Mulheres empreendedoras driblam a pandemia e reinventam os negócios

O momento crítico evidenciou um problema antigo e cultural: a desigualdade de gênero e a sobrecarga das mulheres

  • Há mais de um ano, a pandemia tem afetado diretamente a vida dos brasileiros. Mas para as mulheres, o momento de dificuldade serviu para que elas se reinventassem. De acordo com a Pesquisa de Impacto da Pandemia nos Pequenos Negócios, realizada pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), 71% das mulheres empreendedoras inovaram durante os dias de isolamento para manter as vendas. Entre os homens, esse índice ficou em 63%.

    Mas engana-se quem pensa que tudo foi fácil para elas. O momento crítico evidenciou um problema antigo e cultural: a desigualdade de gênero e a sobrecarga das mulheres. Ainda vistas como as responsáveis pelos cuidados dos filhos e da casa, cabe a elas dedicar mais de 40 horas por semana ao próprio negócio, assumindo uma jornada tripla de atividades, com os filhos em casa e a dedicação aos cuidados de familiares idosos, por exemplo.

    Segundo Rosineide Pereira, consultora do Sebrae, os obstáculos não param por aí. “As mulheres ainda se deparam com as cobranças para não negligenciarem os cuidados com a própria saúde e aparência física. Só que mesmo com tantos desafios, elas se sobressaem no mundo dos negócios e, como consequência, vem a sobrecarga física e emocional. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão atinge 150% mais as mulheres do que os homens”, diz.

    Para Iara Burg, a maternidade nunca foi um empecilho. Após 18 anos trabalhando como executiva no setor de automóveis, a maringaense decidiu investir no sonho de ser empreendedora. “Ser mulher nunca me impediu de fazer nada. Sou mãe, sempre fui provedora e líder na minha casa. Encontrei dificuldades, mas acreditei em mim e fui atrás daquilo que acreditava. Me orgulho de mim mesma”, afirma.

    E foi desse sonho que surgiu a Ibexx Eventos, fazendo com que Iara entrasse no mundo das mulheres empreendedoras. “Eu queria fazer algo pra mim, então abandonei a carreira de executiva para traçar meus caminhos, meus sonhos e meus propósitos.”

    A pandemia levou a empreendedora a se reinventar, investindo em eventos digitais e híbridos. “O único segmento que ainda não teve retomada foi o meu e não tenho expectativa de que aconteça este ano. Porém, chorar e lamentar não faz parte do meu perfil. Diante desse cenário, criei produtos e circunstâncias dentro do meu negócio para atender a atual situação.”

    Iara é proprietária da Ibexx Eventos / Arquivo pessoal

    Jovens e criativas

    Atualmente, 34% das empresas paranaenses são comandadas por mulheres e quase a metade delas tem no máximo 44 anos. Além da disposição, a habilidade feminina de assumir multitarefas é um dos segredos para que elas tenham sucesso nos negócios.

    A jovem Flavia Retamal é um exemplo disso. Formada em Relações Internacionais, mesmo durante a graduação nunca deixou de se interessar pela Gastronomia Inclusiva. E foi por um problema de saúde que ela descobriu uma nova profissão: a de empreendedora.

    “Em 2015 descobri que sou intolerante à lactose e tenho sensibilidade ao glúten. Foi um momento bem difícil, de muita frustração, pois era muito difícil me alimentar. Diante disso, comecei a aprender receitas novas, que se encaixassem na minha nova dieta, que se tornou mais restrita”, conta.

    O que tinha tudo para ser um problema se tornou oportunidade. Ao criar e adaptar receitas para intolerantes, alérgicos e veganos, Flavia notou um nicho de mercado próprio para ela e começou a vender seus produtos. “Na Páscoa de 2016 decidi fazer ovos adaptados para a alimentação de pessoas veganas e intolerantes. As demandas continuaram e então observei que esse era um mercado em potencial, com muita gente precisando desses produtos e poucos profissionais que ofereciam. Esse foi o incentivo que faltava para eu criar receitas, aprender mais e seguir nesse ramo. Então, em 2018, saí da cozinha de casa e inaugurei minha loja física”, afirma. Nascia aí a Lola Li Doceria.

    A abertura da loja foi e continua sendo um sucesso, mas a pandemia afetou a empreendedora. “Foi um dos únicos momentos em que pensei de verdade em desistir. Quando vi que a pandemia iria perdurar, fiquei sem saber o que fazer, desesperada. Coloquei os pés no chão e fiquei um mês repensando meu negócio, o que eu queria e qual seria o meu plano B. Infelizmente precisei assumir os riscos e seguir com tudo sozinha, deixando de lado as vendas presenciais. Consegui me reinventar e agora minha loja atende apenas nos sistemas de delivery e retirada.”

    Flavia é proprietária da Lola Li Doceria / Arquivo pessoal

    Trabalho de mulher

    A cada dia, as mulheres se destacam mais no mundo empresarial e mostram que vieram para ficar. Diante desse crescimento do empreendedorismo feminino e das necessidades específicas desse segmento, o Sebrae criou um projeto para estimular mulheres a empreender, gerar negócios e transformar realidades, o Sebrae DELAS.

    Rosineide Pereira, consultora da entidade, afirma que esse apoio especializado tem ajudado as mulheres empreendedoras a saírem da informalidade e liderarem seus projetos com muito mais confiança.

    “Nosso objetivo é apoiar e acelerar as pequenas empresas lideradas por mulheres empreendedoras que querem ser independentes, amam sua ideia de negócio, querem vender mais, aumentar seu lucro, conquistar novos clientes, fazer novos contatos para divulgar seu negócio e tornar seu sonho realidade.”

    Um apoio especializado e que entenda as demandas das mulheres que empreendem é fundamental. Para Flavia Retamal, essa ajuda foi crucial para lidar com a nova realidade. “Eu vivia 100% para o meu trabalho e isso era muito difícil, pois nós mulheres somos levadas a nos cobrarmos mais, exigirmos mais de nós, então é muito fácil acabarmos nos deixando de lado para vivermos em prol do nosso trabalho e família”, afirma.

    Porém, mesmo em meio aos desafios, a satisfação de obter sucesso como proprietária do próprio negócio fala mais alto. “Eu gosto muito de ser uma mulher empreendedora e fico muito feliz em ver que posso ser exemplo para outras mulheres criarem seus negócios. É emocionante.”

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