Hoje, o principal preparo da sardinha é o mais tradicional possível: assada na brasa, acompanhada de broa de milho, batatas e vinho.
Foto: Divulgação/Reprodução
Por Matheus Mans
Ainda que seja uma figura presente na mesa dos brasileiros, a sardinha sempre passou longe dos cardápios de restaurantes. Afinal, o preço baixo, a dificuldade de vencer a espinha e o gosto forte, bem característico, fizeram com que chefs dessem um passo atrás para trabalhar com outros peixes. Mas nos últimos tempos a sardinha começou a ganhar protagonismo nos restaurantes paulistanos.
Hoje, o principal preparo da sardinha é o mais tradicional possível: assada na brasa, acompanhada de broa de milho, batatas e vinho. No Rancho Português, especificamente na unidade do restaurante na Avenida dos Bandeirantes, é servida assim no Festival da Sardinha, que acontece sempre no último fim de semana dos meses ímpares. A casa coloca uma grande churrasqueira na área externa, o cliente paga um preço único e pode comer à vontade.
Deu certo: agora, o festival também ocorre em outras duas unidades: Mairiporã e Castelo Branco. “Sai uma tonelada em dois dias de festival”, conta Valdeci Castro, gerente-geral do Rancho Português São Paulo. “É um hábito cultural de Portugal, de colocar a brasa na rua na época de pesca da sardinha, e servir assim, inteira, com broa e batata. Felizmente, o hábito deu certo no Brasil também.”
Outro que abraçou esse hábito foi o Taberna 474, restaurante de frutos do mar no Jardim Paulistano. Além do modo tradicional, na brasa, a casa passou a fazer outras experimentações: cru de sardinha com salsa e limão, escabeche, no sanduíche, assada com cebola. “O que mais sai é a sardinha na brasa”, diz Luis Felipe Moraes, dono do Taberna 474 e da Adega Santiago. “Nem todo mundo que gosta de peixe gosta de sardinha.”
À MODA ORIENTAL
A sardinha também está batendo ponto nos restaurantes de culinária japonesa. A iguaria é bastante utilizada nos restaurantes do Japão, mas demorou a ter o espaço que merece nas casas brasileiras. Jun Sakamoto é um dos pioneiros do omakase no Brasil – sistema em que o chef surpreende o cliente com preparações variadas – e de servir sardinha em seu serviço. Não é para menos: ele conta que o melhor sushi que já comeu na vida foi um de sardinha, servido no cobiçado Sukiyabashi Jiro Honten, em Tóquio.
“Ainda existe muito preconceito com a sardinha, por isso é tão interessante usá-la aqui no omakase. Você come, nesse sistema, coisas que você não pediria normalmente”, explica Jun Sakamoto, atrás de seu balcão em Pinheiros. Ele serve a iguaria marinada e com uma pitada de gengibre ralado – não à toa, já foi eleito como um dos 100 melhores pratos do ano do Paladar.
Jun, porém, ainda vê muito preconceito a respeito da sardinha. Nas reflexões do chef, enquanto prepara o omakase, surge um brilho no olhar ao ser questionado se ele serviria sardinha no Junji Sakamoto, seu restaurante mais informal, em um shopping de São Paulo. “Não, não serviria”, crava ele. “A sardinha está chegando em um lugar cheio de ironia. Apesar de ser um produto muito barato, é encarado como algo sofisticado nos restaurantes ”
O chef Gérard Barberan, responsável pelas operações do restaurante japonês Kuro, na região dos Jardins, sabe disso. Segundo ele, não é todo mundo que quer sair de casa para comer sardinha. No entanto, no omakase do restaurante, ela aparece de várias formas: em pratos quentes, passando pelo escabeche até chegar na versão mergulhada em shoyu ou marinada em vinagre. “É um peixe muito versátil, saudável, com muito ômega 3”, diz. “A gente tem a missão de educar e mostrar coisas boas. Se a pessoa não comer um bom prato de sardinha no restaurante, dificilmente vai comprar no mercado depois.”
DIFÍCIL DE ACHAR
Apesar desse sucesso da sardinha, os chefs concordam em dizer que não é fácil achar sardinha boa no mercado. Na visita ao restaurante de Jun Sakamoto, a reportagem não conseguiu provar a iguaria. “Está realmente difícil de encontrar”, disse o chef. “Às vezes ela chega muito, muito magrinha. A gente tem que fazer todo um trabalho de salvar o peixe antes de colocá-lo no omakase do dia.”
No Rancho Português, que chega a importar entre 10 e 12 toneladas de sardinha portuguesa por ano, é preciso ter organização. “Logo no começo do ano, fazemos uma programação com os importadores que já conhecemos, que sabemos da procedência e qualidade. Se a gente deixar pra depois, não tem como. Quando começa a pesca, já começam a fazer a importação para nós.”
Barberan diz que celebra quando encontra sardinha no mercado. “É o peixe fresco mais barato do Ceagesp. Sai por R$ 6 ou R$ 8 o quilo. Não tem igual”, explica. “No entanto, talvez até por ser um peixe tão barato, fica difícil achar sardinha de qualidade. Alguns barcos trabalham bem, outros nem tanto. O processo de algo que é barato se torna pior, principalmente na parte de logística. Mas está tendo uma evolução enorme, com as pessoas percebendo que temos sardinhas maravilhosas pescadas aqui no litoral do Brasil.”
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