Humildade que soa como arrogância (ou a negação da negação do ego)

Na coluna desta semana, descubra as reflexões sobre a verdadeira essência da humildade e a sua relação com a arrogância.

  • E um dia Karl Kraus lançou para o mundo um dos mais completos e egrégios aforismos:

    “Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Contra aqueles a lei me protege.”

    Logo, eis que nos prostramos ante algumas idéias semelhantes. Erijemo-nos, pois, a cabeça e com a face apática pensemos que, cada vez mais, testemunhamos o mundo com uma alma macróbia e ranzinza.

    Mas veja bem…

    Sarcasmo, ironia, cinismo, arrogância, e tantos outros títulos que contrapõe a ideia obsessiva da humildade como bondade, ou a soberba no cinto de utilidades do Batman Adam West, se tornam cada vez mais inevitáveis defronte aos discursos que somos obrigado a conviver na própria forma de vida em que vivemos, que é justamente a meritocracia compulsória e a guerra de valor de mercado que se tornou nosso significado social.

    Discursos, de almas pudicamente voluptuosas, que julgam os pecados da humanidade, contudo não são capazes de entender que a humildade compulsória é, na verdade, o predicador do apocalipse mental.

    Eis a grande confusão: o pressuposto seletivo da capacidade de compreender a intensão do outro.

    Como se sabe, nossa capacidade telepática ainda é pauta exclusiva de ficção científica, canais de YouTube de linguagem corporal que se definem como ciência e fóruns de ufologia, então como bons céticos podemos entender que, de fato, não somos capazes de perceber no outro suas intensões, apenas seus atos.

    Mas há uma seletividade interessante nisso. Quando se trata de punitivismo, de condenação moral, rapidamente legitimamos, até legalmente o pressuposto da intensão. Veja-se no próprio direito, que permite que o Juiz, legitimado pela lei defina a culpabilidade, ou seja, a intensão do autor. Nada polêmico nisso. Por outro lado, aquele que age como humilde por pura obrigação, não se questiona a legitimidade.

    Humildade aqui não é um dever moral, é a conveniência da nossa incapacidade de ligar com a sensação de diminuição. É a arrogância de não poder estar abaixo de ninguém, logo, o arrogante se torna insuportável e a humildade se torna obrigação.

    De tal forma o humilde é aquele que não está, necessariamente de espirito esvaziado, mas sim de cabeça baixa. O fariseu é fácil de culpar, justamente porque ele grita, de outro lado, a humildade demandada é puramente comportamental, que só revela o quanto se é arrogante em ser incapaz de lidar com qualquer ameaça a uma ilusão de superioridade.

    Mas talvez seria ainda pior se percebêssemos que não há, no humilde e no arrogante, no moral e no desajustado, no sábio e no ignóbio, tantas diferenças, tornando estes iguais entre si, e provavelmente menores que tantos outros animais que não fazem essa diferença.

    Imagem: Freepik / Foto criada por @kues1

    Siga o Fernando Rodrigues de Almeida nas redes sociais: @fernandorda

    Comentários estão fechados.