Por Caio Henrique Lopes Ramiro
O antifascismo tem sido um tema recorrente nesta coluna. Acredito que não seja necessário justificar a importância da temática. Ao longo de alguns dos textos, buscou-se apresentar personagens que dispuseram sua vida na luta contra o fascismo. No presente escrito, apresenta-se o mesmo horizonte, contudo, o fascismo nos impõe a lembrança de uma data de morte. Trata-se do mais do que conhecido Walter Benjamin, que tirou sua própria vida em Port Bou, cidade fronteiriça entre a Espanha e a França, na noite de 26 de setembro de 1940.
O presente escrito pretende marcar uma singela homenagem, no sentido de uma memória da importante contribuição deixada por Benjamin em seu legado filosófico e de teoria crítica. Ele viveu no tempo e no contexto da Alemanha da República de Weimar (1919-933), ou seja, no mesmo período histórico de Clara Zetkin, momento ao qual já foram dedicadas algumas linhas neste espaço.
O momento weimariano é não só conturbado, mas, também, bastante rico do ponto de vista cultural, para citar alguns nomes, nesta quadra da história alemã estão alguns amigos e colegas de Benjamin como Hannah Arendt, Gherson Scholem, Bert Brecht, Theodor Adorno e Max Horkheimer. Ainda, vale lembrar de proeminentes intelectuais como Albert Einstein, Edmund Husserl, Ernst Cassirer e Thomas Mann.
Não obstante, é interessante notar que há certa controvérsia acerca do real interesse de Benjamin pela filosofia política, ou, ainda, pela política real. Há estudiosos – como Stephen Bronner -, que chegam a afirmar o tom em alguma medida ingênuo com que Benjamin fez a leitura da conjuntura de seu tempo.
Em algumas oportunidades e escritos maiores já apresentamos nossa discordância deste ponto de vista, pois, ao que nos parece, há uma contribuição de crítica ao fascismo legada pelo filósofo de Berlim. É importante considerar que controvérsias em torno do personagem não faltam, uma vez que os rótulos vão desde observador algo genial; dialético medíocre; teólogo ou, ainda, místico judeu.
Como não há pretensão de ingressar nas polêmicas, nesta pequena nota tomamos de empréstimo a caracterização da professora Jeanne Marie Gagnebin que afirma que a vida e a obra de Walter Benjamin são tributárias daquilo que ela define como um fracasso exemplar.
O fracasso pode ser visto tanto na vida amorosa, quanto na trajetória profissional de Benjamin e, além disso, seus trabalhos foram encarados por ele mesmo como “pequenas vitórias” e “grandes derrotas”. No entender da professora Jeanne Marie Gagnebin o fracasso é exemplar porque testemunha a dificuldade de sobreviver “sob o fascismo sem se renegar”. Isto é, a vida de Benjamin se coloca na chave do que vem sendo apresentado neste espaço, isto significa dizer, trata-se de uma vida antifascista.
Nosso tempo também é o do domínio da exceção. E, neste momento, conforme nos alertou Walter Benjamin – nas suas famosas Teses sobre o conceito de história -, torna-se possível verificar com mais clareza o choque das perspectivas históricas, ocorrido entre a tradição dos vencedores e a dos vencidos.
No entanto, no que diz respeito a esta última, apresenta-se necessário à construção de uma memória dos oprimidos para que possam melhor se posicionar na luta política, em termos de Benjamin, inclusive, na batalha contra o fascismo. Não parece fácil uma tarefa que tem por objetivo a construção da memória.
Para falar com Benjamin, não parece arbitrário ver em nosso tempo a imagem da aquarela de Paul Klee – o Angelus Novus -, de que tanto gostava o filósofo de Berlim. Na imagem, o Anjo da História é empurrado para frente pela forte tempestade do progresso e, olhando para trás, sem poder voltar, chora, tendo em vista a catástrofe e os destroços que se acumulam até o céu.
Assim, no cenário alemão após o fim da Primeira Guerra Mundial, Benjamin defende a hipótese de que o capitalismo se tornou uma religião, uma vez que “está essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta”. Para os nossos dias, talvez o ponto fundamental para pensar com Benjamin é o do reconhecimento do capitalismo como uma religião que se mostra implacável, em certo sentido, a mais feroz e irracional das imagens do espectro religioso, na medida em que não conhece redenção e nem trégua.
Portanto, neste dia 26 de setembro de 2023, registra-se, como lembrança laudatória, que Walter Benjamin ainda pode nos ajudar na luta contra o fascismo, em especial o Angelus antifascista, que nos convida a ponderar criticamente a crença no progresso técnico, para que não voltemos a cometer o erro de compreender que a História está a nosso favor (Progresso) e, menos ainda, a encarar fascistas e nazistas como os últimos espasmos irracionais de um capitalismo que contemporaneamente não está à beira da morte, como não estava 83 anos atrás, isto é, em 26 de setembro de 1940.
Foto: guatafoz.com.br
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