Extraterrestres, estrangeiros e o medo das entidades desconhecidas

Descubra o que o terror e a desumanização da figura do extraterrestre pode nos ensinar sobre o lado sombrio da humanidade.

  • Como todo cético, também tenho meu elemento sobrenatural favorito, que apesar de negar que acredito por força de um cartesianismo, no fundo, olho para o céu esperando avistar o inavistável. No meu caso são os extraterrestres.

    No tempo em que estamos, interessados em ufologia vivem o momento, novos elementos sobre o tema vem surgindo, inclusive até com o nome do objeto de estudos foi modificado de Unidentified Flying Objects (UFOs) para Unidentified Aerial Phenomenal (UAPs), colocando um holofote mais “científico” ao conceito.

    Mas, apesar de interessado nesse assunto, não posso tirar da minha vista que essa máscara cientificista que envolve esse fenômeno esconde todo o caráter mitológico.

    O interesse não está no fenômeno, mas justamente no extraordinário e, principalmente, no desconforte e terror do que o desconhecido, desumanizado, de fora, fora do controle, pode nos causar.

    A figura do extraterrestre carrega em si esse legendário muito peculiar, está associado a essa figura interplanetária, que à primeira vista é superior a raça humana, tanto em tecnologia quanto em cognição, consegue atravessar anos-luz e chegar a nós com objetivos ininteligíveis.

    Quando do contato imediato de terceiro grau a barreira aterroriza ainda mais, a comunicação não é possível, não há linguagem conhecida, a lógica difere impossibilitando prever seus movimentos, bem como sua forma humanoide não permite o reconhecimento. Eis o terror.

    Porém, no fim das contas, por mais que sejam superiores em tantos termos, não são humanos, e essa característica permite que a humanidade os vença sempre, pois acima de tudo humanos são estes que podem sempre se superar.

    De tal forma a própria forma de comportamento do alienígena pode até ter suas vantagens, mas sua desumanização o coloca como um ser inferior a humanidade, independentemente de qualquer coisa que o pertença como ser. O fato da necessidade do heroísmo contra o extraterrestre é condição natural da superação do terror, somente há heroísmo na derrota do inimigo não humano.

    Se nos concentrarmos com um olhar atento a toda essa descrição alienígena, pode nos lembrar outras mitologias, que talvez nos faça pensar que o terror nunca foi vinculado ao E.T., mas sim ao próprio mito. A desumanização de sujeitos e o terror imposto a sua presença é uma constante humana.

    Seja quanto aos persas em relação aos gregos, seja quanto os nativos do novo mundo em relação ao desbravador, seja quanto ao leste europeu, como na figura do Conde Drácula, em relação ao Europeu.

    Mas há muito mais em comum, em termos místicos e psicológicos, para fazermos relação entre estes sujeitos. Pois afinal estamos falando de colonialismo.

    O colonizador precisa necessariamente de um projeto de desumanização para fundamentar sua legitimidade de colonização.

    Fica a recomendação aqui do Texto de Montaigne, chamado “dos canibais”, que vai nos dar a comparação entre os indígenas e europeus, e concluir que a diferença de um para o outro é nada mais que o uso de calças, entretanto, a narrativa de desumanização do “bárbaro” legitima o fato de que o europeu é mais humano que o outro.

    Outro pensamento que também podemos lembrar da obra “Folk Devils and Moral Panics” escrito por Stanley Cohen, um clássico que explora o fenômeno das ‘pânico moral’ na sociedade. Cohen analisa como certos grupos ou comportamentos são rotulados como ameaças perigosas para a ordem social, desencadeando uma reação exagerada e irracional.

    Ele examina como essas ‘fadas do povo’ são construídas pela mídia e pelas instituições sociais, influenciando a percepção pública e resultando em políticas punitivas. O livro oferece uma análise crítica e perspicaz das dinâmicas sociais que sustentam os processos de estigmatização e controle.

    O que segue a mesma tendência do colonialismo do novo mundo, mas não para conquista, mas para a manutenção da desumanização. Veja-se mesmo no Brasil, a rotulação de religiões de matriz africana, por exemplo, tidas como satânicas, em um apelo moral maniqueísta de manutenção de subcategorias ideológicas de humanidade.

    Isso não acaba aí, tivemos teorias eugenistas contra população negra e a moralização de gênero; tivemos a criminalização da cultura suburbana; tivemos a desumanização de povos do oriente médio.; tivemos a cultura do punitivismo social pelo estereótipo do bandido relacionado à classe; tivemos a sub-humanização de países subdesenvolvidos – que assim o ficaram graças a própria colonização. Entre tantos outros. A prática da desumanização é uma prática cultural de dominância.

    Chega então a ideia do alienígena, uma ideia karmica. Se desumanizamos e colonizamos tantos povos e se houver um outro povo que nos colonize? Seriam eles tão violentos quanto nós, seriam eles tão impiedosos quanto nós seriam eles capazes de nos desumanizar?

    Seríamos nós tratados como indígenas, negros, LGBTQIAP+, mulheres, povos em hipossuficiência econômica, países subdesenvolvidos? Já imaginou o medo do colonizador em saber, apesar de sua consciência recalcada, que a qualquer momento pode ser ele o colonizado?

    Imagem: Freepik / Foto criada por @kjpargeter

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