roda. Apenas desenhamos um processo prático e eficiente de avaliação que pode ser reproduzido pelos treinadores na sua vida diária. Assim, ao longo do tempo eles também mandar atualizações de resultados para continuarmos o acompanhamento. Produzimos um documento que está disponível a todos os treinadores e professores para levar para sua cidade”, destaca o especialista.
Não apenas docentes e técnicos são bem-vindos. A ideia é abastecer toda a cadeia do esporte brasileiro. “Todas as confederações que solicitarem vão receber essas informações. Algumas já pediram e vamos enviar assim que tivermos os dados tratados”, informa Felipe.
É mais uma ferramenta em busca da excelência. Mas que, no caso brasileiro, tem uma peculiaridade. “A gente sabe que o esporte é uma coisa que não tem muita lógica. Não é uma receita de bolo. Com isso vão ter surpresas positivas e negativas, mas o importante é organizar os dados, coletar, analisar, acompanhar, monitorar realmente esses atletas nas suas carreiras para a gente cada vez ter uma estrutura mais forte de informação e de comparação dentro do Brasil”, diz Lucero.
Porque mesmo que a literatura esportiva mundial tenha descrição de aspectos diferentes que podem servir de base para o fomento ao esporte, o Brasil nem sempre consegue se beneficiar totalmente disso. “Nosso país é muito miscigenado. Não temos um perfil genético dominante. Nossos padrões, mesmo dos nossos campeões, fogem muito do que se vê em outros países. Temos fenômenos só nossos. Este é um interesse muito grande nosso: achar estes perfis. Não há mapeamento no Brasil deste tipo de coisa”, esclarece o supervisor do COB.
Como exemplo ele cita Darlan Romani, destaque brasileiro no arremesso do peso. “Se ele tivesse nascido em algum país europeu, é provável que jamais tivesse sido instigado a tentar o arremesso do peso, porque ele tem uma estatura menor que a média de atletas desta modalidade”, aponta. Ou ainda Letícia Oro Melo, que conquistou medalha de bronze no Mundial de Atletismo no salto em distância. “Ela não tem pernas tão longas como é comum vermos. Se fossem aplicar os padrões de outros países, ninguém jamais teria incentivado a Letícia a fazer salto em distância”.
Por isso a miscigenação brasileira é um desafio, mas também um trunfo neste mapeamento. “Considerando nossa realidade, temos que ter uma amostragem muito grande durante muito tempo para identificar padrões. Aqui em Aracaju queremos avaliar todos os mais 4 mil atletas, mas temos que fazer isso por no mínimo 10 anos”.
Vai ser trabalhoso e, sim, talvez demorado. Mas o que o Comitê Olímpico do Brasil vislumbra é algo bem consistente. “Este tipo de ação demonstra o interesse do COB com as futuras gerações. Ao monitorar desde cedo este atleta a gente consegue, com tempo e no longo prazo, ter uma medida muito mais próxima deste desenvolvimento e isso servirá de base para as futuras gerações terem uma métrica de comparação”, diz Lucero. E quando isso acontecer ele projeta processos rápidos na busca por bons resultados. “Quando entendermos nossa realidade e aprendermos melhor sobre os nossos perfis, vai ser bem mais fácil de perceber nossos jovens que são fora da curva cada vez mais cedo e dar a eles todas as ferramentas para eles chegarem mais e mais longe em seus resultados”, finaliza Felipe Lucero.
(Texto: COB. Foto: Alexandre Loureiro/COB)