Por Caio Henrique Lopes Ramiro
Inicialmente, observa-se que de algum tempo apresentam os cenários político e econômico do Brasil como em situação de crise. Ora, o que isso significa? Em uma perspectiva histórica o conceito de crise aparece entre os gregos na meditação de Hipócrates, o que se coloca em termos médicos como um diagnóstico de patologias, ou seja, assume o sentido de exame.
O imaginário romano apresenta a categoria conceitual em análise em sentido de critério. A questão colocada é interessante na medida em que problematiza o presente na busca de uma determinação patológica de nossos dias como estratégia de certa racionalidade instrumental.
Sem embargo, propõe uma reflexão sobre a política e o nosso tempo, o que implica em uma modificação do conceito para uso em termos de administração/gestão utilitária dos corpos e das vidas.
Ponto importante a ser percebido no discurso político é o da possibilidade de utilização da ideia de crise pela via de uma leitura de classes, bem como seu emprego para garantia de interesses privados – muito especialmente econômicos -, que invariavelmente são apresentados com as vestes do público e escondem seu caráter não republicano e antidemocrático.
Pode-se observar uma caracterização da concepção de crise como um argumento estratégico a fim de autorizar toda sorte de ataques contra direitos dos cidadãos, em especial os direitos sociais, cujo exemplo clássico é o direito do trabalho, fortemente impacto pela reforma trabalhista.
Parece acertado tal diagnóstico, contudo, não se pode perder de vista que o sistema do capital funciona em ciclos de crise, o que significa que podemos reconhecer a existência potencial de uma anormalidade estrutural do capitalismo.
Dessa maneira, pode-se avaliar criticamente o argumento contemporâneo que se fundamenta na ideia de crise – inclusive política e moral -, a fim de observarmos com Marx e, também, com Mészáros, que há uma “crise estrutural do sistema metabólico do capital”, o que nos autorizaria a negar o caráter pontual e episódico das crises do capitalismo.
Ao apontarmos para a possibilidade do reconhecimento de uma crise estrutural do capital não se quer de maneira alguma defender condutas reprováveis no sentido moral, jurídico e, do mesmo modo, político. A intenção é refletir a partir das seguintes questões: crise para quem?
O diagnóstico de anormalidade não é algo novo na história política internacional e nacional. Nosso interesse ao retomar Marx e Mészáros no que diz respeito ao argumento da crise estrutural é destacar que esse tema também foi algo central para forças políticas conservadoras e reacionárias e esteve fortemente presente na ideologia dos nacionalismos do início do século XX.
Após o fim da primeira guerra planetária (1918), mais especificamente no período entre as duas guerras, estabeleceu-se um panorama que autorizava o ataque mordaz as instituições e a regimes políticos identificados como liberais, como, por exemplo, a República alemã de Weimar, cujas consequências nacional-hitleristas não podem ser esquecidas.
No contexto brasileiro, a intelectualidade autoritária se manifesta acerca deste assunto no mesmo período – mesmo que com algumas divergências teóricas -, nas tintas de pensadores da estirpe de Alberto Torres, Azevedo Amaral, Oliveira Viana, Francisco Campos, Plínio Salgado e Miguel Reale.
Parece-nos de fundamental importância observar que uma das questões preferidas dos conservadores e autoritários é justamente a da crise, uma vez que em sua compreensão ela representa a desordem, a anarquia e o caos social, o que deve ser combatido e eliminado pela restauração da tradição, dos valores nacionais e da ordem.
Portanto, talvez seja possível reconhecer certa afinidade do modelo autoritário com a ideia de manutenção do conteúdo econômico capitalista e, no Brasil, inclusive, uma aliança estratégica para a modernização do país anos de 1930, o que sinaliza para possibilidade do Estado tomar a forma da empresa e, por conseguinte, de um liberalismo autoritário, isto é, a ideologia neoliberal se alinha tranquilamente ao regime ditatorial – como aconteceu em terras brasileiras no pós golpe de 1964 e, ainda, no Chile de Pinochet, abertamente apoiado por Hayek nos anos de 1970 -, desfazendo, assim, a ilusão que conecta umbilicalmente liberalismo e democracia.
O argumento de crise autoriza uma explicação mitológica e salvacionista – e para alguns irracional -, contando com a defesa do aparecimento de figuras enviadas pelo destino ou pela providência e detentoras de qualidades excepcionais, para por fim aos problemas políticos do país e, em alguns casos, do mundo.
Logo, parece importante em tempos sombrios a colocação das questões: em que pressupostos a crise foi e é interpretada? Quais os principais temas de seu diagnóstico?
Por fim, da conjuntura contemporânea do diagnóstico de crise há algo que se apresenta relevante – inclusive do ponto de vista da esfera política brasileira-, a saber: a retirada das sombras de forças políticas que no imaginário de alguns se encontravam vencidas no pós 1945 (fascistas, nazistas, etc), todavia, sempre estiveram em prontidão para uma nova aliança e, por aqui, desde que em nome da ordem e do progresso da já longa sombra da casa grande.
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