Quem quer uma opinião?

Essa noção de propriedade subjetiva, que encontramos na opinião, parece não ser nada senão uma inversão da realidade, ou até mesmo uma ideologia.

  • Por Fernando Rodrigues de Almeida

    Todo mundo tem uma opinião pra dar, pelo menos é isso que estamos acostumados a pensar. Mas essa detenção, esse “ter”, essa noção de propriedade subjetiva que encontramos na opinião, se pensada com delicadeza, parece não ser nada senão uma inversão da realidade, uma percepção falsa, ou até mesmo uma ideologia.

    Opinião é um problema que não é novo. Platão tinha sérios problemas com a democracia ateniense e um dos motivos era justamente contar com a opinião pública como elemento central da forma de governo. Para tentar entender o porquê dessa posição filosófica, primeiro temos que entender que a ideia de “saber de algo” se dividia em três na língua grega.

    Primeiro tínhamos a “doxa”, talvez o conceito mais próximo de opinião, pois refletia apenas a experiência imediata das coisas que os olhos permitiam ver; depois vinha a “sophia”, em que essa experiência passava pela reflexão e o contato com o ambiente que a coisa se encontrava e por fim a “episteme” que deduzia o conhecimento a ponto de fazer ciência e complexificar desde as raízes aos fundamentos da coisa que experimentávamos.

    Dessa forma tínhamos graus de conhecimento, e a opinião era nada menos que uma percepção imediata, baseada nas percepções sem contestação e sem prova. Até o instinto, que tinha uma metafísica mais aprimorada estava em um patamar maior do que a opinião, pois ao menos era místico.

    Mas com o passar do tempo, a opinião começa a ter um lugar diferente, começa a ser colocado em um padrão inacessível. Albino Flaco já diria que a “voz do povo é a voz de deus”, e de certa forma isso poderia parecer um elogio, mas se observado duas vezes, deuses estão em um patamar sacro, e em contraste a humanidade, o tal povo, é bem físico, bem mundano, bem passível de erros, não é divino, não é uma potência invisível como diria Napoleão, isso porque, a priori, o tal povo é bem visível, que voz estranha essa, como diria Alexander Pope, que é tão divina que sequer se ouve. Diferente do clássico problema teológico do silêncio de Deus e a esperança em ouvi-lo nas entrelinhas, a voz das pessoas, cada uma, tem som, é possível ouvir em alto e bom som, tem um barulho ensurdecedor inclusive, não há nenhuma voz divinizada. Mas a quem interessa invisibilizar o grupo chamado povo.

    Essa tentativa de tornar a opinião pública algo inalcançável me parece uma ferramenta de manter a opinião pública em um patamar grego de doxa, não permitir um aprofundamento e uma contemplação das coisas, e fazer com que a opinião de cada indivíduo permaneça aprisionado em uma razoabilidade. Massificar por filiação a um povo místico que mal posso ver, mas basta ser sentido imediatamente.

    Essa opinião que não se vê, depende de ponto de vista e aceitação. Pensar em uma opinião pública como algo unitário é impossível, mas é possível pensar em algo binário, no livro “Psicologia Social” de Edward Ross, nos é apresentada a ideia que para a formação de uma opinião é preciso de um ponto que atraia a atenção geral, isso nos parece claro, pois nossa opinião sempre está ligada a algo que nos atrai, positiva ou negativamente, e é justamente esse binômio que vai permitir manter a opinião em um mesmo lugar sublimado. A partir desse ponto começamos pela reação imediata da “doxa” grega, observar o objeto e pela percepção imediata nos colocar atraídos pelo discurso de acordo ou desacordo, como diria Walter Lipmann no clássico “Opinião Pública”, depositamos naquele ponto de desacordos clichês e ideias estereotipadas da nossa percepção como compensação de filiação a um binarismo de ideias, o resultado é um posicionamento de acordo ou desacordo, do nós e eles, que não se trata de opinião, mas sim de validação de preconceitos, sustentados em um ponto de nada, que não se adquire senão na massificação, porque a partir dali precisamos de massificação de filiação, carregar e sustentar uma ideia de confirmação de preconceitos não se faz sozinho, precisa-se estar em grupo. E esses grupos filiados a ideias não justificadas, mas apenas confirmadas se unem, e se mistificam, e se tornam o povo, pelo menos do ponto de vista interno, se apresentam em uma universalidade sobre aquilo que se pode ver internamente, perpetuando as posições de opinião de grupo que sustentam os preconceitos, e reafirmam uma colocação.

    Não há opinião nenhuma, e a ideia sequer é sua, a partir de então qualquer questionamento é motivo de ira. Imagine como isso se desenvolve depois de décadas?

    Se hoje, temos uma possibilidade de filiarmo-nos de forma muito mais abrangente, em rede sociais, e com algoritimos que nos prendem cada vez mais em uma realidade limitada as opiniões confirmadoras de binarismo, como é possível exercer a tão sonhada “episteme” grega, conhecer ainda é possível?

    Foto: Freepik / Foto criada por @zinkevych

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