Por Fernando Rodrigues de Almeida
Neste fim de semana fui ao cinema ver Barbie, um fenômeno, sala cheia, o ingresso teve que ser comprado pela internet 12 horas antes da Sessão, mas, finalmente, pude ver do que se tratava. E muitas coisas vieram na minha mente.
Obviamente, por “n” motivos, não vou falar sobre o filme e seus significados, existem elementos muito sensíveis sobre pessoas, principalmente ligadas a gênero que o filme pode tocar em locais mais subjetivos, porém, o que quero fazer é falar de percepções fora da tela que me deixaram intrigado.
Na verdade, são muitos os elementos fora de tela que me deixaram intrigado, então separei dois principais aqui: 1. Por que incomoda tanto algumas pessoas?; 2. Por que para uma nova geração é tão indiferente?
A primeira questão parece fácil de responder – e, de fato, é – abordar temas como o patriarcado de uma forma tão debochada e humorística ia causar uma reação, afinal, colocar um mundo masculino em que o tom é pateticamente professoral, que fala de investimentos e de “o poderoso chefão” em um patamar de ridículo, que exagera em não exagerar, vai bater em um dos complexos mais frágeis do masculino patriarcal, que é o medo do ridículo.
Isso tem muito a ver com os padrões ideológicos que sustentam o patriarcado, que não passa de uma performance. E como toda performance é exagerado e caricato. Mas como toda ideologia tem de ser naturalizado para que pareça natural.
É interessante que o retratar masculino, no filme, usa de um personagem de brinquedo, em um mundo nada verossímil, para caricaturar a imagem do masculino, entretanto não é preciso ser caricato para essa imagem, afinal, o nonsense do masculino é performático, é radicalizado em um conjunto de categorias estereotipadas e, se o filme é estereotipado, quando trata do masculino ele se torna mais verossímil que o próprio filme.
E, em contraste, o fantasioso do filme e o tão real da performance da masculinidade coloca em foco essa ideologia, essa fragilidade sensorial que é a “realidade” do masculino.
Por óbvio as reações então são reacionárias, quando o incel misógino se vê no antagonismo cotidiano de um boneco de plástico patético ele chama o filme de cartilha feminista, ou de perigo anti-homem.
Quando o moralista vê que seu estatuto moral baseado em gênero é colocado em um patamar do ridículo sobre sua liderança escalafobética baseada em conflito e falta de objetivo, chama de filme contra os valores morais e religiosos.
É uma resistência, resistência ao status quo, resistência a um sistema tão frágil que basta um boneco criado para ser coadjuvante reproduzir sem exageros para colocar em risco a autoestima performática do masculino.
Na poltrona do meu lado estava um casal bem típico, heteronormativo, jovem, branco, quando o filme começou a entrar nessa seara, a menina ria, muito genuinamente, o menino pegou seu celular e passou a não olhar para a tela do cinema. Eis a resistência, ele não quis olhar, não quis pensar, é melhor se distrair do que se identificar, resistir a qualquer ameaça da sua performance.
Por outro lado, fora do objeto crítico do patriarcado, que o filme é bem centralizado, há uma mensagem interessante, mas que a mim soa quase como um lamento, um lamento contra uma nova geração, a qual chamamos de Geração Z.
O filme discute, com todo o humor, deboche, ironia e fantasia que lhe segue, a questão geracional de uma boneca que, entre todas suas polêmicas, permitia que meninas se vissem em qualquer lugar, fazendo o que bem entenderem.
Uma mensagem importante de empoderamento, mas que traz uma lúgubre reflexão, ao mesmo tempo, uma reflexão típica da geração mais velha: o fracasso.
Toda geração pós queda do muro de Berlin pôde ser considerada a geração do futuro. A forma com que o capitalismo teria derrubado o comunismo, trouxe o discurso da liberdade e do crescimento, a linguagem que o sucesso teria a toda aquela geração do porvir um lugar.
Entretanto isso não aconteceu. Somos a geração da ritalina, do ansiolítico e dos barbitúricos (sem querer fazer nenhum trocadilho com Barbie); somos a geração do burnout; somos a geração do financiamento e do superendividamento; somos a geração da culpa pelo dinheiro. Definitivamente não somos a geração do sucesso.
No caso do publico alvo do filme, é ainda mais grave: o machismo não acabou, há desigualdade salarial, há preconceito de gênero, há assedio, há dupla jornada, há a confusão freudiana do marido que busca uma mãe na esposa, há a pressão sobre a maternidade. Juntando os dois fatores, a boneca só prometeu, mas se tornou um subterfugio da frustração do óbvio não ser o que se quer.
Mas qual o problema afinal do suposto recado? A tal da GenZ, essa nova geração, não precisa mais de Barbies, porque eles acreditam em si mesmo, nasceram empoderados, não precisam se submeter a ninguém e se amam. Isso não foi criado pela Barbie, mas pelo fato de uma comunidade digital que deu muito mais reforço positivo que avós que mimam seus netos.
E resta a nossa geração que olha essa geração nova com um misto de sentimentos: primeiro pena, que sabe que a vida da liberdade vai derrubá-los, porque a vida do capitalismo não é sobre sucesso, e sim sobre culpa e dor; segundo com um certo recalque, pois quem são eles para terem tanta confiança assim? Então vem o filme e tenta explicar, não sei se vai funcionar, mas é uma tentativa.
Foto: Warner Bros. / Divulgação
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