Clara Zetkin e o Antifascismo, cem anos depois (III): Entre promessas e contradições

Na coluna desta semana, entenda as contradições e as promessas vazias do movimento fascista, na visão da pensadora Clara Zetkin.

  • Por Caio Henrique Lopes Ramiro

    De saída, salienta-se que os ensaios sobre Clara Zetkin e a luta contra o fascismo encontram seu termo com este escrito. Por óbvio, o texto da pensadora alemã permite outras abordagens, contudo, o intento foi o de divulgar seu ideário, considerando os cem anos da publicação de A luta contra o fascismo.

    Neste sentido, destacam-se dois movimentos do argumento de Zetkin que visam apontar as promessas e contradições do fascismo. A pensadora alemã lança mão de várias questões para examinar a conjuntura italiana e alemã, cenários de atuação fascista nos idos da década de 1920.

    Não obstante, a questão central colocada por Zetkin é a seguinte: “o que o fascismo prometia, em termos políticos, quando surgiu como Sansão com cabelos soltos e selvagens?”

    A partir de tal problematização, Clara Zetkin enfatiza que o fascismo prometia a reforma do direito de voto e da representação política proporcional, o que foi bem recebido pelas massas trabalhadoras.

    Contudo, nada daquilo que foi prometido foi entregue. Ressalta Zetkin, por exemplo, que Mussolini prometeu o direito de voto ampliado, incluindo o voto feminino, com a possibilidade, inclusive, de exercício de mandatos eletivos.

    No entanto, entre 12 e 19 de maio de 1923, aconteceu em Roma o IX Congresso da Aliança Internacional pelo voto feminino, oportunidade em que Mussolini se fez presente para informar as mulheres “com um doce sorriso que elas obteriam o direito ao voto, mas apenas para os conselhos municipais”.

    Ainda, o líder fascista, sem tirar o sorriso do rosto, esclareceu que “nem todas as mulheres ganhariam direitos às eleições municipais; apenas aquelas que conseguissem provar certo nível educacional, além de mulheres com ‘medalhas de guerra’, e aquelas cujos maridos possuíssem um bolso suficientemente grande para pagar uma certa quantia em impostos”.

    Ora, logo se nota que se trata de uma promessa vazia, uma vez que não há inclusão no sentido de reconhecimento do sufrágio feminino em sentido universal. Além disso, como foi a pauta fascista no que diz respeito aos direitos sociais?

    De acordo com Clara Zetkin, novamente existiu muita retórica, todavia, os fascistas, força de reação burguesa em seu entendimento, pavimentaram o caminho para o desmonte dos direitos dos trabalhadores.

    Neste sentido, bom exemplo se retira da questão ligada à jornada de trabalho. A promessa foi a de proteção a jornada de oito horas e fixação do salário mínimo aos trabalhadores industriais e agrícolas.

    Na prática, a legislação proposta e defendida pelos fascistas “possui uma centena de exceções para a jornada de oito horas e conclui permitindo ser ignorada em determinados casos”.

    Ainda, no que diz respeito ao salário mínimo, Zetkin ressalta o aumento da resistência patronal devido à atuação das corporações fascistas para a destruição dos sindicatos, o que significou uma defasagem salarial que chegou até 60% em algumas categorias.

    Assim, verifica-se que o fascismo pode ser compreendido, nos termos de Zetkin, como uma força de reação da burguesia e sua atuação se coloca no sentido de prejudicar os trabalhadores e trabalhadoras, garantindo a selvageria da exploração do trabalho sem limites.

    A contradição fascista pode ser ilustrada, no entender de Zetkin, pela tentativa de unificar burgueses, liberais, republicanos e democratas em uma pauta conservadora. Para a pensadora alemã além de uma grave contradição, o projeto fascista falhou.

    Assim, Clara Zetkin entende que algumas dessas forças, como os democratas e alguns liberais, vieram a romper com o ideário fascista dado à violência e a sede de poder de Mussolini e de seu partido.

    Por fim, Zetkin ressalta que para além das contradições existentes no interior do projeto fascista, importa considerar a luta de classes como a maior das contradições, uma vez que esta última não pode ser escondida “por manobras organizacionais e sermões pela paz social”.

    Portanto, as contradições de classe superam todas as ideologias que pretendem negar sua existência, o que implica que estas “contradições encontram expressão apesar do fascismo, aliás, graças ao fascismo e contra ele”.

    Logo, de acordo com Zetkin o fascismo se apresenta como um defensor do proletariado e de suas pautas. A pensadora e política alemã propõe que estejamos atentos ao caráter social e popular do fascismo, uma vez que este último também é um movimento dos “famintos, daqueles que estão em sofrimento, dos desiludidos, daqueles que estão sem futuro”.

    De tal modo, a tarefa política consiste em expor a real posição dos fascistas, uma tropa de assalto da burguesia que tem por inimigo os trabalhadores e trabalhadoras e suas organizações representativas.

    É preciso arrancar a máscara do provocador fascista.

    Foto: akg-images/picture alliance

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