Cria-se uma permissão de que sim, eu posso participar da igreja; porém, com ressalvas. Deus ama você, mas não o seu pecado. Mas quem foi que disse que ser gay é um?
O mês de junho, que divide o ano em dois semestres, é o mês do Orgulho LGBTQIAPN+ no mundo inteiro.
Afinal, foi em 28 de junho de 1969 que, no subúrbio de Nova York, a truculenta polícia da cidade invadiu o Stonewall Inn, clássico bar que, na época, era espaço seguro para que as diversidades pudessem conviver em paz (até aquele dia);
O assunto deste texto não é necessariamente esse, então, sem me alongar muito, deixo a indicação de A morte e vida de Marsha P. Johnson, na Netflix, documentário que traz a história de vida de Marsha e tantas figuras que, há 54 anos, deram voz na pavimentação dos caminhos que nos trouxeram inclusive aqui, nesta coluna, onde é possível falar abertamente sobre diversidade, inclusão, respeito e direitos da nossa comunidade.
Depois disso, história. Porém, como nem tudo na vida pode e é perfeito, o exato mesmo mês de junho, todo ano, recebe a asquerosa visita de quem? Se a sua resposta foi “daqueles que transformam a palavra de Deus em ferramenta de ódio”, bingo: você acertou.
A receita é clássica: uma tempestade de líderes religiosos (e aqui, eu abro um adendo bastante específico para a corja de pastores, que vão desde André Valadão, passando por Yago Martins e chegando aos mais “descolados”), todos usando a palavra de Deus à bel-prazer, desembarcam o caminhão de imbecilidade que guardam dentro das próprias mentes, escoam pelas próprias bocas e compilam em um discurso raso e nada preocupante, muito pelo contrário: totalmente patético.
“Ah, mas você não pode generalizar, nem todo pastor/padre pensa assim”. Pensa, sim. Pensa e não só pensa, como leva esse pensamento para a realidade de milhares de pessoas, todos os dias, quando exalam o mais alto nível de preconceito do mais alto de seus púlpitos.
Qual é o incômodo que a gente gera na vida dessas pessoas? Eu me boto a pensar que, na igreja desses caras, realmente não deve haver nenhum outro problema mais interessante do que cuidar das nossas vidas e das bocas que nós beijamos.
Aqui, não excluo também a participação quase que tentacular da Igreja Católica Apostólica Romana, da qual fui nascido e criado, batizado e coroinha, com primeira comunhão e crismado, com mãe coordenadora de catequese. Eu sei do que eu estou falando.
Inclusive, viralizou neste mês, por meio de uma publicação no Instagram do Padre Júlio Lancellotti – que, particularmente, enquanto pessoa, tem meu extremo apreço – onde uma fala do Papa Francisco diz que “uma igreja seletiva não é uma igreja, e sim uma seita”.
Lindo no discurso, porém, fraco no argumento: ao passo que essa mesma igreja diz que te aceita, porém, não te permite participar do momento imaculado mais sacramental de uma celebração, que é comungar do corpo de Cristo pois, na visão da igreja, “Deus ama o pecador, mas não o pecado”, ela segrega. Que bendito pecado é esse que tanto se fala, mas nunca se prova?
E nossa, particularmente não perca seu tempo me dizendo que em Levítico 18:22, livro do Velho Testamento, diz que “com homem não te deitarás como se fosse com mulher, pois abominação és, e deverão morrer os dois” pois:
- o Antigo Testamento não existe mais;
- no mesmo capítulo, nos versículos anteriores, as proibições vão de comer carne de porco até cortar o cabelo e a barba, passando pela acusação de impureza de uma mulher que está em seu período menstrual;
Assim como a Lei da Vadiagem e o Excludente de Ilicitude no Brasil, quando se detém uma ferramenta importante nas mãos, como é a Bíblia, as pessoas que a escreveram, publicaram, traduziram, espalharam e manipularam também usam da própria ferramenta para convencer.
Sabe quando, no mundo corporativo, alguém de um cargo inferior na hierarquia vai pedir alguma coisa para outra pessoa, e ela não tem boa recepção, mas quando um líder (ou pessoas de cargo mais alto) pede a mesma coisa, há um respeito? É isso: falar por si mesmo, não tem ação, mas se está na Bíblia…
Quem não quer que a nossa comunidade exista são os homens que traduziram a Bíblia. Porque colocando nela que é um pecado eu ser quem eu sou, sai a voz de quem está dizendo e passa-se a responsabilidade para a Bíblia. Assim como a lei brasileira permitiu que “vadios” (negros que foram para as ruas e periferias após a abolição da escravatura, mas exatamente por não terem mais trabalho, já que o trabalho deles era a escravidão, com instrumento de lei) fossem presos, a relação é mais ou menos a mesma.
“Não sou eu quem digo, é a Bíblia”. E a Bíblia foi traduzida, modificada, com termos incluídos e excluídos por quem, nesses mais de 2 mil anos de história?
Me chama a atenção, também, o quanto esse discurso (que eu falei lá em cima e repito agora: raso e fraco) implode e se contradiz dentro dele próprio: quando é dito que “você é aceito na igreja sim, mas…”
Não tem mas, porém, ou qualquer outro termo. Ou eu sou aceito ou eu não sou. Eu não posso ser menos eu para estar em algum lugar. Quando estamos em um lugar apertado demais, alguém tira um braço ou uma perna, um pouquinho de si, para caber ali? Porque eu esconderia a personalidade de ser quem eu sou para agradar alguém/algum ambiente?
Que a gente possa viver a nossa verdade sem medo. Sabendo que a nossa existência, caso gere incômodo em alguém, indica que estamos no caminho certo.
Quanto a mim e ao meu Deus, que tanto agradeço pelo dom da vida, a dádiva de existir e o orgulho de poder ser exatamente quem eu sou, com Ele sim, meu contato é bem próximo.
Bem-vindo, bem-vinda e bem-vinde aos novos textos desta coluna. É um prazer ter você comigo!
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