Por Fernando Rodrigues de Almeida
Me peguei com reminiscências de um passado sem redes sociais e sem internet e por um momento acreditei na nostalgia que tomava conta de mim. Por um momento confesso que a memória de um passado parecia fazer mais sentido do que o presente. Mas, felizmente, me coloquei como alvo da minha experiência.
Não há nada de novo, se hoje chamo de alienação as redes sociais e fortemente critico a formula de captação de massas nessas redes, justificando que elas inibem a crítica comecei a me forçar a lembrar o quanto a TV exercia esse papel quando do meu passado, a dificuldade que eu, jovem, tinha de abrir mão de uma tela hipnotizante na programação da tarde.
Quantas vezes me vi desesperado sem fazer o dever de casa em tempo hábil e deixando qualquer obrigação pra depois. Aliás, eu mesmo, já envelhecido no tempo e desconectado do presente ainda faço isso.
Passo tempo livre na frente da TV, coisa que o jovem não faz. Mas enquanto eu estou na TV ele está no TikTok. Então qual é a diferença?
Essa é fácil de responder: é a forma. a programação da TV não era on demand, tampouco era tão rápida como a atual, mas o problema da forma é justamente esse, ela engana, porque a forma nada é sem seu conteúdo, a forma é uma formula vazia que engloba qualquer sentido. E aí está escondido o problema, o sentido não mudou.
O sentido de refúgio, de apatia, de consumo alienatório da realidade. A forma do entretenimento é o calmante do exaurimento. E é um calmante bem efetivo, afinal, o problema não é a forma da alienação, mas é o conteúdo daquilo que extenua.
O problema não é o que nos aliena, nunca foi, o problema é o que nos faz ter necessidade de alienação.
A angustia e o exaurimento é o ponto que temos em comum, eu, meus pais, e os jovens, não importa se baby boomer, millenials ou GenZ, somos a mesma coisa em novas formas, quando jovens temos os mesmos problemas e as mesmas deficiências e quando adultos temos o mesmo cansaço permanente e as mesmas ansiedades constantes.
Inclusive, eu criticar o TikTok, nada mais é que reafirmar uma diferença inexistente, é a necessidade de manutenção da forma, da força da estética que finge diferenciar, escondendo a essência que marca a igualdade, uma igualdade triste, que todos fomos, estamos e estaremos cansados.
“O jovem não lê mais!”, o jovem nunca leu. “O jovem não tem mais paciência!”, o jovem nunca teve. “O jovem não se revolta mais!”, ele se revolta com aquilo que é a sua forma de realidade. “A musica hoje em dia é puramente comercial!”, ok boomer, porque Pink Floyd era muito Underground, quase um fusion jazz… por favor.
Aliás, Pink Floyd pode me ajudar aqui. No álbum de 1979, trabalhado num elemento extremamente conceitual por Roger Waters, temos o protagonista “Pink”, que está em um estado deplorável, consumido pelo muro construído pelos seus traumas e preconceitos formados pelo passado.
Ele não consegue mais ver saída porque está exaurido de si mesmo, porque no horizonte não se vê nada, não porque não tem, mas porque um muro dos conceitos acumulados em toda sua vida serviram de tijolos, que agora altos demais impedem o além.
Esse é um conceito muito parecido com a ideia de “horizonte sedimentado em preconceitos” de Martin Heidegger, mas por motivos óbvios, no “The Wall” é mais fácil de entender.
Esse é um tratado sobre nossa alienação, sobre nossa forma que muda mas, que o álbum de 1989 ou o livro de Heidegger de 1927, dizem a mesma coisa sobre o que você, eu, o velho e o jovem somos até hoje, murados da realidade formada da nossa exaustão, criticando o novo com a esperança que este também se esgote na sua forma. Porque dentro da forma, a necessidade do cansaço é a mesma.
O sentimento não muda, pois, seja seus pais ouvindo rádio, você vendo TV ou seu filho vendo TikTok, o sentimento de que poderíamos estar fazendo algo mais “útil” permanece em todos eles.
Foto: Freepik
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