O renomado dramaturgo brasileiro e fundador do Teatro Oficina, José Celso Martínez Corrêa, conhecido como Zé Celso, faleceu nesta quinta-feira aos 86 anos, na cidade de São Paulo.
Zé Celso foi internado na unidade de terapia intensiva do Hospital das Clínicas após um incêndio em seu apartamento, no bairro do Paraíso, durante a madrugada de terça-feira, 4. O incêndio resultou em queimaduras graves em quase 60% do corpo do artista, levando-o a um estado crítico.
Zé Celso, considerado um dos maiores nomes da dramaturgia nacional e um dos principais representantes do teatro brasileiro, revolucionou a cena teatral com sua linguagem tropicalista e ousada.
Nos anos 1960, em plena ditadura militar, ele escolheu a anarquia oswaldiana como forma de desafiar a repressão. Juntamente com Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser, Amir Haddad e Ronaldo Daniel, Zé Celso fundou o Teatro Oficina, que se tornou um símbolo da resistência cultural.
Uma de suas produções mais icônicas foi “O Rei da Vela”, montada uma década depois da fundação do Teatro Oficina. Baseada no livro de mesmo nome escrito por Oswald de Andrade em 1933, a peça satirizou a política e o comportamento subserviente do Brasil em relação ao mundo desenvolvido.
Com Zé Celso na direção, os atores Othon Bastos, Etty Fraser e Dina Staf ironizaram os filmes da Atlântida, as comédias de costume e o tom empolado das óperas. Através de “O Rei da Vela”, Zé Celso rompeu com o estilo europeizado do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), atribuindo um novo significado à arte teatral brasileira.
O diretor também introduziu uma abordagem inovadora à atuação, rompendo com a tradição de sucessão de falas justapostas. Zé Celso trouxe um diálogo constante entre o elenco e a plateia, transformando o espaço cênico em uma ágora, onde diferentes linguagens se encontravam.
Suas peças buscaram desregular o moralismo conservador, incorporando elementos de nudez e escatologia como uma forma de agressão simbólica à ordem vigente. A transgressão tornou-se um elemento constitutivo da poética do Teatro Oficina.
O legado de Zé Celso se estende além do teatro. Ele enfrentou a censura e a perseguição do regime militar efoi preso e torturado em 1974. Exilou-se em Portugal, onde montou o espetáculo “Galileu Galilei”, baseado na teoria de Bertold Brecht. Somente em 2010, Zé Celso foi anistiado pelo Estado brasileiro e recebeu uma indenização significativa.
Nascido em Araraquara, no interior de São Paulo, Zé Celso começou sua jornada teatral como parte do grupo amador que eventualmente se tornaria o Teatro Oficina. Durante a virada da década de 1950 para 1960, o grupo se profissionalizou e conquistou reconhecimento encenando peças como “Pequenos Burgueses”, de Máximo Gorki, que traçava paralelos entre a Rússia pré-Revolucionária e o Brasil pré-golpe militar.
O Teatro Oficina, sob a liderança de Zé Celso, enfrentou diversos desafios ao longo de sua história. Um incêndio em 1966 destruiu o edifício original, mas foi reconstruído logo depois. Em 1991, a renomada arquiteta Lina Bo Bardi criou um novo projeto arquitetônico para a sede do grupo, com uma estrutura horizontal e uma plateia sentada em andaimes, proporcionando um espaço único para os acontecimentos orgásticos do Oficina. Em 2015, o prédio foi considerado pelo jornal britânico The Guardian como o melhor projeto arquitetônico do mundo.
Ao longo das décadas, o Teatro Oficina se tornou um centro de estudos da dramaturgia brasileira e formou diversos atores renomados, como Bete Coelho, Leona Cavalli, Esther Góes e muitos outros. Grandes nomes do teatro brasileiro, como Augusto Boal, Fernanda Montenegro, Marieta Severo e Zezé Motta, também passaram pelo Oficina em diferentes momentos.
Além de seu trabalho no teatro, Zé Celso teve incursões no cinema, assinando roteiros, atuando e dirigindo filmes. Sua adaptação cinematográfica de “O Rei da Vela” recebeu prêmios no Festival de Gramado, consagrando sua habilidade em trazer a essência do teatro para a tela grande.
A morte de Zé Celso representa uma grande perda para a cultura brasileira. Sua contribuição para o teatro nacional e seu compromisso com a liberdade artística deixam um legado duradouro. Seu espírito ousado, sua busca pela verdade e sua ousadia continuarão a inspirar artistas e espectadores por gerações.
Foto: Jennifer Glass – @jendoca/Reprodução
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