Quem mora na Zona 5 de Maringá certamente já viu um senhor franzino de barba por fazer, bastão na mão e chapéu marrom caminhando com três cães, sempre sem guias, que não se afastam do dono, não passam à sua frente, não saem da calçada e param quando ele espera os carros passarem.
O menor deles, meio gordinho, já com pelos brancos ao redor do focinho, é o Sadam. É o mais velho e sossegado da pequena matilha. Devido à idade, 13 anos, caminha quase sempre no fim da fila. O mais forte e também o mais protetor, atende por Urso. Já o seu irmão, castanho, chama Nero. Todos foram adotados. “Acham que tenho cara de canil”.
O senhor dos cães da Zona 5, de 63 anos, nascido em Maringá, é de uma família de pioneiros, sitiantes, os Chiquetti, que quando aportaram por aqui pouco havia além de matas. E são sob as copas verdes do bairro que diariamente Renato caminha com seus cães ao cair da tarde: “Onde eu vou, eles vão”.
Quando o fim do dia chega, é hora de ir à padaria. E lá vai o quarteto. São seis quadras e os três aguardam na porta da Panificadora e Confeitaria Parati, na Teixeira Mendes, enquanto o dono entra para comprar pão quente. Um ou outro freguês, as vezes demonstra receio, mas os bichos nitidamente estão mais interessados no dono e não o perdem de vista.
Renato conta que mora sozinho desde a morte da mulher, no Natal de 1997. O casal e os três filhos pequenos foram passar as festas na casa do sogro, em um sítio em Cuiabá (MS). Depois do almoço, parte da família foi tomar banho de rio e a esposa teve uma congestão. “Acho que foi porque ela comeu melancia”, diz. Os filhos foram criados pelos avós maternos.
Desde pequeno, Renato gosta de cães. Recorda, com certa mágoa que o tempo não apagou, que quando criança, um vizinho acusou seu cachorro, o Lobo, de matar uma leitoa. O pai, então, para evitar encrenca com o homem, atirou no seu cão, que gostava de pular na represa atrás de um pedaço de pau jogado por ele. “Morreu sem dar um gemido”.
Sadam, Urso e Nero não estranham ninguém nas ruas, nem outros cães. Não correm atrás de carros ou mesmo de motos barulhentas, “só não gostam muito de patinetes nas calçadas”, observa Chiquetti, enquanto, no entardecer da última quinta-feira (7/12) caminhava com seus companheiros de todas as horas.
O bastão que ele carrega, explica, é para afastar cães bravos, que eventualmente aparecem nas ruas. A estratégia dele não é bater ou provocar o enfrentamento. Simplesmente fala para os seus animais ficarem quietos e afasta o invasor criando uma barreira com o bastão, sem agredir. Funciona.
“Cachorro é cachorro, não é gente e não pode ser humanizado. Tem que ser educado, sem violência e sem maus-tratos. É muito importante dedicar um tempo para eles, brincar e caminhar”, ensina o mestre dos cães, que não usa de nenhuma teoria além dos instintos para adestrar seus bichos.
Nenhum deles faz truques, simplesmente seguem o dono, que vive do arrendamento de parte do sítio que herdou dos pais, na valorizada região do Aeroporto Silvio Name Júnior, e faz trabalhos de jardinagem. Dos três, o mais ciumento é o Urso, que costuma colocar as duas patas dianteiras no peito do dono quando ele para para conversar com desconhecidos do cão.
Manias os três têm. Sadam costuma esconder roupas e objetos pessoais do dono. Urso come rápido e depois fica rondando a marmita do irmão, Nero. Enquanto isso, Sadam apenas observa, sem tocar na sua porção. Só depois que os dois mais jovens e fortes se alimentaram ele começa a comer. Apesar de já estar perdendo dentes, nenhum dos outros ousam chegar perto.
Ração faz parte da dieta dos três, mas o que eles gostam mesmo é de moela e fígado de frango e dos ossos com restos de carnes que Chiquetti busca duas vezes por semana em um açougue perto da sua casa. Ele cozinha antes de servir: “Não dou carne crua”. Aliás, ele também costuma dar ossos aos cachorros dos vizinhos. Conhece quase todos e alguns ele também leva para passear.
Nas ruas, Sadam, Urso e Nero não fuçam lixos, mesmo quando há restos de comida aparentes. Também não fazem suas necessidades sólidas sem a permissão do dono. “Só deixo em terrenos baldios”, diz ele, que refere-se a si mesmo como “pai”, quando fala com os três, que também gostam de passear na caçamba da Ford Pampa. E, à noite, não dormem sem um copo de leite frio.
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