Por Vitor Germano
Palavrões: Para alguns, algo impensável que jamais deve ser usado. Para outros, uma ferramenta na caixa, com aplicação específica onde nada mais serve. E para outros ainda, uma expletiva, usada com tanta frequência quanto pontuação no texto escrito.
Eles são considerados “baixo calão”, “feios”, e de qualquer modo até quem os usa com frequência entende instintivamente que a escolha de tais palavras carrega consigo um peso, uma carga emocional. Mas o que torna um palavrão um palavrão? O que faz os “nomes feios” serem feios?
Talvez a pista esteja na própria palavra ‘feio’. Etimologicamente, ela é ligada ao latim ‘fera’, sinalizando algo agressivo, violento. Portanto, uma palavra é ‘feia’ por seu caráter relacionado a coisas desagradáveis, e o uso dela é considerado agressividade, como o rosnar de uma fera.
Mesmo assim, uma pesquisa, já antiga (2006), feita nos EUA, revelou que palavrões consistiam 0,7% do vocabulário diário do americano médio. Parece pouco? Não é. Este número coloca termos ofensivos e “socialmente inaceitáveis” em uma frequência não-tão distante de certas partículas linguísticas extremamente comuns: Os pronomes da primeira pessoa do plural da língua inglesa (“we”, “us”, e “our”) foram contados como consistindo 1% do vocabulário do americano médio.
Mas voltando ao assunto principal — O que faz um palavrão ser “ruim” ou “agressivo”? Por que canais de televisão os silenciam com bipes e quadrinhos com símbolos aleatórios, quando no fim das contas, todos sabemos o que está sendo dito? Bem, em termos de origem podemos definir três categorias de palavrão:
- O Palavrão Abusivo — Essas são palavras que são ruins intencionalmente. Palavras que desde sua raiz etimológica são criadas para serem ofensivas, para serem ditas com a intenção de machucar, humilhar, objetificar, ou marginalizar.
- O Palavrão Profano — Estes são termos que tornam-se socialmente inaceitáveis devido à uma conexão religiosa. Usar de termos ou nomes que deveriam ser respeitados, por sua importância na fé, de uma forma vulgar é uma ofensa. Embora incomuns na língua portuguesa, considere o palavrão italiano “Porco Dio”, literalmente “Deus porco”.
- O Palavrão Escatológico — Muitas coisas são desagradáveis para nós, coisas como doenças, fluídos corporais, coisas nojentas em geral, morte. Se tais coisas são desagradáveis, palavras associadas com tais coisas tornam-se desagradáveis por associação.
Quando várias palavras significam a mesma coisa, mas têm níveis diferentes de aceitabilidade social, historicamente o fator que separa o termo ‘feio’ do termo ‘apropriado’ é relacionado à classe social. É fácil observar isso levando em conta que entre um termo médico para um fluido corporal, e um termo coloquial para este mesmo fluido, o termo coloquial é usualmente ofensivo, e o termo médico não é.
De acordo com o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker, há cinco “tipos de xingamento”, determinados não pela origem da palavra, mas sua função comunicativa social:
- O Xingamento Abusivo — Se em termos de origem falamos de uma palavra intencionalmente criada para insultar como um “palavrão abusivo”, o xingamento abusivo é o uso de palavras ruins com essa exata intenção.
- O Xingamento Enfático — A feiúra do palavrão pode ser útil comunicativamente. São palavras que usualmente são evitadas em conversa educada, mas que socialmente agem como um sinal de que o estado emocional do falador importa mais para ele do que a educação.
- O Disfemismo — O oposto de um eufemismo, se um eufemismo é utilizado quando se está falando de algo desagradável e ainda assim deseja-se discutir o assunto enquanto ao mesmo tempo deixando claro o respeito ao desconforto que o assunto causa, o disfemismo deliberadamente canaliza a desagradabilidade para efeitos de ênfase.
- O Xingamento Idiomático — Este não é um palavrão usado para ofender ou expressar emoção, mas sim para dar um sinal social. Quando várias pessoas usam de linguagem de baixo-calão de forma casual umas com as outras, a mensagem passa a ser ‘esta é uma conversa casual e sem barreiras’.
- Finalmente, temos o Xingamento Catártico — Este é um pouco diferente, de acordo com a ciência, dizer um palavrão, sabendo que ele possui uma característica ofensiva e portanto, uma carga emocional, ativa partes diferentes do cérebro que outras palavras. Há até um termo médico para o alívio da dor causado por soltar um xingamento após se machucar, chamado Laloquesia. Muitos animais fazem sons reflexivos quando sentem dor ou sentem-se ameaçados, é especulado que talvez no ser humano, palavras conhecidamente ofensivas tomem este lugar, alojando-se diretamente no sistema límbico do cérebro, que lida com emoções.
A ciência também observa que como tudo na linguagem, a profanidade está em constante transformação: É altamente improvável que um dia palavrões deixem de existir, eles são linguisticamente úteis, e portanto tendem a se preservar, mas palavras que são ofensivas hoje podem não ser amanhã, e vice-versa.
Historicamente, conforme doenças se tornaram menos assustadoras com avanços da medicina, conforme sexo se tornou mais aceito socialmente, palavras relacionadas com tais coisas tornaram-se mais aceitáveis — Enquanto termos que no passado eram considerados ‘descritivos’, relacionados a aparência ou identidade, foram ganhando cada vez mais peso devido a seu poder discriminatório.
Imagem: Freepik / Foto criada por @krakenimages.com
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