Por Fernando Rodrigues de Almeida
Há algo nos estoicos que me encanta. Nos estoicos maltratados pela contemporaneidade, que transformou Zenão e Sêneca em coaches do autocontrole. Mas o que me encanta é aquilo que contradizia Aristóteles: a ideia de Apatia.
Talvez o tempo tenha também prejudicado a palavra apatia, dando a ela esse sentido contrário ao altruísmo, ou como uma insensibilidade, mas em um olhar mais profundo, o que se refere é sobre a ausência do πάθος (Pathos), ou seja, uma ação deliberada de retirada de si do que entendemos por paixões.
É muito difícil, provavelmente, para nosso tempo pensar nessa ação de não-agir, porque as paixões são o movimento da potência que se encontra em nossa carne. E talvez não houve na história tempo mais dinâmico que o nosso e se toda essa dinâmica é imparável, como seria possível pensar em, por vontade, negar o movimento, em não agir?
As paixões quando estão ligadas ao movimento só podem resultar em algo desordenado, novamente contra Aristóteles, a prudência não acompanha o movimento, a paixão como ação é fora do controle do agente, Denis Diderot comparava essa ação ao orgasmo, por ser nosso mas não poder ser mensurado pela vontade. A vontade se encontra antes, na decisão de agir, o que vem depois é surpresa.
Se na dinâmica de nosso tempo o movimento é a regra, por consequência, a ação deliberada é uma obrigação. Somos escravos da ação, somos condicionados ao movimento. Devemos nos posicionar, devemos opinar, devemos produzir, devemos consumir. O problema da ação é que esta é uma deliberação que inclui a paixão e a paixão não é nossa.
A paixão acompanha um paradigma, a paixão defende um oposto a algo, a paixão se submete a algo a ser carregado pelos braços. Sendo assim o posicionamento deve se opor a outro, a opinião deve contestar a outra, o produto deve superar o outro, o consumo deve marcar uma compreensão e estilo de vida. A paixão não se comunica com a verdade, ela se comunica com algo de fora para dentro, com algo público, nunca íntimo. Se o mundo é dinâmico e a ação é a regra para que o movimento permaneça, não se sabe nada sobre a ação, só se sabe sobre a reação.
O que pode se opor a imprevisibilidade da ação é justamente a inação. E por inação devemos ter a ideia de um não-fazer deliberado. Esse não fazer por vontade impede o movimento, impede a ação, reage a ação antes da ação. Movimenta a potência para impedir sua concretização. A inação é o fundamento da contemplação.
Contemplar permite que haja a exceção da paixão, essa que se submete ao público. Contemplar permite que o que é próprio, o que é intimo seja observado, e não aquilo que se carrega com os braços. A apatia não é a insensibilidade, é a prudência sobre a sensibilidade. Porque no fundo todas as coisas não são determinadas em si sobre o fundamento da paixão, mas sim pela complexidade da potência. A paixão em si, antes da ação, apresenta-se como potência pura, que significa muito mais do que sua ação, é densa e multifacetada, confusa e polidirecional. A ação a reduz num elemento de oposição, a contemplação a amplia em conhecimento.
A tragédia se repete não pelo pendulo da história, mas pela paixão sobre a história. A revolução não se faz pela oposição, mas sim pela contemplação de um tempo não-mecânico, um tempo messiânico, fora do tempo, fora da ação, fora do movimento. A mudança só se faz na ação, se foi apático por tempo suficiente para ter consciência sobre o espírito que essa mudança carrega e ignorar a página monocromática da história dos vencedores.
Foto: Freepik
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