Artigo: Otimizar o investimento público e promover o direito à moradia digna em Maringá

O art. 6º da Constituição Federal estabelece o direito à moradia como um dos direitos sociais do cidadão. Consideramos uma moradia digna para além das boas condições internas do domicílio, mas também aquela localizada em regiões dotadas de infraestrutura, com acesso aos serviços públicos essenciais e equipamentos urbanos, além de acesso a condições de trabalho e renda.

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    Por Jeanne Versari¹

    A partir de 2024 as políticas de habitação em Maringá podem ganhar um fôlego com a aprovação do novo Plano Diretor da Cidade. A intervenção de vereadores da Câmara Municipal com emendas ao texto da lei do plano garantiu que 100% dos recursos oriundos da aplicação de um instrumento de planejamento urbano chamado “Outorga Onerosa do Direito de Construir” sejam destinados ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social. Esse fundo tem por objetivo implementar políticas habitacionais direcionadas à população com renda familiar entre 0 à 3 salários mínimos.

    Entre os anos de 2013 e início de 2021 foram arrecadados cerca de R$ 53 milhões de reais em contrapartidas de Outorga Onerosa do Direito de Construir na cidade, segundo dados de pesquisa de doutorado em andamento da própria autora desse artigo, levantados por meio do Portal da Transparência de Maringá (2021). Nesse período, os recursos não foram destinados exclusivamente à implementação de políticas habitacionais, promovendo o direito à moradia digna.

    O art. 6º da Constituição Federal estabelece o direito à moradia como um dos direitos sociais do cidadão. Consideramos uma moradia digna para além das boas condições internas do domicílio, mas também aquela localizada em regiões dotadas de infraestrutura, com acesso aos serviços públicos essenciais e equipamentos urbanos, além de acesso a condições de trabalho e renda.

    Mas o que é e como funciona esse mecanismo de planejamento, a Outorga Onerosa do Direito de Construir, que auxilia na otimização dos investimentos públicos e na promoção da moradia digna?

    É um instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade, a Lei Federal 10.257/2001, que rege o planejamento urbano nas cidades brasileiras. Ele parte do princípio de que todo terreno na cidade tem um potencial para construirmos chamado de “básico” e um potencial “máximo”, definidos por leis municipais e diferentes conforme cada região da cidade. O potencial se caracteriza em quantos metros quadrados podemos construir em determinado terreno. O empreendimento que quiser construir acima do potencial definido como básico terá que pagar por uma contrapartida financeira, chamada Outorga Onerosa. 

    Considerando que o poder público faz uma série de investimentos na cidade como infraestruturas, sistema viário etc., a cobrança do uso de um potencial construtivo acima do que é considerado básico tem o objetivo de recuperar a valorização diferenciada de terrenos na cidade, em benefício da coletividade. É por isso que esses recursos arrecadados devem ser utilizados com fins sociais, como com a construção e/ou reforma de habitações de interesse social, regularização fundiária e equipamentos urbanos em regiões mais vulneráveis da cidade.

    Esse instrumento é regido pela a Lei Complementar municipal n. 1.064/2016. Mas desde 2005 esse instrumento é regulamentado por lei como “concessão de incentivo construtivo” para uma área específica da cidade. Finalmente denominada Outorga Onerosa, foi prevista pelo Plano Diretor de 2006, regulamentada em 2009 e cuja lei vigente é de 2016, que está em processo de revisão. Na origem da cobrança pelo potencial construtivo na cidade, em 2005, esse instrumento já surgiu com um formato arrecadatório para investimento no mesmo local da sua aplicação, a área do Novo Centro, concentrando recursos em áreas já desenvolvidas. 

    Ainda que a recente Lei do Plano Diretor aprovada garanta a aplicação nas finalidades específicas de habitação de interesse, ao analisarmos historicamente a implementação desse instrumento da cidade e a destinação dos recursos, veremos que a forma de aplicação do instrumento não garantia a destinação dos recursos para as finalidades previstas pelo Estatuto da Cidade (2001), tais como a construção e reforma de moradias, regularização fundiária no município.

    É necessário que o uso desses recursos seja mais transparente e de forma redistributiva, com destinação para regiões da cidade que realmente precisam. É o que esperamos que aconteça a partir desse ano. Considerando que estamos em um ano eleitoral, os novos planos de gestão dos prefeitos e propostas dos vereadores devem considerar esse novo cenário para a promoção da moradia digna na cidade.

    **Artigo da série “Observatório das Metrópoles nas Eleições”, realizada pelo núcleo maringaense do Observatório das Metrópoles, em parceria com o Maringá Post

    ¹Arquiteta e Urbanista e consultora em políticas públicas. Pesquisadora no Observatório das Metrópoles (UEM) e Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LABHAB/FAU-USP). Conselheira Federal do CAU/BR representando o Paraná. Diretora de ATHIS no IAB/PR Núcleo Maringá e Conselheira Superior do IAB/PR. Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional na FAU-USP. 

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