Neste Dia Mundial da Água (22 de março), é ainda mais relevante transcender as meras reflexões e partir para ações concretas que preservem esse recurso essencial à vida. A conscientização sobre a importância da água deve ser acompanhada de medidas práticas de conservação e uso sustentável para garantir que as futuras gerações também possam desfrutar desse bem tão precioso.
Entretanto, no atual contexto global, onde as mudanças climáticas estão se intensificando e os desastres naturais se tornam cada vez mais frequentes, a questão da disponibilidade de água nos solos e ecossistemas emerge como uma preocupação crucial. Diante desse desafio premente, é necessário adotar estratégias que permitam interceptar, infiltrar, armazenar, conduzir e dissipar as águas pluviais de maneira natural e economicamente eficiente.
Estas medidas não apenas visam mitigar os impactos dos desastres naturais, mas também promovem a conservação dos recursos hídricos, essenciais para a sustentabilidade da vida no planeta.
Especialistas que atuam na área de recursos hídricos no Estado do Paraná, entrevistados pelo Núcleo Paranaense da Ciência do Solo (NEPAR-SBCS), reconhecem que para enfrentar esse desafio de maneira eficaz, é essencial adotar uma abordagem integrada e transversal na gestão dos recursos hídricos.
“Isso requer a cooperação entre diversos setores da sociedade, incluindo governos, comunidades locais, setor privado e organizações não governamentais. Somente através de uma cooperação unida e coordenada podemos garantir o acesso à água em quantidade e qualidade adequadas para todos”, afirma o diretor do NEPAR, engenheiro agrônomo Oromar João Bertol.
O desafio de preservar e conservar água e solo faz parte do ensino, pesquisa e extensão rural do Laboratório de Mecanização Agrícola da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Lama/UEPG), que se empenha no desenvolvimento sustentável em sua esfera de atuação.
De acordo com pesquisa desenvolvida por professores da UEPG, a saúde do solo depende de uma complexa interação entre os componentes físicos, químicos e biológicos que juntos influenciam a capacidade do solo de funcionar de forma eficaz. “A harmonia nesse processo requer arranjos apropriados entre os elementos naturais da paisagem, os quais devem ser preservados. Isso inclui cabeceiras de drenagem, áreas úmidas, nascentes, matas ciliares e ecossistemas ripários”, afirma o professor Pedro Henrique Weirich Neto, do Lama/UEPG.
As cabeceiras de drenagem representam uma área fundamental da paisagem, onde a interação entre o clima, o relevo, as rochas, os solos e a vegetação criam condições perfeitas para o surgimento do escoamento superficial. “É nesta região que as nascentes ou olhos d’água emergem, dando início aos rios de primeira ordem que são essenciais para o ecossistema e para a hidrografia da região”, enfatiza o professor.
Desta forma, a celebração do Dia Mundial das Áreas Úmidas, ocorrido em 2 de fevereiro, destaca a necessidade urgente de preservação desses ambientes, que fornecem serviços essenciais como a purificação da água e habitat para a biodiversidade.
A doutoranda em Ciência do Solo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Daniela Nicole Ferreira Castelar de Araujo, avalia que a degradação das áreas úmidas têm impactos significativos, incluindo a perda de suas funções ecossistêmicas, como a regulação do ciclo hidrológico e a capacidade de armazenamento de carbono. “A agricultura intensiva e a drenagem alteraram irreversivelmente muitas dessas áreas”, diz ela.
Daniela participa do Núcleo Experimental de Restauração de Áreas Úmidas criado na UFPR (NERAU/ UFPR). Segundo ela, as áreas úmidas ocupam aproximadamente 6% da superfície terrestre. “Elas têm características específicas e únicas, muitas vezes abrigando espécies endêmicas e, consequentemente, são consideradas habitats raros. O Pantanal mato-grossense, por exemplo, é a maior extensão de áreas úmidas do Planeta”, enfatiza.
A Convenção de Ramsar, estabelecida em 1971, teve por objetivo mapear e preservar as áreas úmidas em todo o mundo, incluindo os 27 sítios no Brasil, que totalizam mais de 26 milhões de hectares.
No entanto, desde a década de 80, com o incentivo do Pró Várzea para drenagem das áreas para uso agrícola e pecuário, houve uma significativa degradação ambiental no Brasil.
Regiões como Tijuca do Sul e Castro, no Paraná, foram severamente afetadas e hoje apresentam alterações profundas em suas funções ecossistêmicas. “A parte do Mangue, que está dentro do sítio de Ramsar, está mais preservada devido a esforços de conservação”, comenta Daniela.
Complementando, o professor Pedro Henrique, lembra que as áreas úmidas são “esponjas” cuja capacidade de armazenamento regulam microbacias. “O manejo antrópico nessas áreas afeta a qualidade e quantidade de água disponível. Estradas rurais mal planejadas causam problemas ambientais e econômicos, mas estudos georreferenciados podem ajudar a mitigá-los”, pondera o professor.
Na opinião dele, a rentabilidade dos negócios agrícolas em áreas úmidas pode ser baixa, sugerindo a conservação como a melhor opção, com propostas como unidades de conservação com exploração turística e pagamento por serviços ecossistêmicos.
Ele aponta soluções práticas e de baixo custo para proteger as nascentes, como a realização de mutirões para limpeza, uso de materiais regionais e técnicas simples de construção. Outra medida envolve as ações realizadas para monitorar e minimizar a contaminação química dos mananciais.
A importância das matas ciliares e do manejo adequado dos solos na conservação da água é outro ponto destacado pelo professor, assim como as consequências das mudanças na legislação sobre vegetação ripária para os recursos hídricos.
Em contrapartida, o Núcleo Experimental de Restauração de Áreas Úmidas propõe projetos de restauração, visando fechar os drenos e restaurar os habitats originais das áreas úmidas. “A restauração não só pode ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também permitir o uso racional dessas áreas, como a produção de arroz irrigado e a criação de peixes, desde que feito de forma sustentável”, sugere a doutoranda Daniela Castelar.
No entanto, ela afirma que a pesquisa sobre esse tema no Brasil ainda é incipiente. “Há necessidade urgente de mais estudos e ações para proteger e restaurar as áreas úmidas, garantindo assim a sustentabilidade desses ecossistemas vitais para o planeta. É isso que estamos buscando em nossa pesquisa”, pontua.
Rede de Agropesquisa: modelo de referência no PR
Os primeiros resultados da Rede Paranaense de Agropesquisa e Formação Aplicada, divulgados em 2021, sugerem que a disponibilidade de água nas lavouras está intimamente ligada à conservação do solo e ao bom manejo agrícola.
Desta forma, o investimento em pesquisa é fundamental para orientar os produtores rurais na adoção de práticas sustentáveis de manejo de solo e água, visando aumentar a produtividade de forma responsável e ambientalmente consciente.
Entre as iniciativas da Rede para a conservação dos recursos hídricos na agricultura está o projeto de manejo de solos, que busca reter a água das chuvas nas lavouras utilizando terraços como diques de contenção. Essa prática evita a erosão do solo e o assoreamento dos rios, proporcionando benefícios tanto para a produtividade agrícola quanto para a conservação dos recursos hídricos.
De acordo com o secretário executivo da Rede Paranaense de Agropesquisa e Formação Aplicada, Bruno Viziolli, a agricultura paranaense enfrenta diversos desafios em relação ao uso sustentável da água. “Em algumas regiões e períodos, há escassez de água, enquanto em outras ocorre excesso, ambos prejudiciais para a agricultura tradicional”.
Já do ponto de vista de uso de água para a irrigação, segundo Viziolli, falta água de boa qualidade para este uso e o conhecimento técnico das melhores formas de irrigar no Estado. “Uma solução ideal para esses desafios seria o desenvolvimento de técnicas de conservação do solo que aumentem sua capacidade de armazenamento de água da chuva, proporcionando uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos na agricultura”, sugere.
Para otimizar o uso da água na produção agrícola, segundo o secretário, o grande diferencial da Rede é que ela está sendo desenvolvida igualmente em todo estado do Paraná. “Assim o resultado gerado por essa pesquisa servirá como modelo de referência, pela sua abrangência e seus resultados, a todo o Paraná”.
A pesquisa realizada em algumas regiões se dá por meio da implantação de megaparcelas pareadas com e sem terraços, nas quais são coletadas a água de escorrimento, permitindo avaliar as perdas de solo, água e nutrientes, de forma comparativa. “Além disso nas microbacias nas quais as megaparcelas foram implantadas, também foi instalada uma calha dos rios para medir as variações de vazões e as perdas de solo, determinada por um evento de chuva”, acrescenta Viziolli.
As pesquisas também fazem avaliação da qualidade da água dos rios que compõem as bacias hidrográficas. “As pesquisas são realizadas na água que escorre no solo e na medição de água nos rios. Todos os parâmetros de qualidade de química, biológica e física da água são avaliados”, explica o secretário executivo.
Instrumentos de gestão definem o uso de recursos hídricos
A gestão de recursos hídricos é um ponto importante nesta discussão que envolve o planejamento e a utilização eficiente da água para garantir que as necessidades atuais e futuras sejam atendidas sem comprometer a saúde dos ecossistemas aquáticos.
Desde que foi instituída em 1997, a Política Nacional de Recursos Hídricos serviu como base para a elaboração da política estadual de recursos hídricos do Paraná, lançada em 1999. Ambas as políticas são similares em seus fundamentos e objetivos.
Dentro dessas políticas, são destacados seis instrumentos de gestão para os recursos hídricos: Plano Estadual de Recursos Hídricos e planos de bacia, outorga, cobrança, enquadramento e Sistema Nacional de Informações, que funcionam como diretrizes para o uso e manejo da água em diferentes regiões. Desses, três são particularmente importantes para uma gestão eficaz: os planos, as outorgas e a cobrança pelo uso da água.
No contexto da gestão dos recursos hídricos, um dos principais instrumentos é a cobrança pelo direito de uso da água, que não se aplica a toda a população, mas sim àqueles que possuem outorga para utilização. “Isso inclui indústrias, empresas de captação de água e usuários que retiram água diretamente dos rios. A cobrança é uma maneira de incentivar o uso responsável da água e contribuir para a preservação desse recurso vital”, afirma Danielle Tortato, gerente de Gestão de Bacias Hidrográficas do Instituto Terra e Água (IAT).
O Plano Estadual de Recursos Hídricos serve como um instrumento básico para definir a política hídrica do estado. “É essencial para entender e gerenciar os recursos hídricos disponíveis, identificando onde a demanda é maior e menor e quais setores são os principais usuários”, explica Danielle.
Já os planos de base hidrográfica são essenciais para orientar o uso da água dentro de uma determinada bacia, fornecendo um diagnóstico da situação atual, prognósticos futuros e um plano de ação para o manejo sustentável dos recursos hídricos.
Segundo ela, as 16 grandes bacias hidrográficas do Paraná foram reorganizadas em 12 unidades de gerenciamento de recursos hídricos, com base na geografia e na regionalização. Para cada uma das unidades de gerenciamento previstas, há um comitê correspondente. “A composição desses comitês é feita pela própria sociedade organizada, através de reuniões setoriais específicas, onde são escolhidos os representantes”, explica.
Danielle explica que o objetivo da gestão dos recursos hídricos é garantir o uso sustentável e equitativo da água para todos os fins, incluindo agricultura, indústria, abastecimento público, energia, turismo, entre outros. “Isso requer uma abordagem integrada e descentralizada, considerando os diversos interesses e necessidades de cada setor, pois a gestão dos recursos hídricos enfrenta desafios adicionais devido às mudanças climáticas, que podem impactar a disponibilidade e qualidade da água”, avalia.
A região metropolitana de Curitiba enfrenta desafios significativos de escassez de recursos hídricos no Paraná. Devido a isso, o processo de outorga de água requer uma abordagem cuidadosa e precisa. “Quando uma determinada área atinge o limite de disponibilidade hídrica, não é mais possível autorizar novos empreendimentos na região. Essa decisão é tomada de forma colaborativa, envolvendo todos os envolvidos da bacia afetada, a fim de encontrar soluções para os desafios relacionados à escassez de água”, destaca a gerente.
Mapeamento Global da Retenção de Água no Solo
Nos bastidores da ciência do solo, um projeto ambicioso explora as nuances da capacidade do solo de reter água em escala global. Conduzido por pesquisadores do Centro Internacional de Referência e Informação sobre Solos (ISRIC), na Holanda, este trabalho tem como objetivo fornecer informações cruciais sobre a distribuição e os fatores que influenciam a retenção de água no solo em diferentes regiões do mundo.
A engenheira ambiental Maria Eliza Turek, que participou do projeto do ISRIC durante seu doutorado, compartilha detalhes sobre o trabalho e sua importância para a agricultura e a segurança alimentar global.
O objetivo principal do estudo é mapear a capacidade de retenção de água no solo em escala global, utilizando uma abordagem inovadora. “O método adotado envolve o uso de técnicas avançadas de mapeamento digital do solo, combinadas com dados georreferenciados de retenção de água, coletados em todo o mundo”, disse.
Maria Eliza explica ainda que, após filtrar e completar lacunas nos dados disponíveis, o projeto integra essas informações com covariáveis espacialmente distribuídas, como imagens de satélite, e emprega algoritmos de aprendizado de máquina para estimar a retenção de água em áreas onde não há medições diretas.
Sobre a variação geográfica da capacidade de retenção de água no solo, Maria Eliza enfatiza que essa variação depende de uma série de fatores, incluindo características do solo e de suas covariáveis. Ela observa que, enquanto os resultados para algumas regiões apresentam menos incerteza, outras, como América do Sul e África, enfrentam desafios significativos devido à falta de dados precisos.
Em um mundo cada vez mais preocupado com os impactos das mudanças climáticas na retenção de água no solo, a pesquisadora vê com preocupação as alterações nos padrões de chuva, os quais podem afetar a distribuição e a quantidade de água retida no solo. “O solo é um importante reservatório de água que atua mitigando parte desses impactos”, sintetiza.
Do ponto de vista das iniciativas globais e programas de colaboração internacional, a pesquisadora destaca o trabalho desenvolvido pelo ISRIC, que atua no aperfeiçoamento das técnicas para ter mapas de mais qualidade. “No momento, eu trabalho em outras iniciativas que também olham para a capacidade de retenção dos solos, como o projeto OPTAIN e SoilX, que focam em como o manejo do solo e alocação de diferentes medidas locais poderia impactar na melhora das propriedades de retenção de água e nutrientes no solo”, afirma.
Os resultados desse mapeamento global podem resultar em políticas de uso da terra e práticas agrícolas em todo o mundo. “Essas informações são cruciais para o planejamento de infraestruturas de irrigação e drenagem, identificação de áreas vulneráveis às mudanças climáticas e alocação de medidas para aumentar a capacidade de retenção de água no solo”.
Escassez hídrica desafia a produção de energia
Quando ocorrem períodos de seca, a produção de energia hidrelétrica enfrenta um grande desafio devido à falta de matéria-prima essencial: a água. A dependência dos regimes de chuva torna-se um ponto crítico, pois afeta diretamente a capacidade dos reservatórios de armazenar energia. Este cenário exige uma gestão eficiente e o desenvolvimento de alternativas sustentáveis para garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica.
A pesquisadora Ana Carolina Wosiack, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (Lactec), da área de Meio Ambiente e Qualidade da Água, observa que os serviços oferecidos pelo Lactec de pesquisa e desenvolvimento, está também um projeto de análise de precipitações passadas e futuras para bacias hídricas. A pesquisa, desenvolvida pelo instituto, analisa os extremos climáticos e a sua influência no setor elétrico, especialmente na relação entre chuva e vazão das usinas hidrelétricas.
O projeto se propõe a lançar um olhar para o passado (análise de séries históricas), para o futuro (projeções baseadas em cenários de mudanças climáticas) e para as relações chuva-vazão, analisando como essas alterações podem afetar a oferta hídrica no cenário nacional”, explica Ana Carolina, lembrando que, com isso, será produzido um sistema que realizará periodicamente a coleta de dados de maneira automatizada, se mantendo sempre atualizado. Além disso, irá produzir análise dos dados e projeções de vazões naturais com os cenários de mudanças climáticas.
Além disso, questões relacionadas à segurança das barragens e à mitigação de impactos ambientais são centrais nesse contexto. Medidas como a elaboração de Planos de Ação de Emergência (PAE), a modelagem hidrodinâmica para prever os impactos de possíveis rupturas e a participação da população local são essenciais para garantir a segurança e minimizar os danos em caso de emergência.
“A implementação de medidas de segurança são fundamentais para garantir a disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos, bem como para mitigar os impactos ambientais e sociais associados a esses sistemas”, afirma a pesquisadora.
Fotos: Divulgação e banco de imagens
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