Nada é menos progressista que o progresso

O progresso é uma ideologia de que tudo sempre tende a melhorar, mas não, as coisas permanecem, e os significados se reajustam ao presente.

  • Por Fernando Rodrigues de Almeida

    Se teve uma coisa que a democracia parlamentar liberal conseguiu em termos ideológicos foi a neutralização de qualquer ideologia a qual não seja a democracia parlamentar liberal.

    O grande problema disso não está na forma democrática, afinal ela é o que temos contra os autoritários, porém é o fato de que, diferente de uma democracia ateniense, a democracia liberal tem uma natureza tão formal, fundada no racionalismo, que qualquer coisa pode se apresentar dentro dessa forma, desde que não contradiga sua estrutura.

    Tudo que está fora da forma liberal-democrática é anti-democrática, de tal forma que se determinado tipo de pensamento quer participar da modernidade este tem que se adequar as razões da forma liberal da democracia parlamentar.

    Isso fica mais claro quando tentamos exemplificar com aquilo que é pauta, a tal da “direita” e da “esquerda”. Houve um tempo, talvez até o fim da segunda guerra mundial, que era muito fácil determinar essas estruturas, do lado da direita tínhamos um conservadorismo teológico baseado em uma forma política que seguia uma arquitetônica da igreja católica como forma, obviamente com raízes morais, mas que tinha um forma bem estruturada, que era autoritária e não se coadunava com a democracia, tanto que seus grandes autores escreviam contra a democracia liberal.

    Do lado da esquerda, também era fácil determinar, tínhamos as linhas de pensamento marxista, que em seu cerne seguiam determinada forma de estruturação baseada no rompimento com o capital e a relação com as forças produtivas como meio de gestão, mas, da mesma forma, não compactuavam com o modelo da democracia liberal.

    Dessa forma, liberais, conservadores e marxistas tinham posicionamentos muito claros sobre a realidade política. O problema é que depois disso, o racionalismo do liberalismo ganha o debate, e a partir de então não há nada fora dele.

    Veja-se pela própria guerra fria, o foco não eram as raízes dos problemas políticos, como no debate que perdurou por um século antes, era justamente o quanto cada modelo de estado poderia se dar com o desenvolvimento econômico e tecnológico, não se tratava mais dos modelos de crença política, mas sim no progresso.

    A partir da vitória liberal para participar da democracia tanto a “esquerda” como a “direita” deveriam provar a sua capacidade de progresso para participar do debate. Mas e onde fica o liberalismo, grande vencedor do processo político e implementador da democracia nesse debate? Ora, o liberalismo não precisa mais se prestar a forma política, porque agora que o progresso é a fonte do debate as antigas formas política se tornam novos liberais.

    Sim, o que estou afirmando é que, o liberalismo por si, virou uma forma vazia que deu lugar aos novos liberais, que nada mais são que a antiga esquerda e direita adaptadas à democracia.

    Os conservadores, que a princípio teriam mais dificuldade com o progresso, justamente pela ideia da conservação, tiveram que se virar, justificar seus pressupostos políticos em formas morais e narrativas sociais, mas aproximar-se de um novo modelo político de capital, seja chamado de neoliberalismo, escola de Chicago, ou seja lá como for.

    Por mais que seja um contradição em termos a ideia de “conservador na moral e liberal na economia” por razões de impossibilidade de convivência entre esses modelos, os conservadores agora precisam provar que o progresso pode ser garantido por eles.

    Do outro lado, os marxistas, agora reféns do debate liberal, tiveram que se apegar nas questões sociais e positiva-las como direito, sejam direitos sociais, sejam direitos individuais, seja garantias fundamentais. Ou seja, sem nenhuma relação mais com a cadeia produtiva do capitalismo, agora é função da nova esquerda, defender a manutenção desses meios produtivos desde que garantidos direitos ao antigo proletariado. Tanto que, mais a vontade ficam quando são chamados de “progressistas”, ao invés de esquerda.

    Ser chamado de progressista é sempre mais confortável, afinal, se progressista é democrata e não mais vinculado a qualquer ideologia que não permita o inefável progresso. Mas que progresso é esse afinal?

    Aí sim, temos um termo essencialmente político desses vitoriosos liberais. O progresso como uma máquina inefável e invencível. Não há como, utilitariamente, a tecnologia de hoje ser pior que a de ontem. Um celular é lançado sob a perspectiva de ser superado; um carro é comprado sob a expectativa de se reconstituído; um computador é programado aguardando a atualização. Isso é progresso, o modelo imparável que a técnica nos apresenta. E essa técnica era a ideologia que os liberais custavam a aceitar que tinham.

    Mas por que ideologia se o progresso é isso mesmo? Bem, porque o progresso não existe em termos reais, progresso é uma ilusão da percepção racional, é aquilo que Descartes chamaria de dúvida metódica, mas, diferente do modelo cartesiano, de uma forma que é impossível superar, uma vez que é ideologia.

    É mera ilusão porque o objeto não muda racionalmente, quando o Iphone 13 se torna o Iphone 14, não é o Iphone que mudou, mas suas capacidades, o objeto permanece o mesmo. Na nossa percepção racional o objeto mantém sua estrutura na percepção racional, são suas capacidades que se ressignificam no momento me que experimentamos.

    É aquela sensação que a nossa dependência da tecnologia atual é algo inerente, mas há 10 anos atrás você vivia tranquilamente sem essas tecnologias.

    O progresso é uma ideologia de que tudo sempre tende a melhorar, mas não, as coisas permanecem, mas seus significados se reajustam ao presente, mas dando uma perspectiva de que são interminadas e necessitam de uma nova atualização, de tal forma que o presente é somente uma referência ao passado para uma comparação da expectativa do futuro, em outras palavras, o presente é inútil.

    Com isso o progresso se torna mais que técnica, mas este passa a ser uma obrigação, e mais que uma obrigação técnica é uma esperança útil.

    Por outro lado essa esperança se relaciona diretamente com o sujeito que consome o objeto, ou seja, a pessoa, que esta sim não progride, uma vez que a ela não se aplica atualização de software, tampouco remolduras de finalidade, o processador não fica mais rápido, ao contrário, está sempre em caminho-para-a-morte.

    A pessoa é o oposto do progresso, afinal, em termos físicos só há déficit, já em termos racionais não há melhora nem piora, há só uma nova consideração sobre o normal ao qual se aplica o presente, mas sempre na expectativa de melhora do futuro, de tal forma que a pessoa, no progressismo é um passado sobre o futuro, sem presente, apenas esperança e expectativa, sem agora, sem espírito, apenas uma perspectiva de produto, aí sim, uma coisificação, uma ideia essencialmente liberal, o capital e a mercadoria, não importa o que tem de essência, a forma liberal está aí, clara e vitoriosa, de forma que, se não temos nem esquerda nem direita, porque tudo é liberal, tudo é progressismo, quanto há nós mesmos,  só resta esperar a profecia liberal da melhora do progresso.

    Imagem: Freepik / Foto criada por @rawpixel.com

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