Desde os primórdios, cães e gatos são os reis da internet: eles geram memes, vídeos e imagens que variam entre o fofo e o divertido. Com o crescimento de Instagram e TikTok, porém, a fauna de bichos preferidos da web cresceu. Hoje, macacos, aves e até répteis disputam espaço nos corações de usuários de mídias sociais.
Em especial, são os primatas que têm estado sob os holofotes, com destaque para as espécies macaco-prego e macaco-rhesus. Nossos “primos” na linha evolutiva têm abastecido a rede com figurinhas de aplicativo, vídeos, GIFs e imagens estáticas engraçadas da mesma maneira que cães e gatos faziam há mais de uma década.
“Eles são os animais mais parecidos com a gente. Isso traz um carisma a mais, porque, de certo modo, dá para se identificar com o conteúdo”, conta o artista João Marcos Martins, 22, que utiliza GIFs de primatas nas redes sociais e possui figurinhas de WhatsApp para animar a comunicação.
A mania, claro, tornou alguns desses animais em “celebridades”. Talvez a mais conhecida delas seja Georgie, um macaco-prego americano de 12 anos que reúne quase 18 milhões de seguidores no TikTok com um carisma de dar inveja a muitos humanos – a morte dele, em junho de 2021, causou comoção nas redes.
No Brasil, uma dessas celebridades é Davi, famoso no TikTok com o perfil Macaco Capixaba, que tem 153 mil seguidores. O massoterapeuta Rafael Monteiro Cruz, dono do animal, conta que comprou o primata em 2017 em um criadouro em Santa Catarina, respeitando as normas do Ibama.
“Sempre postei conteúdos do Davi na minha página pessoal, e as pessoas falavam para criar uma página só para o macaco”, lembra ele – o perfil no TikTok nasceu em abril de 2021. “Às vezes, eu postava coisas sobre mim e os seguidores perguntavam sobre o Davi.”
FAUNA
É claro que a internet não vive só de macacos. Ao descer pelo TikTok, é possível encontrar diversos “nichos” da fauna digital, de animais da roça (Josenafazenda, Guridademencia) à vida silvestre (Tiago Jácomo).
Bichos supostamente antipáticos também têm espaço nos algoritmos Recentemente, tomou conta da internet a história da jiboia arco-íris Sylas: a cobra escapou do terrário em que vivia no bairro de Perdizes (São Paulo) e foi encontrada dias depois dentro do fogão da dona – ela estava não apenas saudável, como já ostentava fama nas redes.
Para o consultor em redes sociais Alexandre Inagaki, a expansão de nichos de “bichos influenciadores” é uma questão de concorrência. “Para se destacar em meio a milhões de perfis de cachorros e gatos, é natural que algum dono de ‘animal diferente’ tentasse transformar seu bicho na nova sensação do universo dos ‘pet influencers'”, afirma.
Essa é a história de Marcelo, a calopsita de 5 anos da estudante de Direito Jéssica Silva, 25 anos, moradora de Sertãozinho (SP). Quando adotou a ave, ela não tinha pretensão de transformar o pássaro numa celebridade das redes. Porém, conteúdos despretensiosos postados em grupos de Facebook logo explodiram. Hoje, Marcelo acumula 2 milhões de seguidores no TikTok.
Conforme a fama chegava para a ave, Jéssica notava o interesse de marcas em aparecer nos vídeos do animalzinho. “Nunca imaginei que eu poderia ganhar dinheiro postando fotos do Marcelo na internet”, diz Jéssica. “Esse é o dinheiro dele”, completa.
PROBLEMAS
Apesar do sucesso dos conteúdos, o assunto preocupa especialistas em bem-estar animal. Entre eles, há consenso de que boa parte das interações entre seres humanos e animais silvestres sequer deveria existir.
A principal crítica ocorre porque esses animais acabam vivendo sozinhos e em ambientes “humanos”, como casas e apartamentos. “É errado achar que cuidar de um macaco no colo, enchê-lo de adereços ou brinquedos e fornecer alimento de maneira facilitada seja tão bom ou melhor do que a vida na natureza”, diz João Almeida, biólogo da ONG World Animal Protection.
Caso um animal seja obtido de maneira legal, com aval do Ibama, há pouca coisa que pode ser feita do ponto de vista jurídico para evitar que um bicho vire celebridade nas redes. “A lei brasileira fala apenas de maus-tratos, o que é quase sempre interpretado como quando o tutor fere, agride ou deixa o animal sem comida”, explica Ivanira Pancheri, professora da disciplina de Direito Animal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Ivanira diz que as discussões sobre o tratamento de animais demoram a ter efeitos práticos. “Há toda uma questão de conscientização e sensibilização da sociedade também”, reflete. Ou seja, questões que já eram importantes em relação a gatos e cachorros ganham ainda mais força.
Cruz, dono do macaco Davi, reforça que o desafio é grande. “Requer muito trabalho, porque ele precisa de espaço e gastar muita energia.”
Estadão Conteúdo
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