No dia 31 de outubro, é comum lembrar do Halloween – uma comemoração que surgiu na Irlanda e depois se difundiu no Reino Unido e Estados Unidos. No Brasil, a data também é de festa, mas tem como estrela uma figura folclórica, que apesar de travessa, não é aterrorizante: é o Dia do Saci!
O Saci-pererê é um dos símbolos mais populares da cultura brasileira: ele é um menino negro com uma perna só, que fuma cachimbo e veste um gorro vermelho que lhe concede poderes mágicos. Na lenda original, ele era considerado como um protetor da floresta, mas também é conhecido por ser travesso e pregar peças nas pessoas.
A data em homenagem ao Saci-Pererê foi criada em 2003, com o intuito de resgatar e valorizar o folclore do nosso país, promover a cultura nacional e as tradições brasileiras. Entretanto, o Dia do Saci é pouco conhecido e ainda não é muito comemorado pelos brasileiros.
Negação do Saci no Brasil revela cultura racista, dizem pesquisadores
Como já mencionado anteriormente, o Dia do Saci é comemorado no mesmo dia do Halloween – festividade que é mais popular no Brasil apesar de não fazer parte da cultura do país.
Nesta terça (31), Dia do Saci, é possível que esse símbolo do folclore brasileiro possa, mais uma vez, sofrer apagamentos e que as crianças desconheçam o que o personagem lendário significa além da imagem do menino preto com um gorro vermelho na cabeça. Saci, conforme explicam os pesquisadores, é uma lenda que ensina crianças e adultos, e a negação desse mito espelha o racismo nacional de cada dia.
Segundo pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, contestar a destruição das nossas lendas é uma missão para a sociedade, uma ‘travessura’ ou uma ‘traquinagem’ necessárias para fazer viver o menino cheio de energia. “Um país que se honra tem a cultura e a educação interligadas. A gente sabe que o nosso país tem dificuldade de respeitar as crianças. Então, esse menino vem com uma roupagem de moleque, só que não é (apenas) um moleque”, diz a pesquisadora Neide Rafael.
Ela é uma das professoras pioneiras no Brasil no ensino da história e da cultura afro-brasileira pelo menos duas décadas antes de essa conduta virar a Lei 10.639 (de 2003), que completou 20 anos e determina a inclusão desses assuntos em sala de aula em prol de uma educação antirracista.
Guardião
Neide explica que a lenda não está revestida de maldade. “O Saci tem uma atribuição. É o guardião da flora e da fauna. Ele precisa ser apresentado aos estudantes como aquele que preserva a vida”, diz a professora. O Saci, então, representa a nossa ancestralidade, identidade e valores.
“É aquele que transgride e questiona. Ele busca a liberdade para todos os oprimidos”. A imagem do Saci com uma perna também poderia ser utilizada para inclusão, no entender da professora. “Opõe-se a qualquer Halloween da vida, que não tem nada a ver com a gente”.
Duas pernas
Também pesquisador do tema, o professor de arte Edmar Galiza contextualiza que o Saci Pererê nasceu na mitologia dos indígenas Guarani, na metade do século 18. “Era uma figura que tinha duas pernas. Ele vivia nas matas para protegê-las dos caçadores, saqueadores e destruidores da floresta. O Saci é uma das figuras mais reconhecidas e importantes do folclore brasileiro”, afirma.
Mesmo assim, e com a evolução da legislação, o país não foi capaz de alterar o racismo impregnado. Para o professor, que faz doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no estudo da construção da educação antirracista e decolonial, é “muito difícil” a escola estar fora do lugar social em que vivemos. “A escola pode trazer mudanças, mas não sozinha. O racismo está em todas as nossas instituições, por isso falamos em “racismo estrutural”, pois permeia nossas instituições cotidianamente”. Essa lógica ajuda a entender que a marginalização da nossa cultura afro, indígena e híbrida atua em prol da valorização da cultura europeia e estadunidense. “As nossas referências vão sendo cada vez mais importadas”.
Sincretismo
O pesquisador Edmar Galiza sugere, inclusive, que uma possibilidade de o tema ser trabalhado em sala de aula é lembrar a origem da lenda e como a figura do Saci foi se transfomando. “Trazer o tema para a sala de aula, para aumentar o universo cultural e artístico dos e das estudantes, mostrando a nossa cultura, nosso folclore, nossas histórias e lendas”, exemplifica.
Para a professora Neide Rafael, é necessário recordar que a lenda está ligada à liberdade e à democracia do ser, que guarda elementos do sincretismo cultural brasileiro. “O cachimbo e a fumaça vêm com os indígenas. E o mito negro e africano são da maior importância. Ele é energia, um encantado, um orixá dentro das religiões de matriz africana”.
Os pesquisadores entendem que a construção feita pelo escritor Monteiro Lobato sobre o Saci distorceu a lenda. “Essa figura do menino negro de uma perna só passa principalmente pela recriação do personagem (no Sítio do Picapau Amarelo)”, diz o professor Edmar Galiza.
O saci de Monteiro Lobato colocaria, na avaliação de Neide, a lenda de “maneira pejorativa”. “O Saci é guardião, é energia, liberdade mental que todo ser humano tem , principalmente, uma criança precisa ter”, diz. Para ela, é necessário valorizar as raízes que fazem com que as crianças brinquem de amarelinha ou trava-línguas.
Com informações da Agência Brasil.
Foto: Joédson Alves / Agência Brasil
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