Fernando Rodrigues de Almeida – Doutor, mestre e graduado em direito, coordenador do curso de direito da Faculdade Maringá, professor de direito constitucional e filosofia do direito
O dia 11 de agosto é marcado como o dia do advogado e sua origem se encontra intimamente ligada com a educação e formação jurídica. Isso porque neste dia em 1827 os dois primeiros cursos de direito – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco – foram fundados no território brasileiro.
É curioso que o dia da advocacia esteja intimamente ligado aquilo que baseia a existência desse profissional, justamente porque, de fato, não é somente advogados que são formados nos cursos de direito. Então porque relacionar a faculdade de direito de forma tão intrínseca à advocacia?
Ora, todas as carreiras derivadas dos bacharelados formados nas faculdades de direitos são essenciais ao funcionamento do estado e quanto a isso não se faz discussão. A preparação de quadros institucionais de exercício que formam-se como servidores públicos fazem com que um dos três poderes da república construa-se de maneira equilibrada e democrática. Com isso juízes, promotores, defensores, advogados públicos, analistas jurídicos, técnicos e demais serventuários da justiça estão diretamente ligados a formação de nosso estado e são essas figuras jurídicas, que saem das fileiras da academia jurídica que incorporam o funcionamento jurídico do estado democrático atuando diretamente na regra dos freios e contrapesos frente ao legislativo e ao executivo.
Mas veja-se o detalhe importante, nesse ponto temos um bacharelismo de Estado, algo como se o direito formasse quadros estatais, alimentando a maquina pública. Todavia, em meio a tudo isso se encontra um quadro, diametralmente oposto a formação institucional do Estado, que é o advogado.
O advogado é um símbolo jurídico muito específico, o advogado é, em si, diferente de seus pares do mundo jurídico, solitariamente humano, e essencialmente destituído do poder estatal, mas estatuído da responsabilidade de se colocar corajosamente frente ao estado. E isso não significa ser um anarquista ou um rebelde, mas apenas aquele humano que tem que se colocar em frente ao Leviatã para mostrar, apresentar, defender e lutar por interesses de outros humanos.
Esta é uma analogia, mas pensemos com cuidado que o Estado está aí como substituição das demandas de autotutela, para garantir a ordem social em uma abstração de poder que nos foi proposta para que sejamos livres e não agredidos pelo autoritarismo. Mas ao mesmo tempo esse mesmo estado, essa força abstrata, é um sistema em si fechado e complexo, em que muitas vezes seu ordenamento é confuso, complexo e desencorajador para que o sujeito comum possa até mesmo compreendê-lo, quanto mais não temer sua força.
O estado, ainda que democrático é um gigante perto do cidadão, a autoridade estatal, seja abstrata ou seja na sensação de seus representantes, gera em si, um temor reverencial que faz com que nós estejamos prostrados perante nossa inoperância do forças diante de tal Golias.
E essa força estatal, esse gigante ainda está ali nos dizendo o que é justo e injusto, conceito que por si, é tão delicado, que a importância da razão nunca pode explicar. Justiça se apresenta quase que na ordem da intuição, e quase nada como lógica. E como nós, pequenos frente a todo esse corpo republicano podemos demandar nossos problemas? Pois é, nos sabemos a resposta, o Hermes grego que é capaz de conversar com o deuses é no modelo republicano o advogado, é este sujeito que não é parte do estado que entra neste para defender sozinho a demanda de um cidadão sozinho.
Por isso quando ouvimos que a advocacia é essencial para a existência da democracia estamos falando do equilíbrio quase impossível entre estado e cidadão, mas que no acesso à justiça o advogado atua. Um profissional não-estatal, que entra no estado afim de controlar os autoritarismos de um conjunto ordenador tão forte como o Estado.
Parece uma profissão hercúlia, mas não é, caso sua formação for operante em relação a uma pergunta básica: o que é justiça? E é essa pergunta que deve caminhar os dez semestres que formará um bacharel em direito, para que se advogado vir a ser entender que solitário é frente ao estado, mas também carrega em si a força e o poder do argumento democrático, que resgata ao Estado qualquer dissociação de sua essência anti-autoritária que os iluministas nos apresentaram.
Não há advogado que entenda essa delicada questão que não tenha entendido nas fileiras da academia a importância da inquietação da justiça. O advogado milita sempre pela democracia, pois este sabe que só tem capacidade de conversar com o Leviatã pela via dessa forma política.
E talvez este seja o alarme. Em tempos em que a formação jurídica se faz presa em um vértice quantitativo; em que livros jurídicos se prestam a esquematizar e resumir conteúdos prometendo uma compreensão rápida; em que se cria a força do resultado prático e utilitário do diploma; em que fetichiza o código de leis, como se este fosse a única fonte de aprendizagem do direito – o que afirmo categoricamente que é o menos importante – e que, com isso convence seus acadêmicos a serem tecnocratas da operação jurídica, o que teremos de resultado por fim? Um juiz positivista? Um promotor punitivista? Serventuários da justiça automatistas? Se isso acontecesse seria uma catástrofe para o acesso a justiça de cidadãos. Mas se todos esses servidores estiverem embriagados pelo tecnicismo cético do juridicismo acrítico e, ainda assim, tivermos advogados militantes na crítica e na democracia, tenhamos certeza que o Estado e a democracia ainda funcionará.
Mas o problema é que, se a falha desses servidores públicos do judiciário foi a formação tecnocrata, as chances de termos um advogado burocrata é evidente, aí sim temos um problema sério, pois esse advogado burocrata não pensa em justiça e não atua senão pelo engenho redundante do próprio modelo burocrático, que não dá nada para o cidadão senão uma falsa igualdade de tratamento que na verdade vai matando aos poucos seu papel participativo no Estado, e por fim, mata a democracia. Sim, bacharéis mal formados são um risco para a democracia republicana.
Agora se a academia jurídica se despir do objetivismo utilitário, e pensar para além do códex, temos a formação para além do operador, temos o jurista, que nada mais é que um crítico, pensador do direito, questionador do objeto humano por trás da lei, defensor da participação democrática do povo e para o povo, fora da autoridade e dentro da participatividade.
A academia jurídica é responsável pelo advogado mantenedor do Estado Democrático.
Por isso, não é atoa que o dia do advogado é também o dia da fundação da faculdade de direito, porque é na faculdade de direito que o advogado é formado para essa sua função humana que não se faz nos artigos, incisos e alíneas da lei, mas no humanismo e na crítica. E por ser esse o profissional devemos aplaudi-lo de fato no dia de hoje, pois formar-se de tal forma deveria ser uma inspiração social e não um antagonismo. Parabéns aos juristas pela democracia, os advogados.
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