Mais de 60% das mulheres que sofreram violência doméstica e familiar não fizeram denúncia formal às autoridades policiais. O alto índice de subnotificação policial de casos no Brasil será revelado pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero, projeto em parceria entre o Instituto Avon, o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal e a organização de jornalismo de dados Gênero e Número.
A plataforma reúne os principais dados nacionais públicos e indicadores de violência contra as mulheres e foi lançada no dia 22 de novembro no Senado Federal, em Brasília.
Além da disparidade entre os registros policiais e o tamanho do fenômeno no Brasil, o Mapa também apresenta o Índice de Subnotificação Desconhecida, situação em que a mulher não nomeia a violência doméstica e familiar como tal, mas, quando apresentada a exemplos, admite já ter passado por violências.
Segundo os dados, três em cada dez mulheres brasileiras que não admitiram espontaneamente terem passado por algum tipo de violência, quando questionadas sobre situações específicas, admitem terem vivido situações de violência nos últimos 12 meses – o que sugere que os números de violência são maiores.
“Acreditamos que o enfrentamento da violência contra a mulher tenha no lançamento do Mapa Nacional da Violência de Gênero um marco histórico, em cumprimento ao artigo 8º da Lei Maria da Penha que prevê a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas. Por isso, o lançamento desta plataforma interativa é tão importante para pautarmos políticas públicas e ações focadas no enfrentamento das violências contra mulheres e meninas. A plataforma só foi possível graças a uma colaboração intensa e profícua entre o setor público (Senado) e organizações privadas como o Instituto Avon e a Gênero e Número”, afirma a Diretora Executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin.
Transparência e cooperação entre Estado e sociedade civil
O Mapa é fruto de uma parceria entre Estado e sociedade civil. O projeto visa contribuir para a qualificação e unificação de dados que sejam utilizados como subsídios para formulação e monitoramento de políticas públicas baseadas em evidências. Os números trazidos pelo Mapa são disponibilizados em uma série de gráficos amigáveis que salientam séries históricas, bem como recortes regionais e étnico-raciais.
“O Mapa é um legado de Estado, pois garante a transparência de dados públicos atualizados e sem risco de saírem do ar. Este acesso é fundamental para proteger as mulheres e ajudar a mudar a estrutura sexista da nossa sociedade. O Mapa traz ainda informações fundamentais sobre mulheres LGBTQIA +, que igualmente são vítimas de múltiplas violências”, afirma Maria Martha Bruno, Diretora da Gênero e Número e uma das coordenadoras do Mapa.
A plataforma reúne informações de cinco bases de dados: Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp/MJSP); Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud/CNJ); SIM e Sinan, duas das bases do Sistema Único de Saúde (SUS); e a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o OMV.
Uma das principais conquistas do Mapa é a transparência, já que o projeto trará a divulgação de dados da segurança pública atualizados a cada dois meses. O acesso aos boletins de ocorrência de todo Brasil foi possível a partir de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Senado Federal e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher
Disponibilizada no Mapa Nacional da Violência de Gênero, a 10ª edição da Pesquisa Nacional da Violência Contra a Mulher traz o maior levantamento do país sobre o tema: foram mais de vinte mil mulheres entrevistadas nesta edição.
A pesquisa é realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), ambos do Senado Federal. Os dados do levantamento embasam índices de subnotificação que foram criados especialmente para o Mapa. Realizada a cada dois anos desde 2005, a pesquisa foi criada para servir de subsídio para a elaboração da Lei Maria da Penha.
“A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher contém dados oficiais que trazem a percepção da violência pela voz das próprias mulheres. A edição desse ano contou com um aumento de cerca de 3 mil para mais de 21 mil mulheres entrevistadas, o que só foi possível com a requisição da Senadora Zenaide Maia, Procuradora Especial da Mulher no Senado, parlamentar responsável tanto pelo Mapa quanto pela Pesquisa.
A pesquisa, que é a série histórica mais longa sobre o tema no Brasil, foi criada em 2005 para embasar com dados oficiais a criação da Lei Maria da Penha. Ao longo desses 18 anos, tem sido importante instrumento de avaliação de políticas públicas.
O Mapa vem para expor o retrato atual da violência contra as mulheres com números oficiais e, de forma inédita, permitir o aprofundamento da avaliação de dados administrativos por meio da pesquisa, com dados que não são coletados por nenhuma outra fonte e que são complementares às demais estatísticas.
Os registros oficiais podem apresentar lacunas na captação e na qualidade dos dados; no entanto a pesquisa, aplicada nacionalmente, de forma consistente, utilizando métodos estatísticos rigorosos ao longo de todas estas 10 edições, permite a comparação desses dados com a realidade das mulheres, realidade apresentada na voz delas.
“Os dados da Pesquisa Nacional mostram não só números, mas dizem respeito à própria vida e experiência das mulheres reais”, declara Maria Teresa Prado, coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal.
Outros destaques do Mapa:
- 27% das mulheres que declaram ter sofrido violência solicitaram Medida Protetiva de Urgência e, entre elas, 48% afirmam que em algum momento houve descumprimento por parte do agressor.
- Quando perguntadas sobre o que fizeram em relação à última agressão, 60% das vítimas buscaram a ajuda da família, 45% procuraram a igreja e 42% acessaram os amigos. Apenas 31% denunciaram em delegacias comuns e 22% foram às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Foto: Marcos Santos/USP
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