Proposta pretende criar protocolo para comunicação de familiares de vítimas de acidentes fatais

Audiência pública realizada na Assembleia debateu a criação e implantação de regras para informar parentes de vítimas de óbito.

  • Foto: Valdir Amaral / Alep

    O Paraná pode se tornar referência na comunicação às famílias de vítimas fatais de acidentes de trânsito. Uma audiência pública realizada nesta terça-feira (23) na Assembleia Legislativa do Paraná debateu a criação e implantação de um protocolo integrado de comunicação aos familiares de pessoas mortas no estado. Proposto pelo deputado Goura (PDT), o encontro contou com a participação de representantes de órgãos de trânsito, de segurança pública, entidades de classe e especialistas. Os presentes discutiram a regulamentação de procedimentos para este tipo de comunicação, inédito no país.

    Durante a audiência, foi apresentada a proposta da minuta de um projeto que pretende estabelecer procedimentos para comunicação dos familiares de vítimas fatais decorrente de sinistros de trânsito a serem adotados pelos órgãos de segurança pública. A regulamentação tem o objetivo de estabelecer e padronizar, de forma integrada, procedimentos de comunicação.

    O texto determina que a comunicação deverá ser realizada por profissionais habilitados na função. Também coloca que os órgãos de segurança pública deverão conter, de forma independente ou integrada, uma equipe multidisciplinar especializada. Esta equipe deverá ser composta, por exemplo, de profissionais como assistentes sociais e psicólogos. Os termos iniciais do texto, que traz uma série de outros pontos, foram debatidos pelos presentes, que ofereceram de sugestões e alterações. Os apontamentos serão recolhidos pra aprimoramento da proposta.

    O deputado Goura reforçou a necessidade de criação de uma política pública, por meio de um protocolo humanizado, para comunicar os familiares de vítimas fatais. “É uma situação muito dramática e trágica que exige uma postura sensível por parte do poder público. Discutimos juntos quais os melhores protocolos para que essa situação seja contemplada. Avançamos bastante desde a proposta inicial. A contribuição de todos é importante para a criação de uma lei efetiva, humanizando o serviço público e avançando nos princípios da não violência”, disse.

    O delegado da Delegacia de Trânsito de Curitiba (Dedetran), Edgar Dias Santana, é o responsável pela elaboração do protocolo de comunicação. Durante a audiência, ele detalhou pontos do texto. “Diante da quantidade relevante de mortes que ocorrem no trânsito, o departamento da Polícia Civil solicitou que elaborássemos um protocolo de fluxo em relação à forma de se comunicar aos familiares das vítimas. Elaboramos este protocolo que visa justamente uma comunicação humanizada. Esperamos com isso trazer o mínimo de conforto para os parentes e familiares das vítimas fatais. Por isso, debatemos quem participará deste setor que será criado para que possamos estabelecer a logística e a dinâmica da comunicação”, explicou.

    Ele esclareceu que hoje, ao chegar a um acidente, o Dedetran isola o e aciona a Polícia Civil, que comunica o Instituto Médico Legal (IML). Após a identificação de testemunhas e a coleta elementos, há a elaboração ao laudo pericial. A partir deste momento a vítima fatal é identificada. Devido a este procedimento, poucas vezes é realizado o contato com familiares, que acabam sabendo dos acidentes por outras fontes, como imprensa, IML ou delegacias. “Nossos policiais não são treinados para esse tipo de comunicação”, comentou.

    De acordo com Santana, o protocolo estabelece de que forma deve ocorrer a comunicação. Segundo ele, o Estado deve proporcionar suporte e atuar imediatamente, comunicando o óbito e fornecendo todo o apoio emocional e orientando nas questões administrativas. “O protocolo deve colocado em prática de forma humanizada, célere e com dignidade”, destacou.

    Colaborações

    O secretário municipal de Defesa Social de Trânsito, Péricles de Matos, reforçou a importância de instituição de regras para comunicação das famílias. “O protocolo é importante para que o serviço público recupere a sua humanidade. Isso é de extrema importância, pois dá um atendimento humano a quem teve um trauma. Quando trazemos dados estatísticos referentes ao trânsito, precisamos levar que cada número que aparece nessa estatística é de uma vítima com família”, comentou.

    O superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Fernando Cesar Oliveira, definiu a questão como “complexa e ao mesmo tempo sensível”. “Os órgãos de segurança, assim como as equipes de resgate de salvamento e a imprensa, têm uma responsabilidade de tratar muito bem essa informação. É fundamental que a informação seja precisa e ágil e seja transmitida também de forma humanizada”.

    O tenente coronel Emmanuel Benghi Pinto, chefe da Seção de Planejamento e Operações do Corpo de Bombeiros do Paraná, lembrou que, nestes casos, a responsabilidade do órgão é de apoio, no regaste do cadáver, quando o corpo é entregue à polícia científica e ao IML para identificação oficial. “A informação à família só poder ser feita após a identificação positiva do corpo. Acho muito difícil o policial dar essa informação apropriada sem a identificação da Polícia Cientifica. Só após isso é possível fazer a busca ativa da família”, lembrou.

    O diretor operacional da Polícia Científica do Paraná, Ciro José Cardoso Pimenta, explicou que a reponsabilidade do órgão em toda esta questão é grande, pois a vítima de morte violenta tem de passar pela necropsia. Ele também reforçou que a comunicação só é possível após a identificação da vítima. “A partir de 2019, com a abertura de novas unidades da Polícia Científica, passamos atender in loco. A perícia vai ao local e dá subsídios para Polícia Civil investigar. Na maioria dos casos, quando as vítimas vão para o necrotério, as famílias já fizeram a identificação. Raramente um corpo chega sem identificação. Só poderemos fazer a comunicação após a busca ativa”, disse.

    A delegada civil e chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Camila Chies Cecconello, tratou dos procedimentos realizados no órgão. Já a Capitã Caroline Bail Rodrigues, chefe da Sessão de Assistência Social da Policia Militar do Paraná, falou sobre como a corporação atende aos polícias em contato com traumas.

    Entidades

    Muitas vezes, em casos acidentes com mortes, a imprensa é a primeira a identificar e noticiar as vítimas. Por isso, a diretora Executiva do Sindicato dos Jornalistas dos Profissionais do Paraná (Sindjor), Silvia Valim, disse que a cobertura da imprensa nestes casos deveria seguir o código de ética dos jornalistas brasileiros. “Em caso de morte, a família deve ser avisado por profissionais qualificados e não pela imprensa, como muitas vezes ocorre. Infelizmente, muitos meios de comunicação violam garantias constitucionais. Essas empresas passam por cima de procedimentos básicos, como saber se a família já tem a notícia, o que incorre em uma grave violação ética”, observou.

    A conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP), Ana Ligia Bragueto Costa, frisou a importância de uma abordagem humanizada. “Precisamos considerar que vivemos em um país violento. Por isso, entendemos que é preciso levar em conta essa situação na elaboração do protocolo em discussão. Empatia e o cuidado deve ser regra no trato com qualquer pessoa. Não há dúvidas de que a notícia da morte deva ser transmitida com preparo. Por isso, a reponsabilidade não deve ser designada à profissionais sem conhecimento específico e técnico”, afirmou.

    Já Marluz Lacerda Dalledone, presidente da Comissão de Apoio às Vítimas de Crimes da Ordem Dos Advogados Do Brasil (OAB-PR), destacou a importância da comunicação do óbito de forma integrada e humanizada. “O projeto é uma iniciativa louvável. O Estado deve minimizar o sofrimento das vítimas. Entendemos que a comunicação humanizada é dever do Estado e direito do cidadão”, encerrou.

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