“Como limpar o vidro do box do banheiro?”, “receitas com sassami de frango” e “formas de dobrar roupas” são algumas das perguntas para as quais Amanda Alt, 31, já procurou respostas na internet. Até bem pouco tempo atrás, o lugar óbvio para fazer isso seria o Google, mas a gerente de projetos optou por um caminho aparentemente inusitado: o TikTok.
Popular entre os mais jovens, já faz algum tempo que o app chinês deixou de ser um “aplicativo de dancinhas”. Com vídeos curtos e espertos, o serviço passou a ser um repositório de conteúdo sobre praticamente qualquer assunto: de culinária e limpeza doméstica a autoajuda e conselhos para adolescentes desiludidos no amor. Em pouco tempo, a nova vocação do serviço passou a desafiar o Google naquilo que tornou a companhia em um gigante: buscas na internet.
“Um dia, percebi que estava indo primeiro ao TikTok para fazer buscas. Funciona muito bem para dicas domésticas ou receitas”, diz Amanda, que utiliza o app desde 2019. “O Google tem sido menos utilizado nesses casos, porque os primeiros resultados trazem informações repetidas ou são de conteúdos patrocinados que não me interessam.”
A estudante Sabrina Rocha, 23, concorda. “O Google traz muitas respostas contraditórias. Já no TikTok, eu posso ver vídeos e postagens de pessoas ‘comuns’ respondendo minhas dúvidas de forma direta”, conta ela.
Os criadores de conteúdo do app, claro, perceberam a tendência e passaram a recomendar serviços e produtos e a dialogar diretamente com o usuário, sem links e ou resultados patrocinados. “O maior diferencial entre o Google e o TikTok é a troca de experiências entre os usuários”, observa Sabrina.
Ameaça
É uma mudança de paradigma que pode estar tirando o sono dos executivos do Google. O novo hábito afeta diretamente o negócio da companhia, que se consolidou nos últimos 24 anos como o lugar favorito da internet para realizar qualquer pesquisa.
A empresa já reconheceu os novos ventos, vindos principalmente da Geração Z, os nascidos depois dos anos 2000. “Em nossos estudos, cerca de 40% dos jovens não vão ao mapa ou à ferramenta de busca do Google quando procuram onde almoçar. Eles vão ao TikTok ou ao Instagram”, disse Prabhakar Raghavan, executivo da gigante da tecnologia na área de conhecimento e informação, em evento organizado pela revista americana Fortune em julho passado. Segundo ele, as gerações mais novas querem conteúdo imersivo, com formatos “ricos”, como vídeos.
“Essa não é a primeira vez que uma companhia desafiou a ferramenta de buscas do Google”, explica ao Estadão Nikhil Lai, analista da consultoria americana Forrester. O Yahoo! e o Bing (da Microsoft) também estão na corrida, mas o líder permanece com mais de 85% da fatia do mercado há 10 anos. “Mas eu não considero esses nomes como desafiantes, e sim o TikTok.”
Briga de titãs
Nascido há 6 anos, o TikTok já é um gigante, com 755 milhões de usuários ativos mensais, segundo a consultoria eMarketer – a firma exclui da contagem perfis falsos e de marcas, por isso número é inferior ao 1 bilhão de contas comemoradas pela ByteDance (dona do TikTok) em setembro de 2021. Em dezembro de 2021, o aplicativo chinês foi o site de maior acessos no mundo naquele mês e superou o Google.
“O aumento do tráfego mostra como o TikTok continua se adaptando e fornecendo maneiras para os consumidores descobrirem produtos”, diz à reportagem o analista Greg Carlucci, da consultoria americana Gartner. “Mas ainda é muito cedo para avaliar o impacto direto que o app vai ter em todos os mecanismos de busca.”
De fato, os números indicam que o TikTok ainda tem um longo caminho a percorrer para atingir o mesmo patamar do Google. A plataforma chinesa soma quase US$ 6 bilhões em receita de publicidade no mercado americano, segundo a eMarketer. O valor é inferior aos mais de US$ 20 bilhões anuais que o YouTube, do Google, recebe em anúncios.
Isso, porém, não significa que o Google não esteja se movimentando para conter os avanços do novato. Em julho de 2021, o YouTube lançou o Shorts, serviço de vídeos curtos, verticais e rápidos – a inspiração no rival é clara. A ideia é que youtubers tenham as duas possibilidades no momento da criação, seja algo mais rápido, seja algo com minutagem mais longa. Vai caber ao usuário escolher o que deseja.
“Como o TikTok tem conteúdos menores e rápidos, não costumo fazer buscas no YouTube, apenas no caso de o app trazer um resultado insatisfatório”, comenta Sabrina.
Amanda faz uso semelhante. “Vou ao YouTube quando preciso de mais detalhes, como uma aula mais complexa ou algo que possua um passo a passo mais longo”, diz ela, que ainda não foi convertida ao Shorts.
Outra manobra do Google é a inclusão de vídeos de outras plataformas na ferramenta de buscas, e não só o YouTube. Agora, conteúdos do TikTok e Instagram começam a aparecer nos resultados de pesquisas da companhia.
A luta se justifica. “Buscas são a propriedade mais lucrativa do Google, representando 58% do total da receita da Alphabet (controladora da empresa) no primeiro trimestre deste ano”, aponta Lai, da Forrester. “O Google não pode se dar ao luxo de perder essa batalha.”
Estadão Conteúdo
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