Foto: IDR
O IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná) tem entre os seus 1.400 colaboradores 505 mulheres, o que dá uns 36%. São veterinárias, agrônomas, administradoras, engenheiras de alimentos, bibliotecárias, zootecnistas, jornalistas, pesquisadoras, assistentes sociais, engenheiras florestais, secretárias, técnicas agrícolas, economistas domésticas, técnicas de contabilidade e de segurança no trabalho e especialistas em ciência e tecnologia que atuam diariamente na empresa. E elas tiveram que enfrentar inúmeros desafios para dar uma roupagem de equidade no campo.
O serviço de extensão rural e assistência técnica foi criado em 1956 no Paraná com o objetivo de melhorar a produtividade da agricultura, ainda dependente de iniciativas particulares. O trabalho era desenvolvido por uma organização social, a Associação de Crédito e Assistência Rural, até que em 1977 o Governo do Estado encamparia a assistência aos produtores, ajudando a revolucionar o setor, diversificar as culturas e impulsionar a economia. Primeiro foram criados Iapar, Emater, Codapar e Centro de Referência de Agroecologia, e a partir de 2019 o IDR fundiu a atuação.
O conhecimento agronômico era o norte do serviço de extensão rural na época, mas apesar de haver registros de mulheres atuando junto aos produtores rurais, elas eram minoria e se concentravam na área de assistência e bem-estar social.
Rose Pontes entrou na Acarpa em 1971 para trabalhar na região de Cascavel, no Oeste do Estado. Na época, segundo ela, as mulheres não podiam usar calça ou dirigir. Também não era recomendado casar. “Acreditavam que o casamento ou a gravidez poderiam atrapalhar o trabalho”, afirma. Ela lembra que muitas vezes a profissional era levada a pedir demissão para casar ou ter filhos.
Formada em Geografia, ela atuava com educação de adultos antes de entrar na vida pública e foi incorporada no instituto para ajudar a organizar o atendimento nas pequenas propriedades de um Paraná ainda em formação agrícola, pré-geada negra. “Tudo era difícil. Além da relação com a roupa, eu vivi uma espécie de reserva porque as extensionistas que trabalhavam na região eram todas brancas e eu tinha a pele mais escura. Ou seja, no meu caso tinha até mais restrições”, recorda.
Mas aos poucos foi enfrentando as proibições. Começou a ir para o campo de calça comprida mesmo, alegando que havia muito mosquito nas propriedades, e depois juntou seu conhecimento de metodologia de ensino adquirido em empresas privadas com o método da extensão para repassar informações qualificadas aos produtores rurais sobre alimentação, saneamento e organização comunitária.
Não demorou para que Rose fosse convidada a participar de treinamentos de lideranças e em 1973 foi transferida para o escritório regional de Campo Mourão, na região Centro-Oeste, onde passou a coordenar o programa de Bem-Estar Social da Acarpa. “Nessa época as mulheres começaram a ganhar um espaço ainda embrionário. Nos fizemos de surdas e fomos avançando”, conta. “Havia uma ideia generalizada de que só o homem produzia e a mulher era coadjuvante, tanto na propriedade rural como no serviço de extensão”.
Além do preconceito de gênero, as extensionistas tinham que conviver com uma estrutura hierárquica inflexível. “Não havia um reconhecimento do profissional de nível médio e o agrônomo tinha que ser chamado de doutor. Eles diziam que com esse tratamento seriam mais respeitados pelos agricultores. Eles não acreditavam que as profissionais mulheres poderiam ser figuras centrais na extensão rural”, lembra.
Lentamente, as mudanças começaram a ocorrer. Na década de 1990, as mulheres também começaram a ser reconhecidas pelas atividades nas propriedades rurais. Foi a partir dessa constatação que passaram a ter o direito de emitir a Nota do Produtor sem precisar usar o nome do marido no documento, contando também com a colaboração de extensionistas. No dado mais recente do setor, do Censo Agropecuário de 2017, 13% dos estabelecimentos eram chefiados por mulheres no Paraná.
Foi nesse ambiente que Rose construiu sua carreira. Ao longo do trabalho, com as conquistas, fez mestrado em Educação para Adultos na Universidade Federal de São Carlos e passou a trabalhar na área de Desenvolvimento de Pessoas com cursos de formação de extensão rural. Rose atuou no programa estadual de assistência aos produtores de baixa renda e depois de dez anos foi para Toledo, também no Oeste, onde prestou assessoria para a formação das comissões municipais de desenvolvimento, ficando até 2000, quando decidiu se aposentar. Hoje a cidade tem o maior VBP Agropecuário do Estado
Olhando em retrospectiva, afirma que foi preciso “matar um leão por dia”. “A extensão rural sempre foi muito conservadora. As mulheres ganhavam menos que os homens, porque diziam que não precisávamos ganhar bem. Em 1975 fizemos um primeiro plano de carreira, criando um perfil do extensionista e uma política de promoções que valia para homens e mulheres. E tudo mudou quando o instituto começou a admitir extensionistas mulheres de nível superior. Gradativamente elas começaram a assumir chefias de escritórios e diminuir as desigualdades de gênero”, observa.
NOVOS TEMPOS – Solange Coelho é agrônoma do IDR-Paraná desde 1991. Já atuou na assistência direta a produtores na região Noroeste e há dois anos responde pela Diretoria de Gestão Institucional do Instituto. Para ela, as mulheres foram decisivas no trabalho no meio rural. “A presença e convivência com mulheres foram quebrando as barreiras, mudando aos poucos a cultura do instituto e do campo”, diz. Ao ser admitida no serviço, Solange já era casada e tinha dois filhos e teve que combinar seu trabalho e as obrigações familiares.
Em 2003 o marido se mudou para Curitiba e Solange o acompanhou, assumindo a função de assessora da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná, por meio de um convênio firmado com o então Instituto Emater. Em 2005, assumiu a coordenação da Associação de Funcionários e passou a entrar em contato com questões administrativas. Depois seria convidada para assumir a coordenação administrativa do Centro Paranaense de Referência em Agroecologia, após ter feito uma especialização em agricultura biodinâmica e orgânica.
“Com a autarquização da Emater, em 2005, tive que aprender como funcionava a nova estrutura, a gestão administrativa, financeira, orçamentária e de recursos humanos, para estabelecer o processo de construção do CPRA”, lembra a diretora. Solange ainda passaria pela gerência administrativa do IDR-Paraná, antes de assumir, em 2022, a atual diretoria.
“O IDR sempre valorizou sua atividade-fim, a assistência técnica e seus profissionais. Como eu era agrônoma tive essa vantagem. Foi mais fácil para mim. Nesse fim de século já não enfrentei situações de preconceito. Talvez em algumas oportunidades houve o favorecimento de profissionais homens por causa do companheirismo masculino. Mas a presença de mais mulheres na instituição aos poucos foi mudando essa perspectiva”, ressalta.
Para Solange, a grande diferença entre homens e mulheres é a postura. “A autoestima masculina quase sempre é muito alta. Mesmo que o homem não tenha a formação necessária para assumir uma função ele corre o risco. O que não acontece frequentemente com as mulheres. Eu orientaria as mulheres a serem mais audaciosas e confiantes. Todas têm muitas competências importantes na gestão. É isso que vai fazer a diferença na instituição pelas próximas décadas”, afirma.
LIDERANÇA – Atualmente as mulheres ocupam importantes funções no IDR-Paraná, caso também da diretora de Pesquisa, Vania Moda Cirino. Ela ocupa a cadeira número 68 da Academia Brasileira de Ciência Agronômica (ABCA), que reúne cientistas brasileiros com destacada atuação nesse campo do conhecimento científico, e é referência nacional na cultura do feijão.
A pesquisadora é responsável técnica pelo desenvolvimento de mais de 38 cultivares de feijão, que contribuíram para aumentar a produção e a renda de pequenas propriedades rurais, reforçar a segurança alimentar da população e tornar o Paraná líder nacional na produção do produto, com mais de 400 mil hectares por safra, equivalente a 750 mil toneladas do produto.
Algumas das cultivares desenvolvidas pela pesquisadora, ao longo dos seus quase 38 anos de atuação no IDR-Paraná, estão entre as mais cultivadas em todo o Brasil. Elas respondem por 69% do feijão preto e 19% do feijão carioca produzidos no Brasil.
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