Mujica e o Leão: Reflexões sobre fé, crença e humanidade

O ex-presidente da Argentina, Pepe Mujica, não tinha religião, mas tinha em seu peito valores e ensinamentos cristãos.

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    Por EDSON CALIXTO JUNIOR

    NÃO É PRECISO SER ATEU PARA GOSTAR DO EX-PRESIDENTE DO URUGUAI.

    Sou cristão, com raízes judaicas e aprendi desde cedo a valorizar e “replicar” os ensinamentos do Cristo. Embora protestante, sempre acompanhei com bastante atenção os atos e a postura do Papa João Paulo II e de alguns pregadores televisivos.

    Na adolescência, conheci o ateísmo e pensei: “tem que ter muita fé para crer num deus chamado tempo”. Com o passar dos anos, descobri a diversidade da fé. Tem gente que crê em tudo. Em animais, plantas, em outros deuses e até profetas não bíblicos que contrariam o Sola Scriptura de Lutero.

    Perto de completar 30 anos, tive a oportunidade de estudar teologia de forma aprofundada. Durante cinco invernos e muitos meses de leituras e estudo sistemático da Bíblia e dezenas de livros sobre hermenêutica, apologética e homilética, finalizei o curso com uma efusiva conclusão: D’us existe e revela Seu caráter ao se preocupar com todos os seres humanos (mesmo os que não creem nEle). Foi mais ou menos nesse período que ouvi falar pela primeira vez de um certo Jose Alberto Mujica Cordano. Ou simplesmente Pepe Mujica.

    As convicções que o ensino teológico me trouxe despertaram em mim algo que eu não admitia até então: qualquer pessoa pode estar no Paraíso independentemente de suas crenças. Quer dizer que mesmo um ateu como Mujica pode herdar o Reino dos Céus? Sim, porque o Evangelho que algumas denominações e correntes políticas observam, pouco tem a ver com a essência e com os princípios de Jesus Cristo. E é justamente neste ponto que Pepe Mujica “se credencia” à Eternidade.

    De forma irônica, outro ser humano, que viveu boa parte da sua vida a cerca de quatro mil quilômetros de Pepe acaba de ser entronizado pela Igreja Católica como “substituto de Pedro” em Roma. Robert Prevost era bispo no Peru no período em que Mujica governou o Uruguai. Enquanto Leão XIV ascendia ao trono papal, Mujica se despedia de amigos e familiares. Prevost é alçado ao estrelato da fé católica. Mujica sai da vida para entrar na história (parafraseando Vargas).

    A vida e a obra do ex-presidente uruguaio por si só, fala mais alto que o mais eloquente dos discursos proferidos em plenário pelos atuais parlamentares no Uruguai, no Brasil ou em qualquer canto do planeta. Você pode até não concordar com ele em algumas questões polêmicas, arduamente defendidas pelos progressistas. Contudo, em sã consciência, ninguém ousa falar do ser humano “Mujica”. E é assim que eu me despeço de um dos maiores exemplos que tive.

    Pepe renunciou a todo esplendor, toda a suntuosidade do cargo durante sua existência. Atravessou gerações defendendo o que é certo, o que é íntegro, lutou pela democracia como poucos e morreu com uma frase emblemática: “Deus não existe. Mas espero estar errado.” Mesmo sem conhecê-lO, Mujica tinha em seu peito valores e ensinamentos cristãos, como a igualdade, a justiça, a honestidade, a humildade e o desprendimento das coisas materiais.

    -Descanse em paz, Pepe!

    EDSON CALIXTO JUNIOR é escritor, teólogo e jornalista. Trabalhou na Rádio CBN, Diário do Rio Doce e Rede Novo Tempo de Comunicação. Foi assessor de imprensa na Assembleia Legislativa do Paraná (2003 – 2010). Atualmente é servidor público federal.

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