O Bom Velhinho: Como um santo católico, uma figura mitológica alemã, e comerciais se combinaram para nos dar o Papai Noel

Com o natal chegando, a imagem do Bom Velhinho, o Papai Noel, começa a aparecer em toda parte. Mas você sabe de onde vem essa figura natalina?

  • Por Vitor Germano

    O Natal está ali na esquina, e com ele, a imagem do Bom Velhinho, o Papai Noel, começa a aparecer em toda parte. Alegre, com sua longa barba branca e seus trajes vermelho-vivo, usualmente cercado por neve (que em nosso país é neve falsa, claro) em seu trenó. Mas de onde vem essa figura natalina?

    A verdade é que muitas das coisas que nós associamos com qualquer festa tradicional são coisas cuja origem é difícil de determinar conclusivamente: São ritos e imagens que são milenares, que foram adquiridos por osmose de culturas diferentes, algumas das quais sequer existem nos dias de hoje, consequência do fato de que quando culturas antigas entravam em contato era comum elas “trocarem figurinhas”, e na ausência de registro escrito para muitas delas, o que se originou em cada uma pode até se perder.

    No entanto, no caso específico do Papai Noel podemos pegar alguns “elementos formadores”, todos os quais tinham uma ligação tênue um ao outro, cuja transformação histórica nos leva ao Papai Noel.

    O primeiro destes elementos, é claro, é São Nicolau. Um Santo medieval, de antes do cisma entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa, e portanto, celebrado por ambas. São Nicolau, ou Nicolau de Mira, é uma figura que viveu no que hoje é a Turquia, e na época era o coração do Império Bizantino. Pouco é sabido sobre a figura histórica, registros escritos tendo sido produzidos apenas décadas depois, e já salpicados de lendas. Mas a história de São Nicolau contém elementos que viriam a ser associados com nosso ‘Bom Velhinho’ — Especificamente a ligação com a troca de presentes.

    Duas histórias se destacam aqui: A primeira, diz que um Nicolau jovem, homem rico, havia ouvido falar que um senhor de sua cidade havia perdido tudo, e que, incapaz de pagar pelo dote de suas três filhas, temia que elas ficariam sem se casar, e seriam forçadas a se prostituir. Nicolau, querendo salvar as mulheres deste destino, mas não querendo constrangê-las, resolveu dar dinheiro à família em segredo, literalmente arremessando uma sacola de ouro pela janela da casa delas tarde da noite (algumas versões da história dizem que a janela estava fechada e tinha sido quebrada pela sacola).

    A segunda história é menos inusitada, mas talvez ainda mais importante para a associação do santo à figura do Papai Noel, dizendo apenas que Nicolau, já bem mais velho e Bispo de Mira, tinha o hábito de viajar pelo Império Bizantino dando generosos presentes aos pobres.

    Imagem: Ator representando São Nicolau – Sinterklaas em um festival Holandês em 2009.
    Fonte: Wikimedia Commons

    O dia de São Nicolau é celebrado pela igreja no dia de 6 de Dezembro, e com isso, várias culturas cristãs vieram a integrar este dia como parte das comemorações de fim de ano. Até hoje nos Países Baixos (Holanda), o dia em que se troca presentes é o dia de São Nicolau (abreviado para Sinterklaas), com o Natal em si sendo uma celebração separada.

    Mas as celebrações de fim de ano não são, claro, únicas à fé cristã, e tampouco é a ideia da troca de presentes em tais celebrações. E como citado acima, a “troca de figurinhas” entre culturas é inevitável. E é aqui que o segundo protagonista entra em nossa narrativa: O Langbarðr (Barbas-Longas), dos povos germânicos (alemães, ingleses, nórdicos), que especula-se ser uma manifestação do deus nórdico Odin, cuja aparência era de um senhor com uma longa barba branca e um casaco de pele. O Barbas-Longas vinha cavalgando à noite, durante o Yule, a celebração do solstício de inverno, para caçar espíritos malignos e proteger o povo.

    Quando as culturas germânicas se cristianizaram na idade média, a figura do Barbas-Longas foi adotada e alterada pela igreja, combinando-se à São Nicolau e outras ideias, resultando na figura que os ingleses conhecem como Father Christmas (Pai Natal), a cavalgada no meio da noite tendo sido transformada de uma caçada à figuras maléficas em uma corrida eufórica para anunciar as boas notícias sobre o nascimento do Menino Jesus, o que eventualmente levaria ao barbudo ser associado com alegria, festividades, e comemorações da época natalina.

    A figura do Pai Natal seria conhecida por toda a Europa cristã também. — Embora por muito tempo, fosse celebrado apenas na Inglaterra e Alemanha — O nome que usamos no Brasil, ‘Papai Noel’, é derivado do nome Francês para a figura: Père Noël, ou Papa Noël.


    Imagem: Ilustração do Espírito do Natal do Presente, desenhada por John Leech. 
    Fonte: Wikimedia Commons

    Na era Vitoriana, a imagem do Pai Natal foi eternizada pelo escritor Charles Dickens e o ilustrador John Leech quando apareceu como o Espírito do Natal do Presente, no clássico Um Conto de Natal, aqui representado como um homem gigante e risonho, sua voz como um trovão e sua risada grossa, cercado por um banquete e portando uma tocha, seu casaco de pele reimaginado como um casaco verde com acabamentos peludinhos. O Espírito mostra ao protagonista as alegrias que ele está perdendo.

    Mas enquanto isso acontecia na Inglaterra, algo diferente estava acontecendo nos Estados Unidos, na época uma nação jovem. Lá, a tradição natalina do Pai Natal viria a trocar figurinhas novamente, quando colonos ingleses tiveram contato com colonos holandeses, em Nova Amsterdã, hoje Nova Iorque, o Pai Natal, que tinha alguns elementos de São Nicolau e do Barbas-Longas, tomou uma segunda dose de São Nicolau através do Sinterklaas holandês.

    E ganhou um novo nome: Santa Claus, uma corruptela do nome holandês, usava barba longa e casaco de pele como o Pai Natal, mas vestia a cor vermelha e dava presentes às crianças como o Sinterklaas. Foi nessa época, também, que Santa Claus recebeu a montaria que com ele é associada até hoje: O trenó puxado por renas, animal nativo da América do Norte, visto pela primeira vez como ilustração de um poema para crianças publicado em Nova Iorque em 1820.

    Naturalmente, o Conto de Natal de Dickens chegou aos EUA, e as tradições natalinas criadas nos EUA voltaram à Europa, resultando nas duas figuras, o Pai Natal interpretado por Dickens e o Santa Claus das nascentes tradições Americanas, tornarem-se uma só no imaginário popular.

    E foi com essa imagem combinada que a figura do Velhinho Natalino, distantemente-conhecida por todo o mundo cristão mas na época celebrada apenas em algumas culturas, voltou a se espalhar no século XX, agora com a força cultural do Cinema, dos Comerciais, e da Televisão lhe ajudando. Conforme a cultura americana se espalhava pelo mundo, também se espalhava a figura do Bom Velhinho.

    Há até um mito que é preciso desmentir aqui (um mito no qual o autor deste artigo acreditava até pesquisar para escrevê-lo): O mito de que a Coca-Cola teria criado o Papai Noel como hoje conhecemos, ou que o vermelho de seu casaco é a cor da empresa.

    Imagem: Comercial de Pepsi-Cola com o Papai Noel, década de 50, Estados Unidos.

    A corporação Coca-Cola definitivamente usou do velhinho em seus comerciais desde os anos 30, e estes comerciais certamente ajudaram a penetração mundial da figura, mas ela é mais antiga que a bebida ou a empresa, e aliás, a concorrente Pepsi também fazia uso do velhinho em seus comerciais.

    Foto: Freepik

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