No Brasil há uma tendência em se ter a pesquisa em Ciências Humanas como mera perfumaria – frase que já ouvi diretamente de profissionais da academia, infelizmente – de forma que se tende a estigmatizar uma função teleológica para o pensamento.
Talvez isso seja uma tradição platônica que se adentrou na filosofia medieval e nós, brasileiros, herdamos – e insistimos no erro de fazer essa herança sobreviver – de um modelo lusitano de pensamento.
Afinal, Platão, utilitariamente, tomado pelo seu ranço quanto aos poetas, dizia que a sensibilidade era mera imitação que ludibriava o povo. Reflito que pouco mudou dos recalcados da prática em 2500 anos.
Isso quando se transfere para as ciências jurídicas se torna ainda mais sensível, uma vez que existe uma visão muito utilitária o serviço social do direito, uma elemento prático, funcional, de resultado. De tal forma, pesquisa pra que?
A tradição de pesquisa jurídica no Brasil, se concentra nos grandes centros, nos autointitulados intelectuais da prática, formadores de jurisprudência, quadros de estado, formadores da política. Fora desses centros há ma certa desconsideração em termos de pesquisa.
Porém nas universidades e programas de pós-graduação do Brasil se encontram pesquisas de altíssima qualidade, mas infelizmente, estes pesquisadores precisam se provar duas vezes mais do que os que se encontram em grandes polos universitários centrais e tradicionais, principalmente quando sua pesquisa é crítica, de fundamento, afinal, quem é esse sujeito interiorano para contradizer um tradição de prática judiciária?
Isso é interessante porque o trabalho do pesquisador é contradizer a si e aos outros, para que não haja prática baseada em nada. Mas afinal, que prática é essa do Direito?
Essa é uma pergunta que é muito cara para mim. Pois tenho que concordar que, infelizmente, boa parte da estrutura de formação em direito vem se vendendo como um curso prático, objetivo, tecnocrata, com foco em resultado, com projetos utilitários.
E longe de mim querer dizer o que se é certo ou errado em questão de educação jurídica, mas, pelo menos, posso dizer a visão que eu tenho do que é o ensino em direito, e, pelo menos esta minha visão, está longe de ser uma interpretação de uma área prática.
Pode parecer radical da minha parte, mas penso que é justamente a prática do direito que é secundária, isso porque o fundamento procedimental do direito, de acordo com os grandes teóricos que o pensaram da maneira como o direito é hoje, é uma forma vazia.
Todo o conteúdo jurídico que se tem dentro das formas procedimentais é “emprestado” da filosofia, da sociologia, da ciência política e de outras áreas que não a forma jurídica. Se direito fosse prático, sinceramente, não precisaríamos de operadores, bastavam as Inteligências Artificiais e esse trabalho seria feito sem grande dificuldade dos programadores. Direito se faz na forma, mas o resultado do direito não é forma. Essencialmente Direito é política, crítica e hermenêutica.
Um profissional prático no direito nada mais é que um burocrata, um despachante de conflitos. De outro lado, um jurista pensa criticamente e de uma forma muito complexa e universal, pois tem que ter, não apenas noções, mas domínio de áreas do pensamento que podem modificar sensivelmente a estrutura social e política.
Prática pode se aprender no uso, mas uma boa prática, que é o uso dos conhecimentos bem estruturados, metodologicamente testados e aprofundados só se faz por meio de uma educação teórica de qualidade, e para alcançar qualidade nessas condições, a pesquisa acadêmica é o caminho mais seguro, mais metodológico, menos contaminado com opiniões sem fundamento e pseudociência.
Obviamente é o caminho mais longo, muita leitura, aprendizagem lenta e nada imediatista, muitas aulas, todas presenciais, principalmente as áreas de humanidades que hoje em dia, por diversas instituições, são as primeiras a serem jogadas no modelo EaD, justamente por esse complexo do “prático” do direito que tanto discordo.
Então sim, o pesquisador trabalha com a pesquisa, mas um advogado sem pesquisa profunda não faz tese tampouco defende, apenas avaliza a burocracia judicial; um juiz sem pesquisa não julga, apenas reproduz uma tendência tecnocrata de um estatuto de poder preestabelecido; um promotor sem pesquisa não representa interesse público, mas representa uma opinião pública baseada em um elitismo de preservação de status quo. E assim por diante.
Os pesquisadores tem obrigação em produzir pesquisa, mas não para eles mesmos, mas sim para que toda a comunidade jurídica possa pesquisar, o trabalho de pesquisa é dar a cara a tapa para que possamos ser questionados e criticados, para assim enrijecer a crítica dos profissionais de direito.
Apesar de parecer estar em minoria em um panorama geral, acreditar e promover esse modelo de educação jurídica, é fazer que esse tipo de educação jurídica permaneça vivo e, para no fim das contas, termos a consciência tranquila que aqueles que optarem por discutir estas pesquisas, seja qual cargo ou função que ocupem na sociedade não serão tecnocratas, burocratas, utilitaristas, mas sim juristas, e tenho certeza que não sou apenas eu que penso assim, uma vez que a seriedade teórica e o crescimento crítico e intelectual, está em muitos juristas, que talvez falem mais baixo que os fariselóides predicadores do modelo utilitário do direito, mas é no silêncio e na voz baixa que plantam seu trabalho, que é a pesquisa.
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