Por Vitor Germano
Uma paisagem bucólica, um prédio de arquitetura refinada, as cores nas penas de uma ave rara, uma pintura clássica, as estrelas do céu — Ou algo tão simples quanto o reflexo do sol em uma garrafa vazia.
Beleza é uma característica fundamentalmente intangível. Ela existe em nossas mentes como um sentimento agradável. Se obrigados a defini-la, acabamos com uma definição não muito clara: Algo é tido como bonito quando sua cor, forma, ou proporção tem algo que é interessante ou agradável para nós. É uma experiência com grande subjetividade, mas que é fundamentalmente humana e que está conosco fazem milhões de anos — Até as primeiras ferramentas criadas por hominídeos eram recortadas em uma forma simétrica, geométrica. Pesquisadores tentaram achar razões práticas para essas ferramentas primitivas terem sua aparência e forma características, mas nenhuma foi identificada: Tudo aponta para nossos ancestrais criarem suas ferramentas naquela forma de ‘gota’ apenas por gostarem mais dela desta forma.
Ao longo da história a definição formal de ‘beleza’ mudou muito, bem como o padrão esperado de algo que é ‘belo’ — Ideais variam ou até mesmo são substituídos por seu oposto. Mas para além de gostos culturais ou individuais, há algumas observações universais, coisas que nunca realmente saem de moda: A proporção áurea, a simetria, os padrões fractais, são coisas encontradas em arte e arquitetura de todas as culturas, desde o alvorecer da civilização até hoje. Há um misterioso e inerente acordo entre todos os seres humanos sobre a beleza de certas coisas.
Os padrões que sempre voltam têm suas raízes na natureza e podem ter raízes evolucionárias:
Padrões fractais estão por toda parte, conchas, flores, ondas, ou nuvens. Saber reconhecer e distinguir padrões em tais fenômenos foi em certo período, essencial para a sobrevivência. As nuvens podem sinalizar chuva, pelo padrão da água sabemos se é seguro nadar por ela, e reconhecer os animais e plantas corretos é necessário para saber o que se pode ou não comer e o que evitar.
A simetria na natureza sinaliza que coisas estão como deviam estar: Galhos, folhas e flores em geral crescem simetricamente, um cervo com uma bela galhada é provavelmente uma fonte de carne nutritiva, um parceiro com uma feição simétrica tende a ser mais saudável e fértil — Enquanto um pé de trigo deformado pode estar doente e não ser seguro. Simetria sendo tão comum em fauna e flora, ela ajudava nossos ancestrais a avaliar seu ambiente e reagir rapidamente ao perigo. Portanto, coisas que ajudavam na sobrevivência ativavam os centros de recompensa do cérebro, reconhecer sinais de segurança e nutrição causava sensações positivas. Ou seja, é provável que nosso “senso de beleza” tenha evoluído de nosso reconhecimento de padrões, mas ele vai muito além disso hoje.
O ser humano parece ter um “instinto do belo” que é profundamente enraizado em nossa fisiologia. — E que continua ativo mesmo após outros processos do cérebro terem cessado sua função. Um estudo em pacientes de Alzheimer pedia que os pacientes escolhessem a pintura que achavam mais bonita entre várias. O experimento foi repetido nos mesmos pacientes com as mesmas pinturas 15 dias depois: Os pacientes, que há muito já tinham esquecido das pinturas, ainda faziam as mesmas escolhas das semanas anteriores.
Poderia-se dizer que isso não significa muito: Pessoas mantêm suas preferências. Mas outros estudos existem que sugerem que há uma espécie de ‘mínimo denominador comum’ para a beleza.
Um experimento expunha pessoas a pinturas de artistas abstratos como Pollock e Mondrian junto a imitações amadoras, pedindo que as pessoas decidissem quais imagens elas gostavam mais. Um outro experimento similar também usava pinturas abstratas, mas em comparação com pinturas feitas por crianças ou por animais como macacos e aves.
Em ambos, as pessoas pareciam preferir as pinturas feitas pelos artistas, que tinham o olhar deliberado e padrões cuidadosamente planejados, sobre as pinturas mais aleatórias dos imitadores ou animais. Então embora haja uma dificuldade em definir a beleza e de onde ela vem, há um consenso universal de que “nós a reconhecemos quando a vemos”.
Por que a beleza importa
Fazem milênios que o ser humano não navega mais a natureza batalhando dia-a-dia pela sobrevivência. Nós abandonamos o mundo natural e criamos o nosso, nós criamos os objetos que nos cercam, as coisas que vestimos e usamos e vemos. Nós conquistamos o planeta, nossos números cresceram, e nós demos forma a este ambiente totalmente criado pelo ser humano.
Mas conforme fizemos isso, frequentemente nós negligenciamos a beleza em favor da funcionalidade, da economia, ou da eficiência. Estações de metrô feias, prédios de serviço público decadentes, enormes blocos residenciais de concreto cinzento, shopping centers grandes mas sem personalidade arquitetônica. Uma caixa tediosa e padronizada ao lado da outra.
Fundamentalmente, o ser humano odeia a monotonia: Software de rastreamento de olhos demonstrou que pessoas concentram-se nos detalhes, nos ornamentos da arquitetura, enquanto passam a vista rapidamente por paredes planas. Mas esses prédios não são só sem graça de se olhar: Cientificamente, eles nos deixam miseráveis.
Estudos com sensores cutâneos comprovaram que observar fachadas grandes e chatas causa sentimentos de tédio e desconforto. E tal tédio foi ligado a batimentos acelerados e níveis elevados de stress. E o oposto parece ser real também. Nas últimas décadas mais e mais estudos observam que um ambiente esteticamente agradável tem efeitos positivos não apenas no humor, mas no bem-estar, no comportamento, e na função cognitiva.
Em 2017 um hospital examinou fatores de recuperação através de observação e entrevistas com pacientes, e descobriu que a presença de artes visuais em salas de estar os deixava mais confortáveis e felizes durante sua internação.
Outro estudo observou pacientes em recuperação em um hospital que tinha duas enfermarias: Uma velha e feia, e uma recém-reformada e bonita. A observação dos pesquisadores foi que os pacientes na enfermaria reformada precisavam de menos analgésicos para aliviar a dor e recebiam alta dois dias mais cedo que os pacientes na enfermaria velha e feia. Em resumo, ambientes mais agradáveis fizeram bem para eles — Fisicamente.
A beleza tem efeito sobre nós no dia-a-dia, ela melhora nossa felicidade geral. Um estudo que enfocava os principais fatores de felicidade em adultos revelou um resultado inesperado: Além de coisas como boa saúde e uma vida familiar harmoniosa, a felicidade individual era pesadamente influenciada pelo quão bonita as pessoas estudadas achavam a cidade em que viviam. A beleza da cidade foi observada como um fator até mais importante que limpeza ou segurança.
Então o que podemos tirar disso tudo? Sabemos que os seres humanos estão em profunda sintonia, refinada por milhões de anos, para processar o que vemos e reconhecer nosso ambiente. É algo que somos programados para fazer, e estamos começando a entender melhor o papel da beleza nisso tudo. A beleza satisfaz um desejo inerente por informações significativas — Então há valor em dar mais espaço para ela neste ambiente criado-por-gente que construímos.
Fonte original: Kurzgesagt – In a nutshell
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