Gilmar Leal Santos é formado em engenharia civil e foi técnico da IBM por muitos anos. Veio para Maringá para assumir uma franquia de lanchonetes e, algum tempo depois, aproveitou uma oportunidade e deu início a uma das redes de cinema que mais cresce no Brasil.
Mais do que isso, Gilmar Santos é um apaixonado pelo basquete e um aventureiro na arte das palavras.
Em 2017, Gilmar lançou a tradução da obra “The Waste Land”, de T. S. Eliot. A versão traduzida é A Terra Árida, que contém um enriquecido material sobre o contexto da obra. Além disso, é ilustrado pelo artista plástico Paolo Ridolfi, seu amigo pessoal.
Em parceria com Cristiane Agostinho, o projeto Cartas Poéticas entrega uma obra inspirada em I-Ching, com aquarelas de Cristina e poemas de Gilmar, compondo de forma única cada uma das 64 cartas que transformam o livro num rico baralho de poesia e arte.
Na literatura, é onde Gilmar se sente mais desconfortável
Escrever, desenhar, pintar, compor, muitas vezes, é visto como algo distante e exclusivo aos “artistas puros”, que se expressam por sentirem um chamado natural e, nesse chamado, carregam suas vidas.
No meio literário moderno, contudo, essa visão se dissipa. Em entrevista com Luiz Ruffato em 2017, ele confessou ao Maringá Post ser um “operário”. Outros, como o também convidado da Flim 2017, Gonçalo Tavares prima por uma obra pragmática e altíssima escala de produção.
Gilmar afirma fazer por paixão e não por profissão. “Sou um amador, mas dedicado aos meus projetos. Meu editor muitas vezes discorda de mim, faço inúmeras revisões até ter algo que considero pronto”, contou.
Sendo amador, enfrenta resistência à divulgação do trabalho. “É um meio muito fechado, muito mesmo, e tem vezes que acaba sendo difícil ter um alcance maior sendo alguém que não vive exclusivamente de escrever”, afirma.
Durante o planejamento para A Terra Árida, ele contou que teve de unir seu lado negociador e artístico, quando negociou diretamente com a editora responsável pelos direitos de “The Waste Land”.
“Perguntavam tudo sobre o material que eu faria. Tive de mostrar muita coisa para conseguir negociar. Trabalhos anteriores e quais eram as minhas ideias. Além disso, também estranhavam o fato de eu ser empresário, escritor e negociar com eles”, conta.
“Não sou um tradutor, sou um facilitador”
Um dos poemas que marca a transição para o Modernismo, “The Waste Land”, de T. S. Eliot, é considerado uma das obras mais influentes e importantes da literatura mundial. Em seus 434 versos, o poema fala sobre a lenda da viagem de um cavaleiro do Graal às terras sem vida do Rei Pescador.
Para a língua portuguesa, já teve 8 versões traduzidas. A mais conhecida é de 1981, “A Terra Desolada”, de Ivan Junqueira, que tem reedições e notas do poeta. Em várias outras, os títulos se adaptavam entre “A Terra Devastada”, “A Terra Inútil”, “A Terra Desolada” e “A Terra sem Vida”.
Mesmo entre tantas opções, Gilmar não estava satisfeito com o que já existia e decidiu tomar para si a responsabilidade de uma nova tradução. “Gosto muito de algumas escolhas, mas faltava o principal para mim, que era a conexão com o que o Eliot queria dizer daquela história”.
O novo nome, “A Terra Árida”, foi dado por um motivo que vai além do simples diferente ao que já existe. Um capítulo da obra é dedicado a explicar os motivos da escolha.
A bela edição é produzida pela editora HMC, tem 256 páginas de papel especial, capa dura e uma rica composição gráfica com as ilustrações de Paolo Ridolfi, que transformam a obra num livro de mesa para ser admirado pela sua beleza.
Além da tradução e do poema original, há um prefácio escrito pelo doutor em Literatura Ademir Demarchi, a tradução das notas de Eliot, um minucioso trabalho de pesquisa que compõe as notas do tradutor, um capítulo dedicado à escolha do título e uma análise das vozes do poema.
“Não me considero um tradutor, mas sim um facilitador da leitura. Foi um trabalho complexo e que exigiu muita dedicação, mas que entrega além das palavras, uma contextualização e um enriquecimento da obra de um importantíssimo autor”, explica Gilmar sobre A Terra Árida.
A ousadia e importância do livro devem ganhar destaque e é recomendado a todos que queiram conhecer mais sobre a poesia moderna. Mais do que isso, é indicado a quem quer sentir a poesia em suas múltiplas manifestações. Nas palavras do idealizador, mais do que inspiração, um trabalho de “dedicação e revisão”.
Engenheiro, empresário e poeta
Gilmar Leal Santos nasceu em Apucarana, mas ainda jovem foi para Curitiba cursar Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde acabou seguindo o caminho da informática e trabalhou na IBM.
Definindo a si próprio como um “rato de manual”, ele confessa nunca ter entendido muito bem como sua vida saltou para ser empresário em Maringá, pois nunca se imaginou no comérico. “Tudo na minha vida não foi planejado”, confessa.
Numa oportunidade que surgiu e o desafiou, Gilmar veio para Maringá em 1996 para assumir uma franquia de lanchonetes fast-food. “Foi um grande desafio, nos meus dois primeiros anos minha dedicação era integralmente ao trabalho onde tinha investido tudo”, conta.
Em 1999, teve um vislumbre de um novo negócio com duas salas de cinema, que iniciaram uma rede da qual foi sócio até 2011, quando dissolveu a sociedade e abriu uma nova rede de cinemas. Ambas estão entre as que mais crescem no Brasil.
Sobre a rede de cinemas, ele explica que a separação em 2011 foi amigável e aconteceu por “pontos de vista diferentes”. E se diz heterodoxo.
Apesar da proximidade com as artes, ele garante que o cinema é um negócio e deve ser tratado como tal. “Como empresário, assumo responsabilidades com os funcionários e todo o serviço prestado. É uma promessa de marca, que também tem importância social, sendo um negócio”, explica.
Projetos, inspirações e idolatria a Manuel Bandeira
Quando descobriu a poesia, ainda na faculdade, Gilmar Leal Santos desenvolveu um senso próprio de enxergar e sentir a manifestação das palavras. “Acredito muito que a poesia é oralidade: não é só ler, mas sentir as palavras e o peso delas. Isso é um processo”, diz.
Como exemplo de inspiração, passa pela obra de Mia Couto, o qual considera de sensibilidade ímpar, mas é por Manuel Bandeira que se declara. “Ninguém cria uma conexão tão forte comigo igual tenho com alguma obra dele, mesmo que só em quatro versos. Há um ritmo, um estilo e um dom inigualáveis”, exalta.
Em todos os trabalhos, uma característica é comum – disciplina. “Me dedico muito quando escolho um novo projeto, mas sei passar bem de um para o outro. Cada lado meu é como se fosse uma persona diferente”, afirma.
Dentre suas inspirações e ações, Gilmar conclui ser medíocre. “Mas não no sentido pejorativo, e sim de alguém mediano. Fazendo tanta coisa, mesmo com muita dedicação, você não pode ser o melhor em nada. Não sou o melhor poeta, o melhor empresário ou o melhor jogador de basquete”, explica.
Isso, porém, é longe de ser uma característica ruim para ele. “Quem mexe com muita coisa tem uma certeza: tem muita história diferente para contar.”
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