Uma das minhas coisas favoritas sobre tecnologia, como uma parte da nossa sociedade, são as coisas não-diretamente tecnológicas, mas culturais, que emergem das limitações e capacidades das tecnologias que estão em uso.
Por exemplo, a ‘pausa millennial’, um curto tempo de espera no começo de um vídeo gravado, que é observado nas gerações X e Millennial, mas não nas gerações Z e Alpha, produto das mudanças em tecnologia de câmera, que outrora levavam alguns segundos para estarem prontas para filmar, mas que hoje não precisam mais desse tempo de respiração.
Um outro exemplo – Você já abriu um blog ou site e viu que posts estavam com a data “1 de Janeiro de 1970”? (Houve uma época que isso acontecia aqui mesmo no Maringá Post!) Se já viu, talvez tenha se perguntado a razão. Acontece que computadores costumam contar o tempo com o que se chama Unix Epoch, uma medida de tempo que é representada por um único número, que conta os segundos e começa em 1/1/1970, às 00:00 01’. Por padrão um campo em branco em um banco de dados ganha o valor ‘0’, e se isso acontece no campo de tempo… Bem, você entendeu.
Mas hoje eu quero lhes contar sobre uma dessas curiosidades presentes no espaço onde a tecnologia e a cultura se misturam, uma que deixou de ser relevante muito antes até mesmo de eu nascer, mas que ainda assim me fascina. É a história de etaoin shrdlu. Parece um arranjo aleatório de letras? Não é. Bem. Meio que é sim, mas há uma história por trás dele.
Esta coleção aparentemente aleatória de letras apareceu em materiais impressos como livros, jornais, e revistas por décadas – E então, sumiu. “Do nada.”
Tudo começa com uma tecnologia, neste caso, a máquina de Linótipos:
Esse dispositivo usava metal derretido para gerar blocos de letras, prontos para serem montados em uma prensa e impressos em papel. Ele era mais rápido que o método de tipos móveis, que existia desde a renascença. Por razões mecânicas, o teclado destas máquinas tinha uma ordenação bizarra de letras.
Uma outra consequência de limitações mecânicas era que não tinha como voltar atrás: Se você cometesse um erro de digitação, teria que terminar a linha e começar de novo. É aí que etaoin shrdlu entra em cena. Para marcar uma linha ‘errada’ para seu colega, o digitador na máquina de linótipos passava a mão pelas primeiras duas colunas do teclado, colocando uma sequência familiar e sem sentido na linha.
Mas bem. Erros acontecem, então por várias vezes, ‘etaoin shrdlu’ acabou aparecendo em material impresso (a primeira imagem deste artigo é de um Boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, de 1928, provando que isso acontecia aqui no Brasil também).
E inevitavelmente, porque pessoas são pessoas e sempre foram, acabou virando piada interna para quem trabalhava no meio. Descrito como um “fantasma”, um espectro que assombrava exclusivamente os tipógrafos.
Inevitavelmente, no entanto, Etaoin foi exorcizado. Este fantasma chamado pela tecnologia foi mandado de volta para o além, claro, não por um sacerdote – Mas por uma máquina de xerox, e eventualmente, um computador.
Uma vez que métodos mais avançados de diagramação de página e impressão em massa apareceram, as limitações técnicas eram outras, e portanto, etaoin shrdlu lentamente desapareceu. Em 1978, ano em que o New York Times imprimiu seu último jornal escrito com máquinas de linótipo. Na ocasião, um documentário foi produzido: “Adeus, Etaoin Shrdlu”, que foi lançado dois anos depois, em 1980.
Mas por que eu escrevi isso, fora revelar uma curiosidade que eu acho divertida?
Bem. Estamos em um momento de transformação tecnológica que para mim é tão confusa e assustadora quanto a chegada do computador deve ter sido para os meus pais. E eu acabo me perguntando qual será nosso ‘etaoin shrdlu’. Qual aspecto da nossa cultura que nós nem pensamos que é definido pela tecnologia, e que vai desaparecer com a mudança dessa tecnologia.
Por Vitor Germano para o Maringá Post.
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